AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)
CAPÍTULO 6 - A EXPANSÃO MUNDIAL DO SWING
(continuação)
Centenas
de músicos norte-americanos
se sentiram contagiados de uma forma positiva e saudável pela febre do jazz quando
perceberam que aquela música despojada e criativa oferecia uma bela alternativa
para fugir da horizontalidade que se configurava como o padrão musical do
Ocidente naquela segunda metade do século dezenove.
Naquela época, a
música executada nas grandes cidades da América do Norte se limitava a algumas
incursões isoladas de uns poucos músicos espalhados aqui e ali ou a uma
produção orquestral solene, mostrando os estilos praticados na Europa, que
variavam entre a valsa, a polca, a canção romântica e as esvoaçantes músicas
para dançar.
Os relativamente
poucos instrumentistas avulsos letrados pertenciam à classe burguesa e haviam
aprendido o violino, o piano ou a flauta segundo a orientação dos seus
professores, todos com raízes profundamente fincadas nos moldes da educação
musical formal européia, o que não contribuía em nada para a emancipação de um
tipo de música que pudesse traduzir a verdadeira expressão da alma popular
americana.
Pouca coisa nova
era acrescentada à musica nacional do país – se é que aquela música sem
identidade podia ser chamada de música nacional – com exceção do som impregnado
pela cultura dos negros que era ouvido no sul do Texas, no Delta do Rio
Mississipi e em algumas regiões do sudeste americano, exibido por menestréis
sem formação acadêmica, descendentes de escravos que cantavam seus lamentos
acompanhados pelas notas dolentes e preguiçosas de um violão capenga, de um
banjo sobrevivente da época da guerra civil ou de uma rabeca de fabricação
caseira.
A música
“nacional”, de fato, não existia, talvez pela extensão territorial exagerada
que ela teria que cobrir utilizando-se dos parcos recursos de comunicação e
divulgação de antes do século vinte, ou talvez pela própria falta de interesse
do povo americano em adotar uma música que pudesse representá-lo.
É claro que
naquelas alturas ninguém estava articulando seriamente o lançamento de um
estilo musical que fosse novo, diferente e interessante o suficiente para
rotulá-lo como “música produzida nos Estados Unidos” a fim de consumi-lo
internamente e de exportá-lo para outros países. No entanto, não apenas a
América estava se ressentindo de um novo som que pudesse motivar os músicos e o
público apreciador, como o próprio mundo estava aparentemente aguardando por
uma novidade depois de séculos de estagnação.
Afinal, os
diversos estilos que representavam os diferentes países e as diferentes
comunidades existentes na Europa já estavam claramente definidos tendo por base
a cultura de cada região, o que caracterizava contextos musicais peculiares e
estabelecia as diferenças marcantes entre os tipos específicos de música – a
italiana, a francesa, a russa, a portuguesa, a alemã, a espanhola e a eslava,
entre outras.
Os Estados Unidos,
no entanto, por ser um país relativamente jovem, extenso, e por ter sido
colonizado por diferentes culturas, ainda não havia definido um estilo próprio.
A própria western country music, – a chamada
música country americana – tida e
havida por muitos como representativa de vaqueiros e habitantes rurais do
centro-oeste americano, nada mais era do que uma dança irlandesa adaptada para
as condições áridas da zona desértica de Nevada, das savanas do Colorado e do
Arizona, e das pastagens do Novo México. Mesmo o ragtime, que é considerado uma das origens do jazz, mantinha ainda
uma estreita e inconfundível ligação com a valsa, com a polca e com o minueto,
marcas registradas da música do Velho Continente (e isto era evidenciado pelo
seu estilo pianístico, que lembrava a música extraída pelos dedos hábeis e
melodiosos de Lizst ou Chopin).
A expansão
nacional do ragtime foi acelerada em
virtude de alguns negros e creoles da
Louisiana haverem se identificado amplamente com o estilo e começado a impor
algumas alterações quase imperceptíveis que acabaram em pouco tempo modificando
significativamente a sua estrutura na pulsação e no tempo, fazendo com que ele
adquirisse a mesma malícia das outras músicas que estavam acontecendo em Nova
Orleans. O estilo pianístico também ganhou uma boa dose da dolência do blues e começou a deixar de lado os
arabescos mozartianos que faziam o ragtime
soar como um tipo de minueto.
Já a country music, por conta do
conservadorismo dos brancos que habitavam a região central, só viria realmente influenciar
a música americana fora do seu território cultural cerca de cinqüenta anos
depois, ao adicionar a sua essência ao rhythm
& blues e colaborar com o surgimento do rock and roll.
Dizer que o jazz
nasceu em Nova Orleans se tornou uma tradição, mesmo que isto não seja
totalmente verdade, pois o espírito de uma música livre das amarras dos padrões
europeus tomava corpo não apenas na Louisiana, mas também em Kansas, no
Tennessee, no Texas, no Missouri e no Alabama. Pode-se, no entanto, afirmar com
absoluta precisão que Nova Orleans representa o início do caminho percorrido
pela música americana que se consolidou no século vinte.
Em outras
palavras, o jazz pode até ter tido um envolvimento direto com diversas outras
localidades, mas foi em Nova Orleans que ele agregou os principais músicos e
ganhou fôlego para conquistar o país.
Foi lá que alguns
aventureiros criativos perceberam ser possível transgredir certas regras
musicais vigentes e tentar experiências ousadas no sentido de enriquecer a
música então existente, buscando uma forma híbrida de composição e
interpretação, uma fórmula entre o que existia e o que foi criado. Eles fizeram
com que a melodiosidade da música clássica, a precisão da música lírica, a
rusticidade da música dos cabarés, a habilidade e o improviso dos músicos
amadores e a alma dos menestréis dos violões capengas se fundissem numa só
mensagem.
Muitos desses
músicos eram autodidatas puros, sem a menor formação teórica, e executavam uma
proposta musical totalmente oposta a outros tantos profissionais gabaritados.
Estes músicos amadores, no entanto, conseguiam ocupar muitos espaços diante do
público, principalmente no que dizia respeito ao teatro musicado – como os minstrels, o vaudeville e o teatro de
revista, que levavam música e interpretação cênica para os mais diferentes
rincões – ou à chamada street music,
a música de rua, onde grupos se formavam aleatoriamente por puro diletantismo e
para distrair os passantes.
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