AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)
CAPÍTULO 6 - A EXPANSÃO MUNDIAL DO SWING
(continuação)
Sob a
influência do
ragtime e das orquestras que faziam a
alegria de Nova Orleans no final do século dezenove e início do século vinte –
como a Jack “Papa” Laine’s Reliance Brass Band, a John Robichaux’s Band, a
Buddy Bolden’s Band, a Alphonse Picou’s Columbia Brass Band e a Manuel Perez’s
Imperial Orchestra – surgiu o stomp,
um misto de alegria burlesca com a pulsação vinda das raízes populares. Eles criaram
também o new orleans blues, uma forma específica de
interpretação que não respeitava necessariamente a estrutura do blues convencional. O new orleans
blues servia tanto para abrilhantar o Mardi Gras como para homenagear algum
sujeito benquisto ou razoavelmente importante por ocasião do seu funeral.
A mistura da “música
na sua forma bruta” (aquela executada pelos menestréis e pelas bandas de rua,
conhecidas como spasm bands) com a “música na sua forma pura”
(aquela tocada pelos pianistas, violinistas e outros artistas com formação
acadêmica) teve como resultante o "som americano”, que foi se refinando,
se ajustando e tomando corpo durante a transição dos séculos dezenove e vinte,
tendo como base principal o senso de improviso e criatividade do intérprete.
O ragtime se modificou de acordo com a
nova tendência e entrou como ingrediente nessa receita, passando a fazer parte
do cardápio do americano do sul do país, para depois rapidamente ganhar adeptos
nos seus quatro quadrantes, começando pelo jazz tradicional para logo mais se
sofisticar no estilo chicago, e continuar sofrendo sucessivas
modificações durante o século, enquanto conquistava espaço.
Dentro deste
quadro, Nova Orleans foi única e fundamental, e fazia sentido que assim o
fosse.
Misturada com os
nativos do lugar, por lá perambulava toda a sorte de indivíduos – aventureiros,
jogadores, religiosos de todas as crenças, comerciantes, agiotas, marinheiros,
desertores, foras-da-lei, ex-escravos, fugitivos, espertalhões, jogadores, oportunistas,
prostitutas, beberrões, intelectuais, poetas e, principalmente, músicos.
Lá, pessoas de
todos os matizes e de todas as raças coabitavam numa harmonia invejável, numa
mistura de línguas e de culturas, coroada por uma gastronomia absolutamente
diferente do padrão americano. Este clima de amistosidade acabou sendo
transportado para o campo da música.
A convivência dos
opostos musicais era respeitosamente cultivada. A imponência da ópera coexistia
com a sutileza da valsa francesa, o mesmo acontecendo entre a força da música
germânica, a seriedade dos cânticos de igreja, a malícia da música dos creoles, a picardia da música caribenha
e a aspereza melancólica e sincrética da música dos negros.
Esta convivência
produziu um som peculiar e inconfundível que tomou conta das esquinas, dos
becos e dos cabarés, executado pelas spasm
bands, pelos pianistas de ragtime,
pelos músicos de honky-tonk – um
ritmo pianístico originário dos botequins do Texas – e também pelos bluesmen solitários.
De Nova Orleans
partiram as alegres troupes de artistas coloridos que subiam e desciam o Rio
Mississipi e aportavam nas cidades ribeirinhas a bordo dos riverboats, barcos que transportavam pessoas e carga e ao mesmo
tempo levavam uma quantidade considerável de boêmios e de apreciadores da boa
música, que usufruíam das viagens como uma simples aventura musical contada
pelo piano, trompete, clarinete, bateria e o que mais houvesse, levando o jazz
ao sabor da correnteza, “up and down the river”.
Foi em Nova Orleans,
ou nos seus arredores, que nasceram alguns dos fantásticos músicos que ajudaram
a escrever a história do jazz – Buddy Bolden, Freddie Keppard, Bunk Johnson,
King Oliver, Kid Ory, Jelly Roll Morton, Jimmie Noone, Omer Simeon, Louis
Armstrong, Armand J. Piron, Nick LaRocca, Paul Mares, Natty Dominique, Ray
Bauduc, Johnny Dodds, Wingy Manone, Lorenzo Tio – e foi lá que as
circunstâncias fizeram com que popular e erudito caminhassem de mãos dadas na
elaboração de uma música de abrangência nacional que em breve atravessaria as
fronteiras e se transformaria numa música universal.
Assim, o sul dos
Estados Unidos ditou o tom da nova moda, que se espalhou rapidamente, chegando
em pouco tempo em Saint Louis, Chicago e Nova York – e mais tarde em Los
Angeles – graças à diáspora dos
músicos que estavam perdendo espaço em
Nova Orleans. Em Chicago, o jazz tradicional encontrou um público mais
refinado, que se divertia em salões elegantes ricamente ornamentados, ao som de
orquestras também refinadas que interpretavam o fino da música européia de avant-garde.
Do encontro destes
estilos – o stomp e o improviso de um
lado, e as valsas e mazurcas do outro – aconteceu o inevitável.
Ao mesmo tempo em
que os músicos semiletrados do jazz percebiam certas nuances e modulações com
as quais não estavam acostumados (e que muitos sequer conheciam), os músicos mais
eruditos das orquestras de dança começaram a perceber que havia algo de novo
acontecendo debaixo dos seus narizes, com um beat invertido, com um tempo repleto de pausas inesperadas, com o
compasso alterado, com surpreendentes paráfrases da linha melódica e – para a
sua estupefação! – com uma harmonia delicadamente alterada por sons que não
pareciam ser cromáticos e que “desafinavam” sutilmente nas passagens entre os
acordes.
Eles aprenderam um
com o outro, e ambos adotaram um pouco de cada tendência.
O jazz
tradicional, musicalmente rústico e fortemente marcado, assumiu uma
personalidade mais soft, o que fez
realçar a sua harmonia e musicalidade. A música de salão, por seu turno, que
era naturalmente sisuda, comportada e destituída de maiores acidentes, assumiu
uma face mais improvisada e brejeira.
Estava instaurado
um som intermediário que mantinha a linhagem das grandes orquestras e permitia
o improviso e a criação que se escondia por detrás da música aparentemente
descompromissada do sul do país.
Foi desta forma
que apareceu o swing, estilo que dava
à música a conotação do jazz ao mesmo tempo em que mantinha a burguesia se
divertindo nos salões. O swing foi
surgindo meio timidamente, através de uma ou outra intervenção no meio das
valsas e dos tangos, e mesmo que ofuscado pelos arranjos europeizados e cheios
de cordas de Paul Whiteman e Art Hickman, foi soltando as amarras e aos poucos
assumindo seu lugar na dança de salão com Fletcher Henderson, Chick Webb,
Jimmie Lunceford, Cab Calloway, e outros tantos mais.
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