AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)
CAPÍTULO 8 - O LINDY HOP
Pode soar estranho, mas as origens do Harlem, o mais importante bairro negro dos Estados Unidos, não têm nada a ver com a raça negra.
O Harlem foi
fundado por holandeses, que em 1658 se estabeleceram no norte de um local que
um dia seria Nova York, comandados por um militar de nome Peter Stuyvesant. Em
homenagem à cidade de Nieuw Haarlem, que ficava na região costeira da Holanda
junto ao Mar do Norte, a nova comunidade se chamou Haarlem, que tempos depois
virou Harlem.
Durante algum
tempo, aquelas terras foram exploradas pelos holandeses remanescentes da
Companhia das Índias Ocidentais que lá exerceram diversas atividades rurais e
desenvolveram o lugar até que apareceram os ingleses e os nativos, que juntos
puseram todo mundo pra correr, iniciando a lenta reurbanização do local. No
final do século dezoito a região estava tremendamente valorizada e servia de
habitação para alguns burgueses abastados provenientes da parte de baixo de
Manhattan.
A grande invasão
negra, de fato, começou apenas na metade final do século dezenove, mas
aconteceu de tão forma rápida e eficiente que em menos de trinta anos fez
florescer no lugar, de uma maneira inesperada e fascinante, uma forte cultura
afro-americana. Este crescimento, principalmente o referente ao período
compreendido entre as décadas de 1920 e 1930 ficou conhecido como “Harlem
Renaissance”, numa alusão ao Renascimento europeu, que nos séculos quinze e
dezesseis elevou as artes – como a pintura, a música e a literatura – a
patamares antes nunca vistos.
Durante o período
deste Renascimento afro, os negros que habitavam o bairro do Harlem pareciam
viver em um território totalmente à parte, imunes aos diversos tipos de
preconceito, apesar da política racista da época que imperava em outros rincões
dos Estados Unidos. Lá no Harlem o negro se sentia seguro e praticamente inatingível,
compartilhando com seus pares um clima de igualdade e fraternidade.
No
Harlem havia bares, cabarés e casas de diversão onde praticamente só os negros
frequentavam, não porque fosse proibida a entrada de brancos, mas porque os
brancos simplesmente não se sentiam à vontade dentro de um ambiente tão
especialmente fabricado para os negros, que usavam um linguajar característico
e curtiam a sua música e as suas idiossincrasias.
A falta de
dinheiro e de oportunidades, e a falta de perspectivas de progresso e de vida
eram flagrantes, mas nada disso era empecilho para que os negros do Harlem se
divertissem pra valer. Aqueles que tinham habilidades artísticas – cantores,
dançarinos, músicos, atores – as exerciam com entusiasmo e maestria.
O Harlem foi a
casa de muitos negros importantes em nichos de arte ou humanismo mesmo não
tendo qualquer relação com o jazz ou com a música, como o poeta James Langston
Hughes, as escritoras Zora Neale Hurston, Jessie Redmon Fauset, Gwendolyn
Bennett e Marita Bonner, os escritores James Weldon Johnson, Sterling Allen
Brown e Marcus Garvey, o líder trabalhista Philip Randolph, o jornalista
Wallace Thurman, e os líderes dos direitos civis Dorothy Height e William
Edward Burghardt Du Bois. O bairro era chamado de “Negro Metropolis” – a Metrópole do Negro – pelos intelectuais e
noctívagos de todos os tipos que para lá convergiam, entre os quais artistas, intelectuais,
pensadores, bêbados e boêmios de todos os padrões.
Quem
não tinha o talento do intelecto procurava exercer a sua habilidade de outra
forma, e uma das formas mais utilizadas de fazê-lo era dançando. Dançar não
custava dinheiro, era estimulante e fazia parte do “nacionalismo” do bairro.
Dançar também fez com que os negros explorassem, por muito tempo, o ritmo
envolvente e suado do estilo new orleans
ou das músicas caribenhas trazidas do sul. Isto até que chegou o swing, que não parecia ser uma música
típica da raça, mas era desprendido, arrojado e acrobático e possuía um balanço
bem próprio do nome, o que dava condições aos dançarinos de promoverem o
exercício da sua criatividade com muita liberdade e prazer.
Os americanos já
haviam experimentado diversos tipos de dança, desde as tradicionais valsas e
polcas dos salões europeus até o charleston,
dança cultivada pela elite branca que surgiu nos salões na década de 1920,
solto e atrevido, apreciado pelas classes média e alta, com as mulheres de
cabelo curto usando saia também curta e mostrando as pernas sem qualquer pudor.
O distante centro-oeste cultivava a square dance, um tipo de quadrilha
na qual os casais dançavam ao som de violões, sanfona, rabeca e harmônica de
boca, dentro de uma coreografia com passo marcado. Estas danças, porém,
pareciam ser excessivamente brancas para os padrões do Harlem.
Lá no Harlem, o beat acentuado do swing e as nuances modernas da música incentivaram o espírito
inventivo dos negros. Mesmo com uma razoável “porção branca” embutida, o swing deu grande motivação aos
bailarinos, pois os compeliam a movimentar o corpo mais do que o faziam as
outras músicas mais ou menos dançantes (ou nada dançantes, como o blues e o spiritual).
Em
1926, quando o Savoy Ballroom se instalou no coração do Harlem, ele trouxe
consigo a mania da dança de salão, hábito que se praticava em Chicago e, mais
longinquamente, em Los Angeles. Naquele tempo a principal casa noturna do
Harlem era a Sans Souci, fundada em 1828, que tocava primordialmente rumba, uma
música que havia caído no gosto dos antigos colonizadores e que agora se
perpetuava entre os negros, entre os quais se misturavam cubanos, panamenhos e
porto-riquenhos.
O efeito Savoy
abriu as portas para que o jazz em forma de swing
pudesse competir com o traditional jazz e com as músicas afro-cubanas,
oferecendo ao praticante uma possibilidade diferente de dançar, fazendo coro ao
ritmo e às estruturas musicais modernas. Com isso, a nova casa engoliu o Sans
Souci.
A dança que
encarnava o swing já estava tomando
conta da cidade, mas não havia sido ainda batizada, até que, numa noite de
março de 1927, o aviador Charles Lindbergh, que se faria mundialmente famoso
dois meses depois ao atravessar o Atlântico voando numa casca de noz, estava
presente no Savoy. Um tal de Arnold Buster, frequentador assíduo da casa, fez
uma brincadeira maldosa ao declarar que, em homenagem ao aviador, ele iria demonstrar
um passo de dança denominado “Lindbergh Hop” (o “pulinho” do Lindbergh) – “hop” em inglês, entre outras coisas significa
“o saltitar dos pássaros quando se movimentam no solo” – como se o avião do
piloto não fosse levantar vôo, mas simplesmente pular de um lado para outro na
pista – do aeroporto, não do salão.
A
piada, um tanto desrespeitosa e de mau gosto, pode não ter pegado, pois o avião
de Lindbergh decolou de fato, mas a dança, que adquiriu o nome de “Lindy Hop“,
acabou se imortalizando e se tornou tão popular que ajudou a concretizar o novo
panorama dançante que tomaria conta do país nos próximos vinte anos,
prosseguiria através do tempo e
ditaria as tendências da moderna dança de salão em todo o mundo.
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