AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)
CAPÍTULO 7 - AS CORES DO SWING
A história da
música nos Estados Unidos tem uma estreita relação com as mudanças sociais e
com as influências históricas sofridas pelo povo americano no início do século vinte.
Um
estudo profundo de sociologia vai levar o leitor à conclusão de que a aceitação
pelo público – e pelos músicos – dos estilos musicais que foram surgindo e se
modificando ao longo do tempo não aconteceu por acaso. Ela se deveu
principalmente às grandes convulsões sócio-econômicas acontecidas no país.
O êxodo de muitos
habitantes da Louisiana e de outros estados vizinhos Rio Mississipi acima se
deu em virtude de diversas razões que incluíram desde a Primeira Guerra Mundial
e a crescente industrialização do norte do país até a procura de melhores
condições de vida e de empregos assalariados. Quanto aos músicos de Nova
Orleans, a sua migração se deu mais pelo desemprego, face ao fechamento de
muitas casas noturnas da cidade, do que propriamente por uma necessidade,
digamos artística, de expandir seus horizontes.
Tanto isto é
verdade que, apesar do jazz tradicional ter se espalhado por diversas regiões
do país, a sua trajetória foi claramente direcionada para o norte – Saint
Louis, Kansas City, e principalmente Chicago – pois era lá, mesmo com a Lei
Seca e outras restrições, que o show business reluzia.
O músico da
Louisiana – fosse ele negro ou creole
– era definitivamente caseiro, e se não fosse por estritas razões de
sobrevivência ele jamais se preocuparia em deixar a sua casa, a sua terra, os seus
amigos e o clima do sul para se aventurar para o norte, sujeito ao frio
inclemente de certas épocas do ano e às chuvas e trovoadas da vida, emoldurados
pela discriminação devido à sua raça ou origem.
De qualquer forma,
o país estava mais alegre, pois em 1918 tinha acabado a Primeira Guerra
Mundial, e o som otimista do dixieland parecia ter se expandido
exatamente para retratar este estado de espírito.
É importante
mencionar este clima de alegria, porque nem os hinos solenes utilizados em Nova
Orleans para os funerais, nem o lamento sofrido do root blues pegaram carona
com os músicos que foram para Chicago a caminho de uma metrópole mais realista
e possivelmente insensível a essas dores da alma. Assim, este estilo “down” de interpretar o blues de Nova Orleans se manteve como
referência da música tradicional do sul, mas não viajou rio acima.
As
grandes orquestras que floresceram em Chicago nos anos 1920 eram o reflexo do
refinamento de uma sociedade que continuava comemorando o final da guerra e o
início da importância que os Estados Unidos passaram a ter para o mundo.
As
pessoas estavam vivenciando um impacto tecnológico até então não experimentado.
A telegrafia e as radiocomunicações encurtavam distâncias, as indústrias do
rádio e do cinema estavam florescendo, músicas eram reproduzidas por discos que
eram vendidos e tocavam nas rádios, os aviões começavam comercialmente a cruzar
os ares, os médicos já conseguiam enxergar por dentro dos pacientes através das
chapas de raios X, e os automóveis passaram a ser produzidos em série.
Nas
ciências, Freud e Einstein desfilavam suas teorias revolucionárias e os homens
aguardavam com expectativa outras inovações tecnológicas para aprimorar o seu
grau de conforto.
No
campo da música, surgia finalmente em fevereiro de 1917 a primeira gravação de
jazz, pela Victor Talking Machine Company – as músicas “Dixieland Jazz Band
One-Step” e “Livery Stable Blues” – feita por um grupo de músicos de Nova
Orleans (ironicamente brancos, todos eles) a Original Dixieland Jass Band,
liderada por Nick LaRocca. A partir daí, por toda a década de 1920 foi aberto o
espaço definitivo para gravações da música de jazz e suas assemelhadas, o que
fez proliferar um grande número de músicos talentosos.
Na
verdade, o primeiro músico de jazz convidado para uma gravação foi o
trompetista negro Freddie Keppard, em 1914. Keppard, no entanto, recusou porque
temia que com a gravação muitos trompetistas encontrassem facilidades para
copiar o seu estilo. Freddie Keppard era um músico de mão cheia, mas sua
cabeça, como se vê, era mais ou menos vazia.
Com todas estas
coisas se sucedendo, a década de 1920 tornou-se propícia para o surgimento de
alguma novidade que consolidasse as tendências populares e ao mesmo tempo
criasse um som que representasse a cara e a disposição do povo americano
naquele momento.
Daí surgiu o swing.
O swing foi o resultado de uma
padronização maciça que tomou conta do país antes de eclodir a Segunda Guerra
Mundial.
A ordem do dia era
dançar, mas não da maneira tribal nascida das brincadeiras das spasm bands
de Nova Orleans na virada do século dezenove para o século vinte, como propunha
a agitação do dixieland, nem da maneira sofisticada e elegante como
convinha às orquestras de dança que divertiam a elite do alto da costa leste. A
ordem do dia era dançar de uma forma descompromissada, contagiante e frenética,
o que fez com que jovens e adultos, homens e mulheres, estudantes e
profissionais, pobres e ricos, negros e brancos lotassem os salões e
exercitassem a sua alegria através da música das big bands.
Em 1933, enquanto a
Era do Swing ganhava corpo, as
pessoas tinham muito que comemorar, apesar de a Depressão ainda se fazer
presente: a nova política do recém-eleito presidente Franklin Delano Roosevelt
revogava a Lei Seca e prometia um período de recuperação financeira, convocando
o povo americano para uma cruzada de otimismo, como que antevendo a necessidade
de uma forte união entre as pessoas para enfrentar a nova convulsão que
aconteceria dali a alguns anos, desta vez de âmbito mundial.
É claro que a transformação
– alguns diriam “aprimoramento” – do dixieland e do estilo chicago, de um
maravilhoso primitivismo musical cheio de asperezas, para o melodioso swing a partir dos arranjos mais
arredondados, e o distanciamento cada vez maior das raízes do puro jazz de Nova
Orleans recheado de gospel, blues e stomp, também fizeram
a sua parte na aceitação e na aclamação popular.
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