AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)
CAPÍTULO 7 - AS CORES DO SWING
(continuação)
Por
estranho que possa parecer,
apesar do swing soar mais fácil e
confortável para os ouvidos do público, ele ficou mais sofisticado com respeito
ao ritmo e à concepção dos arranjos. Os estilos provenientes de Nova Orleans
possuíam basicamente uma batida 2 por 2, ao passo que no swing o ritmo obedece ao esquema 2 por 4, com variações para 4 por
4, quando acentua as quatro batidas do compasso.
Evidentemente
existiam honrosas exceções no jazz tradicional, como Louis Armstrong, que já se
aventurava no 4 por 4 nas suas apresentações. Mas Armstrong era ele próprio uma
exceção, com seus efeitos inventivos como, por exemplo, fazer um improviso
inteiro baseado em uma nota só, parafrasear uma música usando uma linha
harmônica diferente da original e modificar em trezentos e sessenta graus a
forma de interpretar uma música quando se punha a cantar.
O swing propiciou a formação das big
bands, orquestras que prescindiam de certos instrumentos sinfônicos e das
cordas, muito embora as cordas continuassem a ser utilizadas por alguns bandleaders em casos de orquestrações
específicas. No swing, as modulações
– raramente experimentadas no jazz tradicional – ganharam espaço e traduziam
arranjos mais bem elaborados para os ouvidos mais exigentes.
No jazz
tradicional, a formação instrumental utilizada pelo grupo, chamada de lineup, evitava a duplicidade ou a
pluralidade de instrumentos. A base melódica era formada por um trompete – em
geral o líder dos instrumentos e principal solista – um trombone e um
clarinete. A base harmônica se resumia praticamente ao piano e ao banjo. O
ritmo era ditado pela bateria e pela tuba, o que resultava em um som “duro” e
bem resolvido. Em geral, todos os instrumentos tinham a possibilidade de fazer
pequenos solos nos improvisos – que muitas vezes eram cuidadosamente estudados
– mas ao trompete é que geralmente cabia a primazia de executar a linha
melódica principal.
Com o passar do
tempo, e com as modificações sofridas pelo jazz tradicional em Chicago, o
saxofone começou aos poucos a ocupar o lugar do clarinete, e os grupos
orquestrais começaram a usar às vezes dois ou mais saxofones para ajudar na
concepção harmônica e melódica.
A tuba cedeu o
lugar ao contrabaixo, o que deu à pulsação da música um som mais maleável e agradável,
e na bateria a batida do bumbo também ficou menos agressiva.
Apesar da
repentina chegada em cena do saxofone, a sua presença no jazz tradicional não
era muito estranha. Sidney Bechet, que jamais investiria no swing, era um virtuose do instrumento e
alternava o uso do sax-soprano com o clarinete desde o início dos anos 1920,
passando paulatinamente a dar preferência para o saxofone, abandonando o
clarinete aos poucos até adotar o sax de vez exatamente quando o swing começava a tomar conta do panorama
musical. O jazz tradicional perdia um pouco da sua força e característica de
origem, mas adquiria uma outra qualidade sonora.
Com respeito à
base harmônica, a guitarra tomou o lugar que o banjo ocupava ao lado do piano,
a princípio com uma certa desvantagem, pois apesar de possuir uma sonoridade
mais harmoniosa, ela não tinha o mesmo volume do banjo, o que viria acontecer
somente em 1937, quando o guitarrista Charlie Christian desenvolveu um sistema
para amplificar o seu som, criando um captador para uma guitarra elétrica
ES-150.
Nas orquestrações,
porém, o swing passou por uma mudança
considerável – e aqui o arranjador Don Redman teve um papel preponderante.
O lineup se
estendeu para uma média de quatorze a dezoito músicos, e os instrumentos eram
dispostos em naipes – grupos de instrumentos do mesmo tipo. Assim, uma
orquestra de swing apresentava alguns
naipes distintos, cada qual com um líder. Existem os naipes constituídos pelos
trompetes e pelos trombones (brass
section), e o naipe formado pelos saxofones – alto, tenor e barítono – e
eventualmente pelo clarinete (reeds
section). Estes instrumentos eram geralmente responsáveis pelos solos e
pela linha melódica, mas também funcionavam como os agentes de harmonia no background,
tocando os riffs, cobrindo as pausas e preparando os acordes e as
passagens harmônicas.
Já o piano e a
guitarra trabalhavam no auxílio da harmonia e ajudavam na pulsação ao lado do
contrabaixo. Com a bateria, que ditava o ritmo, estes instrumentos faziam o que
se chamava “a cozinha do swing”.
No swing, cada instrumento, incluindo os do
mesmo naipe, funcionava como uma voz individual dentro da multiplicidade de
sons, criando acordes “vocalizados” que tinham o dedo do arranjador e que,
portanto, eram escritos em partituras, o que de certa forma contrariava a
essência improvisada do jazz e dava à orquestra um sentido de execução mais
metódico. Diferentemente das orquestras do início do século vinte, as novas
orquestras destacavam a atuação dos seus melhores músicos, oferecendo a eles a
oportunidade de executarem maravilhosos solos ou pequenas passagens, muitas
vezes livres na sua criação, tendo como limitação apenas a quantidade de
compassos estabelecida pelo maestro ou pelo arranjador.
Com isso, o swing modificou a antiga concepção de
que apenas o bandleader, referência musical da orquestra, tivesse o nome
consagrado pelo público. O músico solista muitas vezes roubava a cena e passava
a ser tão importante que em muitos casos os ouvintes iam assistir a uma
apresentação especialmente por causa deles – não do maestro – ao contrário do
que acontecia alguns anos antes.
Foi desta forma
que alguns mitos passaram a ser conhecidos e reverenciados, como os
saxofonistas Coleman Hawkins, Ben Webster e Chu Berry e o trompetista Roy
Eldridge (na orquestra de Fletcher Henderson); o baterista Gene Krupa, o
pianista Teddy Wilson, o trompetista Harry James e o vibrafonista Lionel
Hampton (na orquestra Benny Goodman); os saxofonistas Johnny Hodges e Paul
Gonsalves, o trompetista Cootie Williams e o clarinetista Jimmy Hamilton (na
orquestra de Duke Ellington); o trompetista Harry James e os trombonistas Glenn
Miller e Jack Teagarden (na orquestra de Ben Pollack); o trombonista Trummy
Young, o guitarrista Eddie Durham e o clarinetista Omer Simeon (na orquestra de
Jimmie Lunceford); o saxofonista Lester Young, o trompetista Harry “Sweets”
Edison e o baterista Jo Jones (na orquestra de Count Basie); os saxofonistas
Charlie Parker, Ben Webster e Paul Quinichette (na orquestra de Jay McShann) e
muitos outros.
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