quinta-feira, 17 de setembro de 2020

 




AS CORES DO SWING
           (Livro de Augusto Pellegrini)

FINAL DO CAPÍTULO 11 - O REI DO SWING

Estava quase na hora de começar o espetáculo.

Goodman, ainda sentado na poltrona de couro com os olhos semicerrados, avaliava as vantagens e o lado negativo de algumas decisões de John Hammond, que o convencera a agregar na sua orquestra, especificamente para esta noite especial, alguns dos ases que tocavam com Duke Ellington e Count Basie.

Goodman relutara, pois tal expediente poderia deixar os músicos da sua orquestra descontentes, mas Hammond o convenceu alegando boas razões de marketing, muito embora evidentemente o termo não fosse ainda utilizado naquele tempo.

Hammond acrescentava que com a diversificação dos músicos, o show iria adquirir um caráter todo especial, pois o “Rei do Swing” iria comandar astros de constelações diversas, mostrando seu lado de líder e organizador musical, e que a música, como um todo, poderia receber um toque de primor nos solos e nos improvisos. Além do mais, a data histórica estava celebrando vinte anos de jazz, portanto a festa tinha um bom motivo para ser diferente.

Assim, mesmo sem estar plenamente convencido de que estivesse fazendo a coisa certa, Benny Goodman admitiu incluir na sua orquestra o próprio Count Basie, que iria tocar piano em duas músicas. Basie estaria levando com ele o guitarrista Freddie Green, o baixista Walter Page e o saxofonista Lester Young. A produção já havia também garimpado junto a Duke Ellington a participação dos saxofonistas Johnny Hodges e Harry Carney e do trompetista Cootie Williams.

John Hammond deu alguns palpites na montagem do repertório para que a presença dos expoentes das outras orquestras pudesse ser ressaltada, mas isso foi restringido a um mínimo necessário, a fim de satisfazer o público sem influenciar no resultado da orquestra de Goodman.

Depois de terminado o show, Benny Goodman iria finalmente perceber que, apesar das suas restrições, o enorme sucesso da empreitada tinha muito a ver com a visão empresarial e artística de John Hammond.

Mas Goodman não teve mais tempo de processar as suas preocupações naquele momento.

McAbee, o principal da produção do Teatro Carnegie Hall, bateu na porta do camarim com o nó dos dedos, extraindo uma sucessão de pancadas ocas que tiraram o maestro do seu devaneio.

O som da voz estridente – “cinco minutos!” – fez o maestro se aprumar e saltar da poltrona como se tivesse levado um choque. Cinco minutos, tempo suficiente para ale abotoar a camisa, dar o nó na gravata borboleta e colocar o paletó.

Depois de uma última apreciação no espelho e uma ajeitada no cabelo, Goodman empunhou o seu clarinete já previamente afinado e se dirigiu resoluto pelas escadas e corredores que conduziam ao palco, onde os membros da orquestra tomavam seus lugares de uma maneira um tanto quanto desordenada.

No caminho, ele cruzou com o baixinho Johnny Hodges e com o reforçado Count Basie, que lhe deu uma piscadela marota querendo dizer – “vamos lá, garoto, é hora de arrebentar” –, enquanto as cortinas terminavam de abrir, depois que todos os músicos já haviam se ajeitado nas suas cadeiras.

Da posição em que se encontrava, parado, por detrás da coxia, Goodman ouviu um crescente burburinho, ao mesmo tempo em que a iluminação do palco crescia e as luzes da platéia diminuíam.

Finalmente, ele respirou fundo, lembrou-se da noite de estréia no Palomar de Los Angeles e adentrou o suntuoso palco do teatro, sob aplausos ensurdecedores.

Aí então, Goodman começou a cumprir a sua parte: olhou o enorme público que lotava todas as dependências, sorriu e agradeceu com uma vênia, colocou a orquestra de prontidão e – “one... two... one, two, three, go!” – começou o seu grande espetáculo.

A sonoridade do teatro lotado era espetacular, e Goodman sentiu um profundo arrepio como jamais sentira. Era como se a música saísse dos poros dos músicos e enchesse o ar, ocupando cada pequeno espaço do salão e dos ouvidos de todos os presentes.

Se é que ainda pudesse existir alguma dúvida sobre o merecimento do título ofertado pelos críticos de Los Angeles, a noite de swing no Carnegie Hall resolveu qualquer questão. O próprio Goodman, comedido, a princípio, caiu finalmente em si, e depois dessa noite mágica assumiu ser realmente o Rei do Swing.

Sua orquestra possuía uma qualidade de som que não se ouvia nas rivais, nem mesmo nas mais qualificadas.

Muitas delas naquela altura sequer tinham conseguido perder o “ranço” dos anos 1920 e haviam estacionado no tempo. Outras cresceriam em direção ao futuro para se tornarem em cinco ou dez anos orquestras perfeitas. A orquestra de Benny Goodman, no entanto, já era perfeita, exibindo em 1938 um som que seria experimentado por muita gente de valor apenas ao redor de 1950. Era a orquestra do presente e do futuro, e estava vinte anos à frente do seu tempo.

O sopro do seu clarinete se aproximava do divino, e não foi por outra razão que compositores eruditos entre os mais consagrados como Béla Bartók, Paul Hindemith e Aaron Copland escreveriam num futuro próximo peças especialmente compostas para o instrumento a fim de serem executadas por Goodman.

O Teatro Carnegie Hall retratava o presente, mas projetava o futuro de uma forma clarividente, tal qual um oráculo.

 

 

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