AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)
FINAL DO CAPÍTULO 11 - O REI DO SWING
Estava
quase na hora de
começar o espetáculo.
Goodman, ainda
sentado na poltrona de couro com os olhos semicerrados, avaliava as vantagens e
o lado negativo de algumas decisões de John Hammond, que o convencera a agregar
na sua orquestra, especificamente para esta noite especial, alguns dos ases que
tocavam com Duke Ellington e Count Basie.
Goodman relutara,
pois tal expediente poderia deixar os músicos da sua orquestra descontentes, mas
Hammond o convenceu alegando boas razões de marketing, muito embora evidentemente
o termo não fosse ainda utilizado naquele tempo.
Hammond acrescentava
que com a diversificação dos músicos, o show iria adquirir um caráter todo
especial, pois o “Rei do Swing” iria
comandar astros de constelações diversas, mostrando seu lado de líder e
organizador musical, e que a música, como um todo, poderia receber um toque de
primor nos solos e nos improvisos. Além do mais, a data histórica estava
celebrando vinte anos de jazz, portanto a festa tinha um bom motivo para ser
diferente.
Assim, mesmo sem
estar plenamente convencido de que estivesse fazendo a coisa certa, Benny
Goodman admitiu incluir na sua orquestra o próprio Count Basie, que iria tocar
piano em duas músicas. Basie estaria levando com ele o guitarrista Freddie
Green, o baixista Walter Page e o saxofonista Lester Young. A produção já havia
também garimpado junto a Duke Ellington a participação dos saxofonistas Johnny
Hodges e Harry Carney e do trompetista Cootie Williams.
John Hammond deu
alguns palpites na montagem do repertório para que a presença dos expoentes das
outras orquestras pudesse ser ressaltada, mas isso foi restringido a um mínimo
necessário, a fim de satisfazer o público sem influenciar no resultado da
orquestra de Goodman.
Depois de
terminado o show, Benny Goodman iria finalmente perceber que, apesar das suas restrições,
o enorme sucesso da empreitada tinha muito a ver com a visão empresarial e
artística de John Hammond.
Mas Goodman não
teve mais tempo de processar as suas preocupações naquele momento.
McAbee, o
principal da produção do Teatro Carnegie Hall, bateu na porta do camarim com o
nó dos dedos, extraindo uma sucessão de pancadas ocas que tiraram o maestro do
seu devaneio.
O som da voz
estridente – “cinco minutos!” – fez o
maestro se aprumar e saltar da poltrona como se tivesse levado um choque. Cinco
minutos, tempo suficiente para ale abotoar a camisa, dar o nó na gravata
borboleta e colocar o paletó.
Depois de uma
última apreciação no espelho e uma ajeitada no cabelo, Goodman empunhou o seu
clarinete já previamente afinado e se dirigiu resoluto pelas escadas e
corredores que conduziam ao palco, onde os membros da orquestra tomavam seus
lugares de uma maneira um tanto quanto desordenada.
No caminho, ele
cruzou com o baixinho Johnny Hodges e com o reforçado Count Basie, que lhe deu
uma piscadela marota querendo dizer – “vamos
lá, garoto, é hora de arrebentar”
–, enquanto as cortinas terminavam de abrir, depois que todos os músicos já
haviam se ajeitado nas suas cadeiras.
Da posição em que
se encontrava, parado, por detrás da coxia, Goodman ouviu um crescente
burburinho, ao mesmo tempo em que a iluminação do palco crescia e as luzes da
platéia diminuíam.
Finalmente, ele
respirou fundo, lembrou-se da noite de estréia no Palomar de Los Angeles e
adentrou o suntuoso palco do teatro, sob aplausos ensurdecedores.
Aí então, Goodman
começou a cumprir a sua parte: olhou o enorme público que lotava todas as
dependências, sorriu e agradeceu com uma vênia, colocou a orquestra de
prontidão e – “one... two... one, two,
three, go!” – começou o seu grande espetáculo.
A sonoridade do
teatro lotado era espetacular, e Goodman sentiu um profundo arrepio como jamais
sentira. Era como se a música saísse dos poros dos músicos e enchesse o ar,
ocupando cada pequeno espaço do salão e dos ouvidos de todos os presentes.
Se é que ainda
pudesse existir alguma dúvida sobre o merecimento do título ofertado pelos
críticos de Los Angeles, a noite de swing
no Carnegie Hall resolveu qualquer questão. O próprio Goodman, comedido, a
princípio, caiu finalmente em si, e depois dessa noite mágica assumiu ser
realmente o Rei do Swing.
Sua orquestra
possuía uma qualidade de som que não se ouvia nas rivais, nem mesmo nas mais
qualificadas.
Muitas delas
naquela altura sequer tinham conseguido perder o “ranço” dos anos 1920 e haviam
estacionado no tempo. Outras cresceriam em direção ao futuro para se tornarem
em cinco ou dez anos orquestras perfeitas. A orquestra de Benny Goodman, no
entanto, já era perfeita, exibindo em 1938 um som que seria experimentado por
muita gente de valor apenas ao redor de 1950. Era a orquestra do presente e do
futuro, e estava vinte anos à frente do seu tempo.
O sopro do seu
clarinete se aproximava do divino, e não foi por outra razão que compositores
eruditos entre os mais consagrados como Béla Bartók, Paul Hindemith e Aaron
Copland escreveriam num futuro próximo peças especialmente compostas para o
instrumento a fim de serem executadas por Goodman.
O Teatro Carnegie
Hall retratava o presente, mas projetava o futuro de uma forma clarividente,
tal qual um oráculo.
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