...E A BANDA NÃO TOCA
(Augusto
Pellegrini)
Zé do Café era o garçom que servia a diretoria de uma importante usina siderúrgica
inaugurada havia poucos anos e considerada a cereja do bolo da indústria
nacional e o cartão de visita do progresso e da modernização, tendo em vista
as questões comerciais e diplomáticas com relação a outros países.
Recém-saídos
de uma revolução militar acontecida dois anos antes, o país vivia reflexos de grandes
mudanças na sua política econômica e estrutural e o novo poder constituído exercia
uma intensa vigilância sobre as atividades e procedimentos das empresas consideradas
estratégicas para os interesses da nação.
Com
isso, reuniões entre os diretores da usina e altas patentes militares eram frequentes,
sendo discutidos atrás das portas trancadas assuntos de grande relevância para
a segurança nacional. O único momento em que se permitia alguma descontração era
a hora do cafezinho, quando entrava em ação o nosso personagem.
Era o instante em que Zé do
Café, desconfiado como bode embarcado, chegava para exercer seu ofício,
postando no rosto um sorriso falsificado e tentando algumas frases supostamente
engraçadas para baixar a tensão, quando na verdade desejaria estar naquela hora
a centenas de metros daquela sala.
Naquela sexta-feira
fatídica, Zé adentrou o recinto sagrado equilibrando uma bandeja de prata com
um bule cheio de café cheiroso, um açucareiro, e as respectivas xícaras e
colherinhas, e começou o ritual da trégua pacificadora da reunião, o que
sugeria uma leve descontração no clima pesado existente entre três militares
graduados e quatro dirigentes do mais alto escalão da empresa.
Um cigarro aqui, um pigarro
acolá, e eis que o inesperado acontece.
Um vacilo momentâneo, um passo
dado fora do compasso ou um gesto mal calculado fez com que a xícara do café
destinada ao general mais cheio de estrelas sofresse um estremecimento, deslizasse
sobre o pires e entornasse o precioso líquido sobre as medalhas e condecorações
do militar.
Fez-se o silêncio dentro do
silêncio, aquele vazio abafado que antecede a tormenta. Os diretores da usina
se entreolharam sem mexer a cabeça, o pânico estampado na face.
Zé do Café, suando como uma
panela destampada cozinhando o seu futuro, colocou a bandeja sobre a mesa, olhou
desalentado para os juízes da sua condenação e balbuciou de si para si, mas de
forma bem audível:
“É, doutor... é foda. É
foda, e a banda não toca...”
Meio segundo depois, os
sisudos senhores caíram na gargalhada, como se estivessem todos despertando de
um sonho para a realidade.
Um dos dirigentes então
falou – “Zé, leve o general para o banheiro onde ele poderá limpar o estrago
que você fez. Na volta, traga mais café, mas tome mais cuidado”.
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