Na foto: Bob Dylan, Benny Goodman e John Hammond
AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)
CAPÍTULO 11 - O REI DO SWING
(continuação)
John
Hammond era
um bon-vivant de classe rica que se afeiçoou pelo jazz de tal maneira
que direcionou a sua vida a ajudar os artistas que ele considerava terem valor.
Branco, risonho e
simpático, quem sabe Hammond pudesse ter feito sucesso na indústria
cinematográfica, mas o fato é que ele se sentiu irremediavelmente atraído pela
música, principalmente aquela de contornos negros, como o blues, o jazz
tradicional e o swing.
A conservadora
família de Hammond não aprovava de jeito algum o modo de vida do rapaz, que se
transformou numa espécie de “playboy” rebelde, embora o termo ainda não
existisse no final dos anos 1920. A família também não aprovava as incursões de
Hammond junto à comunidade negra de Nova York, onde ele participava ativamente
do movimento Harlem Renaissance, convivendo com músicos, poetas e jornalistas
que pregavam um estilo de vida de acordo com as raízes africanas.
Participando intensamente
do clima do Harlem, não foi difícil para Hammond conviver com o jazz das casas
noturnas, desde as mais modestas biroscas até os melhores clubes, e com músicos
talentosos, alguns dos quais não conseguiam encontrar espaço para desenvolver a
sua arte e crescer no panorama musical de Nova York.
Seu faro para
investir em artistas promissores foi fundamental para a carreira de muitos
músicos que perambulavam de casa em casa, e o seu envolvimento com o jazz
acabou por transformá-lo em um empresário, crítico musical, conselheiro,
produtor e descobridor de talentos. John Hammond foi responsável pela projeção
de inúmeros jazzistas e blueseiros, como Benny Goodman, Charlie Christian,
Freddie Green, Count Basie, Teddy Wilson, Lionel Hampton, Billie Holiday, Joe
Turner, Robert Johnson e Bessie Smith (no futuro, ele também iria promover o
crescimento de astros como Bob Dylan, Aretha Franklin, George Benson, Peter
Seeger, Bruce Springsteen, Steve Ray Vaughn e também seu filho, John Hammond
Jr.).
Talvez com o
intuito de tornar mais romântica a presença de John Hammond no campo da música,
muitos biógrafos costumam ignorar o fato de que ele possuía uma educação
musical formal, tendo aprendido viola e violino na Universidade de Yale antes de
se defrontar com Bessie Smith no Teatro Alhambra e se apaixonar pelo jazz e
pelo blues.
Mais de uma geração
de músicos passou pelas suas mãos, quer dependendo de uma indicação ou de uma
ajuda financeira, quer descolando um contrato aqui ou acolá, ou ainda fazendo
parte de gravações que o tinham como produtor.
Foi esse John
Hammond que, ao saber que Benny Goodman iria participar semanalmente do
programa Let’s Dance, transmitido de costa a costa nos Estados Unidos
pela Rádio NBC, sugeriu ao maestro que comprasse alguns arranjos de Fletcher
Henderson para aumentar o repertório e o brilho das suas apresentações.
Para
participar do programa, Goodman e sua recém-criada orquestra haviam passado por
uma seleção prévia feita pela emissora e obtido a chance de executar a parte
jazzística do programa – a música orquestral mais ortodoxa ficava a cargo da
desconhecida orquestra de Kel Murray e a parte mais popular com a orquestra
latina de Xavier Cugat, músico titular do famoso Hotel Waldorf-Astoria.
O programa Let’s
Dance ajudou a tornar a orquestra de Benny Goodman definitivamente
conhecida, pois levou o seu som para todos os recantos dos Estados Unidos. Por
conta dessa divulgação quis o destino que ele regressasse a Los Angeles para
cumprir um contrato negociado por John Hammond e fazer algumas apresentações na
melhor casa noturna da cidade, o Palomar Ballroom.
Sua chegada mexeu
com o show business local, pois as concorrentes do Palomar – o Venice, o
La Monica, o Mandarim e o Casino Gardens – também fizeram propostas atraentes
para contar com o concurso da sua orquestra, coqueluche do momento. Chegou a ser
criado um certo clima de tensão, pois as casas noturnas de Los Angeles, como de
resto as de Chicago e Nova York, eram controladas por gângsters, que aliavam um
formidável tino artístico a um insaciável desejo de faturar cada vez mais alto.
Naquele momento,
Benny Goodman, mais do que uma bela orquestra a ser admirada, representava
lucro – e quando se falava em lucro tudo era válido na guerra das gangues.
Goodman, no entanto,
foi irredutível, pois achava pouco ético e muito perigoso mudar as regras do
jogo depois de fazer uma viagem cortando o país de leste a oeste com todas as
despesas pagas pelo Palomar, que ele considerava ser seu empregador de direito.
Dez minutos de conversa com o experiente Ben Pollack foram mais do que
suficientes para mostrar o acerto da sua escolha.
Estávamos em
agosto de 1935, e os críticos de swing
já colocavam a orquestra de Benny Goodman acima da queridinha do momento, a
Casa Loma de Glen Gray, que desde 1933 também tinha o seu programa radiofônico
da série Camel Caravan.
Na
verdade, o aparecimento de Goodman coincidiu com o declínio da Casa Loma, que
se notabilizara por manter desavenças internas – o pedido de dispensa do
gerente Henry Biagini e a sua substituição por Mel Jenssen feita pelos próprios
músicos, o alcoolismo do arranjador Gene Gifford, que foi substituído por Larry
Clinton, e a posterior demissão de Mel Jenssen, que trouxe outras mudanças na
direção, foram apenas alguns dos ingredientes negativos que mexeram com a
consistência e a autenticidade da banda.
Desde a noite de
estréia o Palomar ferveu de público e de entusiasmo. A orquestra de Benny
Goodman projetava um som marcante de swing
enquanto os presentes deliravam, muitos deles dançando aquilo que se
convencionara chamar de jitterbug ou lindy hop, mais conhecido por aquelas bandas como west
coast swing.
Os jornais da
Califórnia estampavam manchetes sobre o novo fenômeno musical que tomava conta
da Costa Oeste, decretando oficialmente o início da Era do Swing e outorgando ao maestro o título de “O Rei do Swing”.
Assim, Benny
Goodman era alçado à nobreza do jazz, e os críticos ressaltavam ruidosamente
que ele fazia parte de uma corte que já contava com um rei (King Oliver), um
duque (Duke Ellington), e dois condes (Count Basie e Earl “Fatha” Hines), além
de um presidente (Lester Young, o Pres).
De acordo com Dan
Morgenstern e outros analistas de jazz, Goodman conseguia executar o swing com mais negritude do que as outras
orquestras brancas que faziam sucesso na época, e surpreendentemente, melhor
até do que muitas orquestras negras, talvez pela sua associação com os arranjos
obtidos de Fletcher Henderson, que era um gênio da orquestração.
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