AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)
CAPÍTULO 19 - O BRASIL NA ERA DO SWING
Ao mesmo
tempo em
que se consolidava nos Estados Unidos durante as primeiras décadas do século vinte,
o jazz deu os seus primeiros passos rumo à internacionalização.
Por diversas
razões sociais, culturais e históricas, o local escolhido para que o jazz
estendesse as suas asas para fora do seu país de origem foi a Europa Ocidental.
Afinal, os
norte-americanos eram descendentes diretos dos anglo-saxões e também
experimentavam fortes influências de outros países do oeste europeu onde o
idioma inglês também podia ser praticado, apesar de não ser a língua oficial
desses lugares.
Esta caminhada
rumo ao Velho Continente teve a sua missão facilitada pelas primeiras incursões
de alguns músicos americanos que foram iniciadas em 1900 pelo banjoísta Vess
L.Ossman, um especialista em marchas, cakewalks
e rags, e pelo maestro John Philip
Sousa, que visitou diversos países europeus como Inglaterra, França, Alemanha,
Bélgica, Holanda, Rússia, Dinamarca e Boêmia (área localizada atualmente entre
a Alemanha, a Polônia e a República Tcheca) entre 1900 e 1910.
Famoso pela
composição e execução de marchas militares, Sousa acabou levando para a Europa
não este tipo de música – o que provavelmente não se constituiria em nenhuma
novidade – mas o ragtime, que se
tornara na época extremamente popular nos Estados Unidos e havia sido um dos
principais ingredientes para o nascimento do jazz no sul do país ao lado das
próprias marchas militares, do blues
e do gospel.
Ao final do século
dezenove, a Europa era sem dúvida o principal palco da cultura musical em todo
o mundo – Itália, França, Rússia e os países da Europa Central sempre se
notabilizaram pelos seus brilhantes compositores. Por conta disso, a Europa
abrigava em seu solo uma enorme quantidade de apreciadores dos mais diversos
gêneros musicais, tanto populares quanto eruditos.
Mas a Europa era
uma colcha de retalhos e cada país tecia a sua própria cultura, sendo os
pedaços costurados com uma linha que, embora aparentasse tênue, era na verdade
bastante forte.
Por isso, cada
país – e às vezes cada região dentro do mesmo país – mantinha a sua própria
cultura musical e as fronteiras eram geralmente fechadas para os gêneros e
estilos vindos de fora.
Assim, em termos
de música popular, a cultura de cada país era exclusivista. Em Portugal
reinavam a cantiga, o fado, o vira e as danças típicas; na França a chanson e a gavotte, além das valsinhas tocadas ao som do acordeão; na Itália,
a canzonetta e as peças populares de
conotação lírica; a mazurca e a polca na Polônia; e na Espanha ainda se
respirava o paso doble do século dezesseis
e a influência do flamenco, uma
antiga mistura originária da música cigana e da dominação mourisca.
Os países da
Europa Central cultuavam uma música campestre adicionada às suas danças tradicionais,
ao passo que a Grã-Bretanha se curvava ao folclore de cada região.
Este panorama
musical durou muitos séculos, até que no início do século vinte as principais
cidades, a começar por Paris e Londres, começaram a permitir a integração de
uma novidade rítmica e harmônica vinda de um horizonte de além-mar. Esta
integração começaria a colocar diferentes culturas, países e regiões no mesmo
patamar musical.
Como esta nova
música – o jazz – possuía uma linguagem universal que permitia ao executante de
diferentes paragens dar vazão à sua criatividade, ela foi aceita sem maiores
restrições, e o resultado final acabou ficando confortável para qualquer
habitante continental musicalmente esclarecido.
Até que enfim músicos
franceses, ingleses e holandeses podiam tocar juntos e sentirem o mesmo
arrebatamento pela música que tocavam. O trompetista Wynton Marsalis comentou
em uma entrevista para o cineasta e documentarista Ken Burns algo como – “se um músico chinês se encontrar com um
músico norueguês e um músico panamenho num bar qualquer da Áustria, eles
poderão conversar musicalmente na linguagem do jazz mesmo sem trocarem uma palavra sequer”.
Por outro lado,
pensando em termos práticos, embora a língua francesa fosse na época o idioma
universal, o inglês era também largamente praticado pelas pessoas que
representavam a cultura e por profissionais do mundo artístico e dos negócios,
o que facilitava bastante a exportação da música e dos músicos americanos, e
era totalmente inimaginável admitir que a obra dos jazzistas americanos pudesse
ser exportada para lugares que pouco ou nada tinham a ver com a história e a
cultura dos Estados Unidos.
Nada foi
exatamente planejado, mas países como o vizinho México ou aqueles localizados
na mais distante América do Sul ou ainda na longínqua Ásia estavam
definitivamente fora do plano de divulgação do novo gênero que começava a tomar
conta da América do Norte.
A África, que
participara com a principal matéria prima – o negro – era demasiadamente
primitiva para dar-se ao luxo de ser palco de uma cultura musical que almejava
teatros e salões, e o Caribe levaria mais duas décadas para se tornar um
tradicional quintal turístico americano.
Utilizando um
raciocínio semelhante, o Brasil não tinha motivo algum para estar no roteiro de
viagem dos jazzistas americanos naquele início do século vinte.
Nas primeiras três
décadas do chamado Século do Jazz, a Europa registrou a presença de diversos
músicos americanos a partir da banda Harlem Hellfighters, formada por soldados negros,
que se apresentou em Nantes, no noroeste da França, em 1917 – portanto durante
a Primeira Guerra Mundial. Antes desta
banda de soldados, quem esteve na Europa foi o cantor e bandleader Noble Sissle (1915), abrindo caminho para o clarinetista
e saxofonista-soprano Sidney Bechet (1919), a Original Dixieland Jass Band (também
em 1919), a orquestra do bandleader
Isham Jones (1924), o pianista e arranjador Claude Hopkins (1925), o
trompetista Louis Armstrong (1932), o maestro e pianista Duke Ellington (1933)
e o saxofonista-tenor Coleman Hawkins (1934) entre outros menos cotados – e a
Europa aprendeu com eles. Nenhum destes artistas, porém, teve qualquer intenção
de viajar para o lado de baixo da Linha do Equador a fim de mostrar o seu
trabalho, que quando muito foi representado por uma ou outra gravação
fonográfica, posto que o cinema falado – que poderia nos ter apresentado e
reforçado a novidade – foi introduzido no Brasil apenas no início dos anos
1930.
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