segunda-feira, 23 de novembro de 2020

 


AS CORES DO SWING
          (Livro de Augusto Pellegrini)

CAPÍTULO 19 - O BRASIL NA ERA DO SWING

Ao mesmo tempo em que se consolidava nos Estados Unidos durante as primeiras décadas do século vinte, o jazz deu os seus primeiros passos rumo à internacionalização.

Por diversas razões sociais, culturais e históricas, o local escolhido para que o jazz estendesse as suas asas para fora do seu país de origem foi a Europa Ocidental.

Afinal, os norte-americanos eram descendentes diretos dos anglo-saxões e também experimentavam fortes influências de outros países do oeste europeu onde o idioma inglês também podia ser praticado, apesar de não ser a língua oficial desses lugares.

Esta caminhada rumo ao Velho Continente teve a sua missão facilitada pelas primeiras incursões de alguns músicos americanos que foram iniciadas em 1900 pelo banjoísta Vess L.Ossman, um especialista em marchas, cakewalks e rags, e pelo maestro John Philip Sousa, que visitou diversos países europeus como Inglaterra, França, Alemanha, Bélgica, Holanda, Rússia, Dinamarca e Boêmia (área localizada atualmente entre a Alemanha, a Polônia e a República Tcheca) entre 1900 e 1910.

Famoso pela composição e execução de marchas militares, Sousa acabou levando para a Europa não este tipo de música – o que provavelmente não se constituiria em nenhuma novidade – mas o ragtime, que se tornara na época extremamente popular nos Estados Unidos e havia sido um dos principais ingredientes para o nascimento do jazz no sul do país ao lado das próprias marchas militares, do blues e do gospel.

Ao final do século dezenove, a Europa era sem dúvida o principal palco da cultura musical em todo o mundo – Itália, França, Rússia e os países da Europa Central sempre se notabilizaram pelos seus brilhantes compositores. Por conta disso, a Europa abrigava em seu solo uma enorme quantidade de apreciadores dos mais diversos gêneros musicais, tanto populares quanto eruditos.

Mas a Europa era uma colcha de retalhos e cada país tecia a sua própria cultura, sendo os pedaços costurados com uma linha que, embora aparentasse tênue, era na verdade bastante forte.

Por isso, cada país – e às vezes cada região dentro do mesmo país – mantinha a sua própria cultura musical e as fronteiras eram geralmente fechadas para os gêneros e estilos vindos de fora.

Assim, em termos de música popular, a cultura de cada país era exclusivista. Em Portugal reinavam a cantiga, o fado, o vira e as danças típicas; na França a chanson e a gavotte, além das valsinhas tocadas ao som do acordeão; na Itália, a canzonetta e as peças populares de conotação lírica; a mazurca e a polca na Polônia; e na Espanha ainda se respirava o paso doble do século dezesseis e a influência do flamenco, uma antiga mistura originária da música cigana e da dominação mourisca.

Os países da Europa Central cultuavam uma música campestre adicionada às suas danças tradicionais, ao passo que a Grã-Bretanha se curvava ao folclore de cada região.

Este panorama musical durou muitos séculos, até que no início do século vinte as principais cidades, a começar por Paris e Londres, começaram a permitir a integração de uma novidade rítmica e harmônica vinda de um horizonte de além-mar. Esta integração começaria a colocar diferentes culturas, países e regiões no mesmo patamar musical.

Como esta nova música – o jazz – possuía uma linguagem universal que permitia ao executante de diferentes paragens dar vazão à sua criatividade, ela foi aceita sem maiores restrições, e o resultado final acabou ficando confortável para qualquer habitante continental musicalmente esclarecido.

Até que enfim músicos franceses, ingleses e holandeses podiam tocar juntos e sentirem o mesmo arrebatamento pela música que tocavam. O trompetista Wynton Marsalis comentou em uma entrevista para o cineasta e documentarista Ken Burns algo como – “se um músico chinês se encontrar com um músico norueguês e um músico panamenho num bar qualquer da Áustria, eles poderão conversar musicalmente na linguagem do jazz mesmo sem trocarem uma palavra sequer”.

Por outro lado, pensando em termos práticos, embora a língua francesa fosse na época o idioma universal, o inglês era também largamente praticado pelas pessoas que representavam a cultura e por profissionais do mundo artístico e dos negócios, o que facilitava bastante a exportação da música e dos músicos americanos, e era totalmente inimaginável admitir que a obra dos jazzistas americanos pudesse ser exportada para lugares que pouco ou nada tinham a ver com a história e a cultura dos Estados Unidos.

Nada foi exatamente planejado, mas países como o vizinho México ou aqueles localizados na mais distante América do Sul ou ainda na longínqua Ásia estavam definitivamente fora do plano de divulgação do novo gênero que começava a tomar conta da América do Norte.

A África, que participara com a principal matéria prima – o negro – era demasiadamente primitiva para dar-se ao luxo de ser palco de uma cultura musical que almejava teatros e salões, e o Caribe levaria mais duas décadas para se tornar um tradicional quintal turístico americano.

Utilizando um raciocínio semelhante, o Brasil não tinha motivo algum para estar no roteiro de viagem dos jazzistas americanos naquele início do século vinte.

Nas primeiras três décadas do chamado Século do Jazz, a Europa registrou a presença de diversos músicos americanos a partir da banda Harlem Hellfighters, formada por soldados negros, que se apresentou em Nantes, no noroeste da França, em 1917 – portanto durante a Primeira Guerra Mundial.  Antes desta banda de soldados, quem esteve na Europa foi o cantor e bandleader Noble Sissle (1915), abrindo caminho para o clarinetista e saxofonista-soprano Sidney Bechet (1919), a Original Dixieland Jass Band (também em 1919), a orquestra do bandleader Isham Jones (1924), o pianista e arranjador Claude Hopkins (1925), o trompetista Louis Armstrong (1932), o maestro e pianista Duke Ellington (1933) e o saxofonista-tenor Coleman Hawkins (1934) entre outros menos cotados – e a Europa aprendeu com eles. Nenhum destes artistas, porém, teve qualquer intenção de viajar para o lado de baixo da Linha do Equador a fim de mostrar o seu trabalho, que quando muito foi representado por uma ou outra gravação fonográfica, posto que o cinema falado – que poderia nos ter apresentado e reforçado a novidade – foi introduzido no Brasil apenas no início dos anos 1930.

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