SCRATCH
ou, simplesmente
DOS NAUTAS E NAUFRÁGIOS
Conto originalmente publicado no livro “O Fantasma da FM” em 1992.
Esta espécie de conto é uma elegia ao
absurdo.
Quem quiser nele encontrar simbolismos,
parábolas ou comparações com situações da vida real, normal, anormal ou mesmo
paranormal, vai encontrar apenas um punhado de ilógica.
De lógico, apenas um fato incontestável
– um balde que cai na água deve fazer “splash!”.
-0-
Cai um balde. Cai um balde vazio.
Vazio de líquido e de fluidos, porem
repleto de surpresas.
“Scratch! Clang! clang!”
Vamos nos localizar no tempo e no
espaço. O espaço é pequeno, embora o tempo seja eterno.
Estamos no convés de um brigue. Um bruto
brigue flibusteiro, desses de assaltar passantes, caso haja passantes no mar.
Mar calmo. A brisa marinha sopra
tranquila e salina, enquanto a proa da embarcação rasga a crista das ondas como
num romance de Fenimore Cooper.
O marinheiro triste, mas com ares
decididos, trajando blusa de malha listrada e lenço na cabeça, como nas
sempiternas fantasias de pirata, fuma o seu cachimbo reto e se envolve em
lilases nebulosas fazendo lembrar um barco a vapor. Ele funga e sopra, cospe de
lado – porque na frente cai no pé – e – “swamp! chompp!” – joga o balde sobre
as cordas que já enforcaram o enforcado.
Descanse o seu espírito (o espirito do
enforcado) na mais santa e repousante paz e que seus ossos, seja no fundo do
oceano ou no aparelho digestivo de um monstro qualquer, estejam leves.
Amém.
“Capitão! Capitão! Tem fantasmas neste
navio!”
E vem o Barba Rubra, velho lobo do mar,
surpreendentemente sem barba, seja ela rubra ou de qualquer outro matiz, e
também sem tapa-olho, pois se lutas entre corsários ainda há, esperto é o
comandante que delas se omite, dando lugar ao seu lugar-tenente, que de tantos
lugares já está postiço e com a perna de pau.
Barba Rubra é um vivaldino, pois. Barba
Rubra é apenas um codinome, quase um título, assim como o chefe Touro Sentado,
pois nunca se teve notícias de que este célebre líder pele-vermelha tivesse um
dia mugido. Barba Rubra é um biltre. O biltre bucaneiro do brigue flibusteiro.
“Que se ice a bujarrona!”
“Mas não se crê mais em cousa alguma!
Pois não estou dizendo que há almas penadas por aqui!?”
E, de chofre, vem o vento. E, de súbito,
ele sopra rijo. E, num relance, uiva pungente. E punge, uivante. E vem cada vez
mais forte.
E, de chofre, vem a chuva. E, de súbito,
ela bate rijo. Mas que chuva, que nada! Chuva foi a de ontem! A chuva de hoje é
a enchente das enchentes, de encher o mar e o ar, de encher a terra e o céu, de
encher o barco e o balde, de encher o saco!
E o balde se enche de água.
Alguém joga o balde na água, por cima do
tombadilho tiritante.
Silêncio...
Não se ouve o esperado “splash” no mar.
Debalde.
Para a chuva, para o vento, cessam as
vozes, o que é do barco?
Não há mais fantasmas. Nem balde. Nem
bujarrona, nem mezena. Desapareceu a corda que enforcou o enforcado.
Cânticos de sereias assombram e deslizam
sobre as gigantescas ondas de gotas grotescas.
Na imensidão do denso das águas,
ansiando pela voragem do tráfego metropolitano, “bem que meu pai me aconselhava
a jamais ser marinheiro...”, sonhando com o burburinho enquanto se equilibra
num escaler de primeiros socorros, desejando pisar na terra que suja os pés – e
que algum dia seus olhos deveria comer – divaga o sonhador.
Não há mais nada. Só o “schwahh...” das ondas
colidindo com o chão de água.
E o marinheiro triste e seu cachimbo de
lilases nebulosas.
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