Foto: "Pierrete", obra de Di Cavalcanti, 1922
AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)
CAPÍTULO 19 - O BRASIL NA ERA DO SWING
(final)
Em
termos de cultura,
a década de 1920 começara quente e promissora no Brasil. O poeta Oswald de
Andrade dizia que “no ano da
independência, os intelectuais deveriam fazer ver que a independência não é
somente política, ela é acima de tudo uma independência mental e moral”.
Assim, em 1922, quando
a independência do Brasil completava cem anos, um grupo de intelectuais
composto por Menotti del Picchia, Mario de Andrade, Manoel Bandeira, Guilherme
de Almeida, Sérgio Milliet, Graça Aranha e Ronald de Carvalho, influenciados
pelas ideias modernistas de Oswald de Andrade e do pintor Di Cavalcanti,
provocou um evento que, a partir de um aspecto predominantemente literário,
acabou por ter a adesão das artes plásticas, da música e da intelectualidade em
geral.
O movimento durou
três semanas e foi realizado no Teatro Municipal de São Paulo, apresentando
novas propostas artísticas e utilizando para tal somente temas brasileiros,
dentro de uma forma e de um contexto revolucionário – poesia por meio de
declamações, música através de concertos e uma nova arte plástica exibida em
telas, esculturas e maquetes de arquitetura.
Embasado na
necessidade de uma renovação da linguagem na busca de uma experimentação
criativa e de uma total ruptura com o passado, músicos como Heitor Villa-Lobos
e Guiomar Novaes, escultores como Victor Brecheret (“nosso”, mas nascido na
Itália) e pintores como Anita Malfatti e Di Cavalcanti se engajaram na aventura
e ajudaram a provocar a maior revolução artística de curto prazo da qual já se
teve notícia no Brasil, a “Semana de Arte Moderna”. Estranhamente, apesar do
seu cunho nacionalista, o evento teve a adesão e aceitação de artistas
estrangeiros, como os arquitetos Georg Przyrembel (polonês) e Antonio Garcia Moya
(espanhol), o pintor suíço John Graz e o escultor alemão Wilhelm Haarberg.
Tarsila do Amaral estava em Paris, e portanto não participaria da Semana.
A ideia de
produzir um evento nacionalista tinha muito que ver com a xenofobia que durante
algum tempo dominou boa parte da intelectualidade brasileira, que repudiava
qualquer tipo de “invasão alienígena” na arte musical tupiniquim. Para que se
tenha uma ideia do tamanho desta xenofobia e da sua influência atemporal,
quarenta anos depois, nos anos 1960, intelectuais de respeito como o
historiador e crítico José Ramos Tinhorão e o escritor Ariano Suassuna
espinafravam Tom Jobim e toda a turma da bossa nova, e davam seu aval a uma campanha
feita pela apresentadora de televisão Xênia Bier, dizendo que a nova música
popular brasileira estava ficando “americanalhada”
(não “americanizada”, como recomendaria uma crítica elegante).
O movimento da
Semana de Arte Moderna foi a princípio contestado pela maioria dos críticos e
também pelo público, mas ganhou força com a adesão dos artistas e acabou por se
tornar uma alavanca nacionalista sem precedentes, tendo com certeza
influenciado as décadas seguintes no que diz respeito à arte brasileira como um
todo.
Assim, as artes da
década de 1930 respiravam uma forte influência dos brasileirismos que iam desde
o Manunaíma de Mario de Andrade e do Trenzinho do Caipira das Bachianas de
Villa-Lobos até as Mulatas de Di Cavalcanti.
O clima político e
social também vivia um momento de mudanças, com a população dos grandes centros
envolvida numa complicada burocracia civil e militar. Se por um lado, a
industrialização se intensificava, por outro lado eram tramados os mais
rocambolescos golpes de estado, transformando o período numa ansiosa busca pelo
equilíbrio.
As décadas de 1920
a 1940 mostram um período conturbado e marcado por convulsões, tentativas de golpes
institucionais e revoluções. Nos anos 1920 instalou-se no Brasil um movimento
que não propunha nenhuma ideologia, mas estimulava a insubordinação e a
desordem por parte de oficiais rasos do Exército Brasileiro insatisfeitos com a
política vigente. A insurreição, conhecida como Movimento Tenentista, foi
responsável pela revolta do Forte Copacabana em 1922 e pela Revolução de 1924.
Apesar de confuso
e desordenado, este movimento ocasionou em 1930 uma formidável crise na
República Velha, possibilitando a ascensão de Getúlio Vargas ao poder. Depois,
vieram a revolução constitucionalista de 1932, a intentona comunista de 1935
liderada por Luís Carlos Prestes, o golpe de estado de 1937 e a fundação do
Estado Novo.
Todos estes
movimentos políticos tinham um inegável cunho nacionalista, que influenciava
sobremaneira o comportamento do cidadão brasileiro, quer por engajamento quer
por receio de contrariar o status vigente.
Getúlio Vargas não
se imiscuía na política internacional, mas seus atos denotavam ideias que mais
se afinavam com o totalitarismo do Eixo do que com a democracia
norte-americana.
Considerando todos
estes entraves históricos – arte independente, política nacionalista e transformações
sociais – o swing só podia mesmo ser ignorado, ou pelo menos não levado muito a
sério no Brasil dos anos 1930 e 1940, e começou a ser realmente divulgado
apenas alguns anos mais tarde através do trabalho de alguns bandleaders nativos como Severino Filho
e sua Orquestra Tabajara, mais voltada para o samba e o choro, mas com muita
pegada de big band, Aristides
Zacarias com a Orquestra Zacarias, que privilegiava o frevo, além de algumas
orquestras formadas para abrilhantar festas e bailes de formatura.
Considerando o
tamanho do Brasil e a sua importância musical, é muito pequeno o número de big bands de jazz que existem no momento,
mas é fundamental que se mencione a Banda Mantiqueira (fundada em 1985), a Big
Band Jazz Sinfônica (1990), a Soundscape Big Band (1999) e a Orquestra Imperial
(2002), além da Orquestra Ouro Negro, da Orquestra Atlântica, da Letieres Leite
& Orkestra Rumpilezz, da UFRJ Jazz Ensemble, da Baixada Jazz Big Band e da
Spok Frevo Orquestra.
É também
importante que se mencione que apesar da concepção de big band e da sua ligação com
o jazz, estas orquestras têm o repertório amplamente voltado para a
música brasileira e suas raízes.
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