domingo, 29 de novembro de 2020

 

                                               Foto: "Pierrete", obra de Di Cavalcanti, 1922


AS CORES DO SWING
            (Livro de Augusto Pellegrini)

CAPÍTULO 19 - O BRASIL NA ERA DO SWING
            (final)

Em termos de cultura, a década de 1920 começara quente e promissora no Brasil. O poeta Oswald de Andrade dizia que “no ano da independência, os intelectuais deveriam fazer ver que a independência não é somente política, ela é acima de tudo uma independência mental e moral”.

Assim, em 1922, quando a independência do Brasil completava cem anos, um grupo de intelectuais composto por Menotti del Picchia, Mario de Andrade, Manoel Bandeira, Guilherme de Almeida, Sérgio Milliet, Graça Aranha e Ronald de Carvalho, influenciados pelas ideias modernistas de Oswald de Andrade e do pintor Di Cavalcanti, provocou um evento que, a partir de um aspecto predominantemente literário, acabou por ter a adesão das artes plásticas, da música e da intelectualidade em geral.

O movimento durou três semanas e foi realizado no Teatro Municipal de São Paulo, apresentando novas propostas artísticas e utilizando para tal somente temas brasileiros, dentro de uma forma e de um contexto revolucionário – poesia por meio de declamações, música através de concertos e uma nova arte plástica exibida em telas, esculturas e maquetes de arquitetura.

Embasado na necessidade de uma renovação da linguagem na busca de uma experimentação criativa e de uma total ruptura com o passado, músicos como Heitor Villa-Lobos e Guiomar Novaes, escultores como Victor Brecheret (“nosso”, mas nascido na Itália) e pintores como Anita Malfatti e Di Cavalcanti se engajaram na aventura e ajudaram a provocar a maior revolução artística de curto prazo da qual já se teve notícia no Brasil, a “Semana de Arte Moderna”. Estranhamente, apesar do seu cunho nacionalista, o evento teve a adesão e aceitação de artistas estrangeiros, como os arquitetos Georg Przyrembel (polonês) e Antonio Garcia Moya (espanhol), o pintor suíço John Graz e o escultor alemão Wilhelm Haarberg. Tarsila do Amaral estava em Paris, e portanto não participaria da Semana.

A ideia de produzir um evento nacionalista tinha muito que ver com a xenofobia que durante algum tempo dominou boa parte da intelectualidade brasileira, que repudiava qualquer tipo de “invasão alienígena” na arte musical tupiniquim. Para que se tenha uma ideia do tamanho desta xenofobia e da sua influência atemporal, quarenta anos depois, nos anos 1960, intelectuais de respeito como o historiador e crítico José Ramos Tinhorão e o escritor Ariano Suassuna espinafravam Tom Jobim e toda a turma da bossa nova, e davam seu aval a uma campanha feita pela apresentadora de televisão Xênia Bier, dizendo que a nova música popular brasileira estava ficando “americanalhada” (não “americanizada”, como recomendaria uma crítica elegante).

O movimento da Semana de Arte Moderna foi a princípio contestado pela maioria dos críticos e também pelo público, mas ganhou força com a adesão dos artistas e acabou por se tornar uma alavanca nacionalista sem precedentes, tendo com certeza influenciado as décadas seguintes no que diz respeito à arte brasileira como um todo.

Assim, as artes da década de 1930 respiravam uma forte influência dos brasileirismos que iam desde o Manunaíma de Mario de Andrade e do Trenzinho do Caipira das Bachianas de Villa-Lobos até as Mulatas de Di Cavalcanti.

O clima político e social também vivia um momento de mudanças, com a população dos grandes centros envolvida numa complicada burocracia civil e militar. Se por um lado, a industrialização se intensificava, por outro lado eram tramados os mais rocambolescos golpes de estado, transformando o período numa ansiosa busca pelo equilíbrio.

As décadas de 1920 a 1940 mostram um período conturbado e marcado por convulsões, tentativas de golpes institucionais e revoluções. Nos anos 1920 instalou-se no Brasil um movimento que não propunha nenhuma ideologia, mas estimulava a insubordinação e a desordem por parte de oficiais rasos do Exército Brasileiro insatisfeitos com a política vigente. A insurreição, conhecida como Movimento Tenentista, foi responsável pela revolta do Forte Copacabana em 1922 e pela Revolução de 1924.

Apesar de confuso e desordenado, este movimento ocasionou em 1930 uma formidável crise na República Velha, possibilitando a ascensão de Getúlio Vargas ao poder. Depois, vieram a revolução constitucionalista de 1932, a intentona comunista de 1935 liderada por Luís Carlos Prestes, o golpe de estado de 1937 e a fundação do Estado Novo.

Todos estes movimentos políticos tinham um inegável cunho nacionalista, que influenciava sobremaneira o comportamento do cidadão brasileiro, quer por engajamento quer por receio de contrariar o status vigente.

Getúlio Vargas não se imiscuía na política internacional, mas seus atos denotavam ideias que mais se afinavam com o totalitarismo do Eixo do que com a democracia norte-americana.

Considerando todos estes entraves históricos – arte independente, política nacionalista e transformações sociais – o swing só podia mesmo ser ignorado, ou pelo menos não levado muito a sério no Brasil dos anos 1930 e 1940, e começou a ser realmente divulgado apenas alguns anos mais tarde através do trabalho de alguns bandleaders nativos como Severino Filho e sua Orquestra Tabajara, mais voltada para o samba e o choro, mas com muita pegada de big band, Aristides Zacarias com a Orquestra Zacarias, que privilegiava o frevo, além de algumas orquestras formadas para abrilhantar festas e bailes de formatura.

Considerando o tamanho do Brasil e a sua importância musical, é muito pequeno o número de big bands de jazz que existem no momento, mas é fundamental que se mencione a Banda Mantiqueira (fundada em 1985), a Big Band Jazz Sinfônica (1990), a Soundscape Big Band (1999) e a Orquestra Imperial (2002), além da Orquestra Ouro Negro, da Orquestra Atlântica, da Letieres Leite & Orkestra Rumpilezz, da UFRJ Jazz Ensemble, da Baixada Jazz Big Band e da Spok Frevo Orquestra.

É também importante que se mencione que apesar da concepção de big band e da sua ligação com o jazz, estas orquestras têm o repertório amplamente voltado para a música brasileira e suas raízes.

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