AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)
CAPÍTULO 29 - O PÓS-SWING
A
história da
música – especialmente no que diz respeito ao jazz – nos tem mostrado que um
determinado movimento ou estilo tende a permanecer em alta durante um certo
período, quando naturalmente começa a perder espaço para um novo estilo ou
movimento que começa a surgir. Este novo estilo geralmente nada mais é do que
uma consequência lógica ou uma continuidade natural do antigo estilo em termos
de estrutura musical e harmonia, embora apresente uma considerável diferença
nos detalhes.
Quando aconteceu o
inevitável, ou seja, quando o swing
começou a dar sinais de que estava entrando na sua trajetória final, alguns
músicos de Nova York já estavam sentindo que havia chegado a hora de procurar
um novo caminho para dar sequência ao seu trabalho, fazendo com que o jazz desse
um passo adiante com a introdução de uma novidade que foi batizada como bebop.
Com o surgimento
do bebop no início da década de 1940,
as big bands de swing começaram a experimentar uma ligeira queda de popularidade.
Não que o movimento do swing
estivesse a ponto de se dar totalmente por encerrado, mas as centenas de
orquestras que haviam aproveitado o bom momento da década anterior começaram a
ser depuradas e algumas delas foram desaparecendo, numa seleção natural. Outras
foram sendo reduzidas porque alguns dos seus integrantes se renderam ao novo
estilo e começaram a se reunir em pequenos grupos, dando força, ênfase e
credibilidade à novidade, e colaborando desta forma para o encolhimento do swing.
As orquestras que
utilizavam o swing apenas como um
modismo ou para fazer dinheiro (cujos músicos pouco ou nada acrescentavam ao
jazz) tiveram que encerrar as atividades por absoluta falta de horizonte. Elas
foram desativadas também em função da economia de guerra que dominava o país,
da aceitação pública do novo movimento que surgia e da falta de comprometimento
dos seus músicos com o próprio jazz.
Evidentemente, as
orquestras de qualidade, como as de Benny Goodman, Duke Ellington, Count Basie
ou Harry James, permaneceram no mercado como se a situação estivesse inalterada
e enfrentaram os anos 1940 a 1960 sem maiores preocupações, mantendo vivo o
mesmo estilo, sem emendas ou rasuras, por mais de quarenta anos.
Como as inovações
no campo da música são consideradas uma consequência normal da própria
história, o bebop surgia como uma
revolução inexorável e silenciosa, impondo ao jazz um novo conceito de estética
e filosofia.
O bebop era mais econômico, pois
congregava um número menor de músicos e podia ser apresentado em locais de
espaço reduzido; era minimalista, pois diminuía a quantidade de sons, por eliminar
os naipes de instrumentos e proporcionar arranjos mais enxutos, embora mais
arrojados; era um desafio à capacidade de interpretação (e no jazz os músicos
estão a cada momento em busca de um novo desafio e de uma nova proposta); e
também dava vazão, em larga escala, ao poder de improvisação de cada um.
Tudo o que um
músico de bebop precisava era
absorver o tema e ter uma quantidade suficiente de compassos para desenvolver a
sua criatividade em termos de improvisos e modulações a fim de costurar os seus
fraseados com os outros músicos. Chet Baker, um trompetista cool egresso das influências do bebop, por exemplo, não gostava de ler
partituras e não precisava conhecer a música que estava tocando para fazer
solos e improvisos maravilhosos. De acordo com suas próprias palavras, bastava
ele saber o tom da música e ouvir a linha melódica uma única vez.
Os temas do bebop, curtos e cheios de acidentes
harmônicos e rítmicos eram completamente diferentes dos temas melódicos do swing, que além de longos eram musicalmente
padronizados, com “choruses”
distintos e estruturalmente não muito complexos.
O bebop modificou a organização
instrumental do jazz, o que não impediu que se produzissem arranjos de extrema
qualidade. No entanto, esta interpretação impunha à música uma certa
intelectualidade e sisudez, o que tolhia a possibilidade de o ouvinte dar asas
à vontade de participar, inerente às big
bands.
Mas a música das
grandes orquestras conseguiu sobreviver mesmo com o bebop começando lenta e consistentemente a tomar o seu lugar, mesmo
com a revolução promovida pelos pequenos conjuntos e mesmo com a invasão do rock and roll. Assim como as big bands que mantinham o estilo “puro swing” com o seu fraseado característico
do final dos anos 1930, outras orquestras foram surgindo, algumas deixando
clara e evidente a influência harmônica do bebop,
outras não. Elas executavam um
tipo de música menos dançante, mas ainda mantinham os naipes instrumentais e o
brilho extraído pelo som alegre das bandas da década anterior.
Este período viu
florescer a orquestra de Earl “Fatha” Hines, pianista que se notabilizara ao
lado de Louis Armstrong, com quem manteve a partir de 1928 uma durável parceria
na época do estilo new orleans-chicago
fazendo parte dos grupos de jazz tradicional denominados Hot Five e Hot Seven.
Surpreendentemente, Hines, que nunca chegara a ter uma maior afinidade com o swing, criou uma música orquestral que
misturava a estrutura do swing com a
do bebop e provou, enquanto gingava
no banquinho do piano, que o som negro do “harlem
jump” podia ser perfeitamente adaptado ao clima do bebop sem perder a essência do velho blues de Nova Orleans.
Ex-integrante da orquestra
de Hines, o cantor Billy Eckstine formou uma banda semelhante em 1944, fundindo
elementos de swing com a harmonia do bebop e aproveitando sua própria
característica como cantor. Eckstine contratou a cantora Sarah Vaughan, uma
espécie de seu alter ego feminino, para vocalizar o bebop com perfeição e dar um colorido diferente à orquestração. Na
sua formação, Eckstine contou com músicos do primeiro escalão do jazz – caso
dos trompetistas Dizzy Gillespie, Fats Navarro e Miles Davis, dos saxofonistas
Charlie Parker, Gene Ammons, Dexter Gordon e Leo Parker e do baterista Art
Blakey.
Quando a orquestra
de Billy Eckstine se desfez em 1947, Dizzy Gillespie, que acumulava as funções
de músico e arranjador, utilizou a base do grupo para formar a sua própria
orquestra, deixando de lado pouco a pouco o compasso peculiar do swing e a intelectualidade do bebop e criando uma verdadeira big band, que iria a marcar o jazz
orquestrado dali pra frente.
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