terça-feira, 1 de dezembro de 2020

 


AS CORES DO SWING
          (Livro de Augusto Pellegrini)

          CAPÍTULO 29 - O PÓS-SWING


A história da música – especialmente no que diz respeito ao jazz – nos tem mostrado que um determinado movimento ou estilo tende a permanecer em alta durante um certo período, quando naturalmente começa a perder espaço para um novo estilo ou movimento que começa a surgir. Este novo estilo geralmente nada mais é do que uma consequência lógica ou uma continuidade natural do antigo estilo em termos de estrutura musical e harmonia, embora apresente uma considerável diferença nos detalhes.

Quando aconteceu o inevitável, ou seja, quando o swing começou a dar sinais de que estava entrando na sua trajetória final, alguns músicos de Nova York já estavam sentindo que havia chegado a hora de procurar um novo caminho para dar sequência ao seu trabalho, fazendo com que o jazz desse um passo adiante com a introdução de uma novidade que foi batizada como bebop.

Com o surgimento do bebop no início da década de 1940, as big bands de swing começaram a experimentar uma ligeira queda de popularidade. Não que o movimento do swing estivesse a ponto de se dar totalmente por encerrado, mas as centenas de orquestras que haviam aproveitado o bom momento da década anterior começaram a ser depuradas e algumas delas foram desaparecendo, numa seleção natural. Outras foram sendo reduzidas porque alguns dos seus integrantes se renderam ao novo estilo e começaram a se reunir em pequenos grupos, dando força, ênfase e credibilidade à novidade, e colaborando desta forma para o encolhimento do swing.

As orquestras que utilizavam o swing apenas como um modismo ou para fazer dinheiro (cujos músicos pouco ou nada acrescentavam ao jazz) tiveram que encerrar as atividades por absoluta falta de horizonte. Elas foram desativadas também em função da economia de guerra que dominava o país, da aceitação pública do novo movimento que surgia e da falta de comprometimento dos seus músicos com o próprio jazz.

Evidentemente, as orquestras de qualidade, como as de Benny Goodman, Duke Ellington, Count Basie ou Harry James, permaneceram no mercado como se a situação estivesse inalterada e enfrentaram os anos 1940 a 1960 sem maiores preocupações, mantendo vivo o mesmo estilo, sem emendas ou rasuras, por mais de quarenta anos.

Como as inovações no campo da música são consideradas uma consequência normal da própria história, o bebop surgia como uma revolução inexorável e silenciosa, impondo ao jazz um novo conceito de estética e filosofia.

O bebop era mais econômico, pois congregava um número menor de músicos e podia ser apresentado em locais de espaço reduzido; era minimalista, pois diminuía a quantidade de sons, por eliminar os naipes de instrumentos e proporcionar arranjos mais enxutos, embora mais arrojados; era um desafio à capacidade de interpretação (e no jazz os músicos estão a cada momento em busca de um novo desafio e de uma nova proposta); e também dava vazão, em larga escala, ao poder de improvisação de cada um.

Tudo o que um músico de bebop precisava era absorver o tema e ter uma quantidade suficiente de compassos para desenvolver a sua criatividade em termos de improvisos e modulações a fim de costurar os seus fraseados com os outros músicos. Chet Baker, um trompetista cool egresso das influências do bebop, por exemplo, não gostava de ler partituras e não precisava conhecer a música que estava tocando para fazer solos e improvisos maravilhosos. De acordo com suas próprias palavras, bastava ele saber o tom da música e ouvir a linha melódica uma única vez.

Os temas do bebop, curtos e cheios de acidentes harmônicos e rítmicos eram completamente diferentes dos temas melódicos do swing, que além de longos eram musicalmente padronizados, com “choruses” distintos e estruturalmente não muito complexos.

O bebop modificou a organização instrumental do jazz, o que não impediu que se produzissem arranjos de extrema qualidade. No entanto, esta interpretação impunha à música uma certa intelectualidade e sisudez, o que tolhia a possibilidade de o ouvinte dar asas à vontade de participar, inerente às big bands.

Mas a música das grandes orquestras conseguiu sobreviver mesmo com o bebop começando lenta e consistentemente a tomar o seu lugar, mesmo com a revolução promovida pelos pequenos conjuntos e mesmo com a invasão do rock and roll. Assim como as big bands que mantinham o estilo “puro swing” com o seu fraseado característico do final dos anos 1930, outras orquestras foram surgindo, algumas deixando clara e evidente a influência harmônica do bebop, outras não. Elas executavam um tipo de música menos dançante, mas ainda mantinham os naipes instrumentais e o brilho extraído pelo som alegre das bandas da década anterior.

Este período viu florescer a orquestra de Earl “Fatha” Hines, pianista que se notabilizara ao lado de Louis Armstrong, com quem manteve a partir de 1928 uma durável parceria na época do estilo new orleans-chicago fazendo parte dos grupos de jazz tradicional denominados Hot Five e Hot Seven. Surpreendentemente, Hines, que nunca chegara a ter uma maior afinidade com o swing, criou uma música orquestral que misturava a estrutura do swing com a do bebop e provou, enquanto gingava no banquinho do piano, que o som negro do “harlem jump” podia ser perfeitamente adaptado ao clima do bebop sem perder a essência do velho blues de Nova Orleans.

Ex-integrante da orquestra de Hines, o cantor Billy Eckstine formou uma banda semelhante em 1944, fundindo elementos de swing com a harmonia do bebop e aproveitando sua própria característica como cantor. Eckstine contratou a cantora Sarah Vaughan, uma espécie de seu alter ego feminino, para vocalizar o bebop com perfeição e dar um colorido diferente à orquestração. Na sua formação, Eckstine contou com músicos do primeiro escalão do jazz – caso dos trompetistas Dizzy Gillespie, Fats Navarro e Miles Davis, dos saxofonistas Charlie Parker, Gene Ammons, Dexter Gordon e Leo Parker e do baterista Art Blakey.

Quando a orquestra de Billy Eckstine se desfez em 1947, Dizzy Gillespie, que acumulava as funções de músico e arranjador, utilizou a base do grupo para formar a sua própria orquestra, deixando de lado pouco a pouco o compasso peculiar do swing e a intelectualidade do bebop e criando uma verdadeira big band, que iria a marcar o jazz orquestrado dali pra frente.

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