TEXTO 2
PÁGINAS ESCOLHIDAS
COISAS
(1988)
IMPRESSÕES
COLHIDAS NO INFERNO
Tudo é
incompreensível como um criptograma, ilógico como um paradoxo, anômalo como um
eunuco. As tampas das panelas tremiam sob o vapor bem cheirante, o Domingo de
Páscoa estava claro e cheio de sol, os pássaros voavam fora das gaiolas e o
gato se espreguiçava sob um telhado de zinco.
Na Sexta-Feira, todos cantavam tristezas atrás do andor e se persignavam diante
do altar, e todos beijavam os pés de gesso do Cristo morto, assassinado por
eles próprios. Agora, todos matam novamente o Salvador com hipocrisia e farisaísmo,
todos piedosos dentro das conveniências – esmigalhariam homens, mulheres e
crianças como quem massa um inseto, arrebentariam suas cabeças e cuspiriam nos cadáveres
dilacerados, mas sempre com os olhos meigos voltados para o sacrário, com os
lábios balbuciando preces que nunca entenderam.
Os piedosos sapateiam na lápide. O ruído eu ouço daqui.
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