quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

 


UMA AVENTURA DE NATAL

(Augusto Pellegrini) 

Nem bem tinha fechado os olhos quando o relógio o despertou.

Dez e meia da noite.

O sono lhe fora pesado e curto.

Os dias de tensão, as noites de vigília, a semana inteira ordenando as ideias, cigarro após cigarro pensando na noite de Natal, na importância da noite de Natal, no presente de Papai Noel.

Pensou em ficar ainda mais um pouco deitado, dormitando, bem agora que o corpo havia encontrado a posição ideal, nenhum mosquito pra incomodar, aquela preguiça, aquela lassidão.

Mas não podia, queria, mas não podia, o dever gritava nos seus ouvidos – hoje é noite de Papai Noel!

Ergueu-se como uma mola.

Se continuasse deitado iria dormir de novo, iria perder a hora e então, adeus sonho, adeus Papai Noel.

No canto, amarfanhada, a roupa vermelha e uma ridícula barba branca.

Dentro da cabeça a expectativa crescendo, tremendo, fremindo, nesta noite de pura emoção. Outro cigarro aceso.

Lá fora, a grande noite, o céu estrelado, o vento brando, alguns foguetes espocando aqui e ali, prenúncio de uma grande noite de Natal.

Aqui, a túnica vermelha com alguns fios esgarçados pelo uso, os apliques brancos, a bota preta precisando de uma demão de graxa. No canto, dependurada num prego na parede, a barba branca continuava sorrindo aquele sorriso sem boca, aquele sorriso de Papai Noel.

Aos quarenta e dois anos, mais do que nunca, ele acreditava em Papai Noel. E nunca Papai Noel lhe fora tão importante, nunca marcara sua vida com tanta tinta como nesta noite de Natal, como uma pintura impressionista.

Olhou as horas e analisou o conteúdo do saco. Tudo certo.

Lá fora um cachorro late, e ouve-se ao longe o som melódico de canções de Natal tocadas com harpa paraguaia, meio fora de moda, gosto duvidoso.

Onze e quarenta e cinco. Está na hora de sair.

Puxa o saco não tão pesado para os ombros e levanta os olhos para o teto como se mirasse a abóboda da Capela Sistina, pedindo aos céus que esta noite fosse, de fato, a noite mais feliz da sua existência.

Aproxima-se da porta.

Então, o vendaval.

A porta se abre para dentro com um estrondo, o mundo desabando sobre a sua cabeça, as estrelas da Sistina dançando ao seu redor, homens gritando, armas, mãos para o alto, “quieto, se não quiser morrer!”

Papai Noel com as mãos na parede, somente agora ele notou que tinha se esquecido de calçar as luvas, os olhos esbugalhados, o suor escorrendo por dentro da barba, o rim doendo pela pancada da coronha bem manejada, no rosto o ricto doloroso.

“Tá preso, assaltante safado!”

O plano havia sido descoberto.

No chão, o saco revirado mostra algumas ferramentas, algumas folhas de jornais velhos, uma pistola trinta e oito, dois rolos de esparadrapo, uma bomba caseira de má fabricação e seu amuleto da sorte, uma ferradura de verdade com uma fita vermelha amarrada num dos furos.

O cachorro ainda late, mas agora se ouve o Messias de Händel.

Batem as badaladas da meia-noite na noite de Natal.

Na esquina, próxima ao edifício de um banco imponente, todo revestido de mármore preto, um rapaz está encostado ao poste. Ajeita o boné para frente e enfia a mão no bolso, nervosamente. Olha para os lados atentamente, como um gato.

A uns cem metros, ao lado de uma placa de estacionamento proibido, junto ao meio-fio pintado de amarelo, dentro de um carro escuro, dois homens se questionam – “não está na hora? – e fumam impacientes, a fumaça toldando o espelho retrovisor.

Em frente ao banco passa vagarosamente um outro rapaz, disfarçando alguma coisa, olhando para os lados, ansioso. Consulta o relógio sob a luz do poste, os sinos batendo e os ponteiros se encontrando.

Todos estão esperando por Papai Noel.

Ao longe, os sinos continuam repicando, se confundindo com o som da sirene que se aproxima.

 

 

 

 

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