terça-feira, 31 de dezembro de 2013


 
 
 
UMA PEQUENA HISTÓRIA BÍBLICA

Efraim era o criado favorito de um bem sucedido negociante chamado Salatiel, que morava numa aldeia ao norte do Monte Gaás. Ele era o criado favorito por ter sempre agido com ética e retidão, exercendo o seu trabalho com zelo e respeito, qualidades dedicadas às funções que lhe eram atribuídas.
Salatiel era um homem muito rico e muito justo, e buscava tratar todas as pessoas com as quais convivia – criados, parentes, clientes e outros comerciantes – com muito respeito e consideração.
Certo dia, Salatiel chamou Efraim e lhe confiou o seu cofre, pois iria se ausentar por algumas semanas e queria ter certeza de que seu patrimônio estaria bem cuidado.
Efraim garantiu ao patrão que zelaria pelo tesouro como se zelasse pela própria vida, e Salatiel partiu confiante em que faria bons negócios nas cidades para onde estava indo e que seu dinheiro estava em boas mãos.
Na verdade, Salatiel havia escondido a maior parte da sua fortuna numa caverna onde apenas ele sabia a localização. Deixara com Efraim apenas um cofre contendo 100 moedas de ouro, e o que fazia na verdade era mais um teste de fidelidade, pois não havia a real necessidade de que um criado guardasse o seu tesouro.
Por ser o favorito do comerciante, Efraim era um constante objeto da inveja do restante da criadagem, e assim que o patrão desapareceu no horizonte, Azarias, que mantinha uma certa liderança sobre os outros criados, maquinou uma história para deslustrar a imagem do favorito aos olhos de Salatiel e se colocar no seu lugar como favorito.
Mesmo sem saber o valor contido no cofre, ele resolveu denunciar ao patrão quando da sua volta que Efraim havia aberto o cofre e surrupiado algumas moedas.
Dito e feito.
Quando Salatiel voltou, ele foi informado por Azarias e pelos outros criados que Efraim havia traído a sua confiança, aberto o cofre e roubado algumas moedas. E os criados foram além, dizendo ao chefe que da próxima vez em que ele se ausentasse, era em Azarias que Salatiel devia confiar, pois Efraim não se mostrara digno de tal confiança.
Desgostoso com o problema, pois depositava inteira confiança em Efraim, Salatiel decidiu averiguar. Primeiro, abriu o cofre e contou as moedas. Ficou satisfeito com o que viu e sentiu um grande alívio por saber que seu julgamento sobre Efraim era justo e correto. O cofre continha as exatas 100 moedas de ouro.
Ao mesmo tempo Salatiel ficou triste por saber que a sua casa abrigava víboras como Azarias e pensou na melhor maneira de puni-lo.
Como não era um homem violento e como, na verdade, seu patrimônio não havia sido lesado, Salatiel decidiu que faria apenas um breve discurso.
Reuniu a criadagem, relatou o fato e declarou que sob o seu teto só poderiam ficar aqueles que tivessem a alma pura e bons propósitos. Acusações infundadas e a disseminação da discórdia entre irmãos eram atos do demônio e isto não poderia ser tolerado.
Finalizou dizendo: “Quem inventa maldades a respeito do seu próximo, denunciando que ele esteja fazendo mal feitos, demonstra um caráter mesquinho. Quem espalha notícias sem comprovação da sua veracidade é porque tem na sua mente a mesma sujeira que perpetrou para incriminar um inocente. Nunca acreditei que Efraim fosse capaz de me trair ou de agir com improbidade, mas agora passo a acreditar que, no seu lugar Azarias teria agido sem retidão, pois sua cabeça é capaz de conceber tal vilania. Que este exemplo sirva de lição a todos os que procuram se elevar em detrimento de outros. Agindo com nobreza e dignidade, todos terão a sua vez, mas usando a língua viperina e atitudes escusas estarão se afastando da credibilidade e de Deus”.

31.12.2013

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013





UMA AVENTURA DE NATAL

 

Nem bem tinha fechado os olhos quando o relógio o despertou.
Dez da noite.
O sono lhe fora pesado e curto.
Os dias de tensão, as noites de vigília, a semana inteira ordenando as idéias, cigarro após cigarro pensando na noite de Natal, na importância da noite de Natal, no presente de Papai Noel.
O tilintar do relógio despertador lhe pareceu o badalar de sinos dentro da caixa craniana, o sobressalto lhe assaltando, a adrenalina concentrada, os nervos em pandarecos.
Mas tinha que se controlar. Não era hora de ficar nervoso, o Natal está a poucas horas, a vestimenta de Papai Noel lhe está sorrindo, acenando e pedindo calma.
Pensou em ficar ainda mais um pouco deitado, dormitando, bem agora que o corpo havia encontrado a posição ideal, nenhum mosquito pra incomodar, aquela preguiça, aquela lassidão.
Mas não podia, queria mas não podia, o dever gritava nos seus ouvidos – hoje é noite de Papai Noel!
Ergueu-se como uma mola.
Se continuasse deitado iria dormir de novo, iria perder a hora e então, adeus sonho, adeus Papai Noel.
No canto, amarfanhada, a roupa vermelha e a ridícula barba branca.
Pensou se não teria sido mais fácil ter deixado crescer a própria barba, embora negra e hirsuta, e depois pintá-la ou passar água oxigenada nos pelos grossos, mas a idéia lhe foi repugnante.
Dentro da cabeça a expectativa crescendo, tremendo, fremindo, nesta noite de pura emoção. Outro cigarro aceso.
Lá fora, a grande noite, o céu estrelado, o vento brando, alguns foguetes espocando aqui e ali, prenúncio de uma grande noite de Natal.
Aqui, a túnica vermelha com alguns fios esgarçados pelo uso, os apliques brancos, a bota preta precisando de uma demão de graxa. No canto, dependurada num prego na parede, a barba branca continuava sorrindo aquele sorriso sem boca, aquele sorriso de Papai Noel.
Aos trinta e dois anos, mais do que nunca, acreditava em Papai Noel.
E nunca Papai Noel lhe fora tão importante, nunca marcara sua vida com tanta tinta como nesta noite de Natal, como uma pintura impressionista.
Agora não era mais um simples e puro sonho de criança, aquele encanto de ficar acordado até que lhe aparecesse o presente, o pacote cheio de laços, a surpresa envolta em papel de seda e celofane crepitante, aquela bobagem de renas puxando o trenó, de chaminés, a meia dependurada na árvore e o sapato na janela.
Agora era real, era vestir a fantasia, colocar a barba, enfiar o capuz até o meio da testa, calçar as botas um número mais largas, apanhar o saco cheio de coisas e partir para a maior noite da sua vida.
Primeiro vestiu a calça fofa, depois enfiou as botas e os dedos dançaram naquele espaço imenso. Depois a túnica. Havia uma mancha de gordura bem do lado esquerdo, foi aquele Papai Noel da lanchonete da última quarta-feira, aquele menino gordinho que deixou cair maionese daquele maldito cachorro quente – onde já se viu comer cachorro quente com maionese?, isto é coisa de americano.
Foi ao espelho e, com muito cuidado começou a colocar a barba, amarrada de um lado e colada de outro, puxa, não sabia que isto era tão complicado!, o nariz parecendo mais vermelho e finalmente o sorriso branco, confiante e feliz.
Agora o capuz. Tomara que não vá atrapalhar, com aquele pom-pom grotesco balançando na ponta – ele continuava achando absurdo alguém usar este tipo de chapéu, nem o verdadeiro Papai Noel com seus mil e seiscentos anos de idade dirigindo seu trenó e suas renas pelas planícies geladas da Lapônia, nem o próprio Polichinelo.
Olhou as horas.
Analisou o conteúdo do saco. Tudo certo.
Olhou novamente para o relógio.
Onze e trinta e cinco. Lá fora um cachorro late, e surge um som ruidoso de canções de Natal com harpa paraguaia, meio fora de moda, gosto duvidoso.
Está na hora de sair.
Puxa o saco não tão pesado para os ombros, levanta os olhos para o teto como se mirasse a abóboda da Capela Sistina, como se pedisse aos céus que esta noite fosse, de fato, a noite mais feliz da sua existência.
Aproxima-se da porta.
Então, o vendaval.
A porta se abre para dentro com um estrondo, o mundo desabando sobre a sua cabeça, as estrelas da Sistina dançando ao seu redor, homens gritando, armas, mãos para o alto, “quieto, se não quiser morrer!”
Papai Noel com as mãos na parede, somente agora ele notou que tinha se esquecido de calçar as luvas, os olhos esbugalhados, o suor escorrendo por dentro da barba, o rim doendo pela pancada da coronha bem manejada, no rosto o ríctus doloroso.
“Tá preso, assaltante safado!”
O plano havia sido descoberto.
No chão, o saco revirado mostra algumas ferramentas, algumas folhas de jornais velhos, uma pistola trinta e oito, dois rolos de esparadrapo, uma bomba caseira de má fabricação e seu amuleto da sorte, uma ferradura de verdade com uma fita vermelha amarrada num dos furos.
O cachorro ainda late, mas agora se ouve o Messias de Haendel.
Bate a meia-noite na noite de Natal.
Sinos repicam marcando a hora da Missa do Galo, o movimento é pequeno, mas sente-se no ar um certo burburinho, como se estivéssemos dentro de uma garrafa de champanhe.  
Na esquina, próxima ao Banco imponente, todo revestido de mármore preto, um rapaz está encostado ao poste. Ajeita o boné para frente e enfia a mão no bolso, nervosamente. Olha para os lados atentamente, como um gato.
A uns cem metros, ao lado de uma placa de estacionamento proibido, junto ao meio-fio pintado de amarelo, dentro de um carro escuro, dois homens se questionam – “não está na hora? – e fumam impacientes, a fumaça toldando o espelho retrovisor.
Em frente ao Banco passa vagarosamente um outro rapaz, disfarçando alguma coisa, olhando para os lados, ansioso. Consulta o relógio sob a luz do poste, os sinos batem, os ponteiros se encontram.
Todos estão esperando por Papai Noel.
Ao longe, os sinos continuam repicando, se confundindo com o som da sirene que se aproxima.

 

 

 

 

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013


  

ET INTERPRETATIONEM IUSTICIAE

 

O futebol brasileiro termina o ano convulsionado, cheio de acusações, de ameaças e de direitos defendidos e contestados.
Tudo porque o regulamento do Campeonato Brasileiro, cujo texto foi produzido em comum acordo por todos os representantes dos clubes disputantes, parece que não foi escrito nem lido com atenção ou não foi corretamente compreendido por muitos dirigentes. Dirigente desatento – ou esperto demais – é prenúncio de confusão.
Não vou entrar em detalhes sobre um assunto que é de domínio público e que foi coberto durante boa parte da semana pelos jornais, rádios, emissoras de televisão e redes sociais, mas posso resumir que em princípio o Fluminense jamais reivindicou os pontos da Portuguesa – quem o fez, estranhamente, foi o procurador geral do STJD, Paulo Schmidt, assim que terminou a rodada.
Naquele instante, o Fluminense era só lágrimas e desespero.
A centelha de esperança veio quando o clube ficou sabendo da acusação do procurador, que de uma maneira inédita se antecipou a qualquer recurso e, considerando a sua posição, praticamente decretou o rebaixamento da Portuguesa para a Série B antes mesmo do julgamento. O resto – a votação unânime posterior – foi apenas uma consequência do seu posicionamento.
Ocorre que a CBF não publicou seu boletim em tempo hábil para que a Lusa tomasse conhecimento da penalidade de forma oficial – e a CBF é portanto coautora do delito. Ocorre também que a lei do STJD está em desacordo com o Estatuto do Torcedor (Lei Federal 12.299, de 15/05/2003) e um recurso impetrado pela Portuguesa evocando o texto do Estatuto pode tornar a decisão do STJD nula.
De acordo com juristas proeminentes, as leis esportivas podem regulamentar as competições, mas não são leis e não têm força de lei, devendo portanto, em caso de interpretações discordantes, se submeter à lei magna.
De acordo com informações colhidas aqui e ali, o Brasil é um dos países com o maior número de leis e medidas provisórias que acabam tendo força de lei. Existe uma Constituição Federal que á a mãe de todas as leis e, embora cada estado ou município possa promulgar as suas (que muitas vezes entram em choque com a lei maior), eles não podem passar por cima da Carta Magna.  
O mesmo acontece com aqueles que redigem regulamentos esportivos, regras de condomínios, estatutos de associações recreativas, e quejandos, mas como seus artigos são geralmente feitos em comum acordo entre dirigentes e associados, são poucas as vezes em que as decisões tomadas em função dessa lei menor são contestadas em nome da Constituição.
Eu, pessoalmente, sou avesso a recursos e a recursos sobre recursos no que diz respeito ao futebol, e acho que os resultados obtidos no campo não deveriam ser alterados a não ser que acontecesse um erro de direito, como por exemplo um time atuar com mais de onze atletas ou quando o árbitro toma decisões estapafúrdias por um total desconhecimento das regras.
Acredito que a punição mais correta, em nome da credibilidade do futebol e do respeito ao público torcedor, seria manter todos os resultados e pontos obtidos em campo, penalizando o clube declarado infrator com a perda de um determinado número de pontos quando do início do próximo torneio da mesma categoria.
Qualquer coisa que venha acontecer agora, quer favorecendo o Fluminense quer favorecendo a Portuguesa, já manchou indelevelmente o nome do Campeonato Brasileiro de 2013.

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Estarei de licença durante a época natalina e início do ano. Gol de Placa estará de volta no dia 27 de janeiro de 2014.
Desejo aos leitores e companheiros de O Imparcial, um Feliz Natal, Boas Festas e um ano novo de saúde, paz e prosperidade.  

                                                                                                 Augusto Pellegrini

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013


 

TOLERÂNCIA ZERO
 

Tardiamente, o Brasil começa a se mobilizar para enfrentar a onda de violência generalizada que vem se espalhando pelo país como erva daninha.
Não se sabe se as nossas autoridades estão mais preocupadas com o bem estar do cidadão ou com a imagem do país em um período que antecede um boom inédito de turistas por causa da Copa do Mundo, mas o fato é que finalmente parece que começaram a se mexer.
Hoje, com a globalização da notícia e a instantaneidade das redes sociais, muitas vezes mais precisas e mais rápidas do que o jornalismo convencional, em poucos minutos o mundo fica sabendo de um camarada que se atira da sacada de um shopping center da China após ter se desentendido com a mulher por causa de compras, ou de mais um maluco que sai dando tiros em uma escola nos Estados Unidos, ou ainda um turista canadense que é assassinado em um assalto em plena estrada de Santos, aquela mesma imortalizada por Roberto Carlos.
A imprensa estrangeira está dando muita ênfase aos arrastões nas praias do Rio de Janeiro, aos problemas com turistas que são assaltados em São Paulo, Salvador ou Recife, a assaltos seguidos de estupro em vans que fazem o trajeto Rio-Niterói, e à falta de direção das balas perdidas que descem os morros cariocas sem a menor cerimônia, seja tudo isso fruto de exagero ou não.
Não se sabe ainda quais serão as providências que serão tomadas nem a extensão da punição dos que são até agora beneficiados pela impunidade, mas parece que estamos dando um passo à frente.
Tomara que este passo à frente não seja dado, como diz a piada, em direção a um abismo, e tomara também que – o que parece ser uma infeliz consequência de certas práticas brasileiras – este passo não venha significar mais tarde dois passos para trás.
Pela primeira vez o Estado resolveu intervir pra valer e colocou ninguém menos do que o Ministro da Justiça para comandar, organizar ou intermediar os trabalhos – isto ainda não ficou muito claro.
O fato é que são prometidas diversas ações, a maioria delas criando órgãos reguladores, jurídicos ou penais que esperamos não esbarrem na lentidão dos processos no Brasil e nos famosos recursos que muitas vezes favorecem os criminosos.
No caso dos arruaceiros, a justiça deve ser rápida e sumária, ou o remédio não fará efeito.
A já tardia decisão foi tomada em função dos incidentes de Joinville, onde imperou uma selvageria poucas vezes retratada ao vivo pela televisão.
Entrou novamente na pauta da discussão a necessidade de catalogar os delinquentes num álbum que tenha abrangência nacional e obrigá-los, nos dias de jogos dos seus times, a se apresentarem a uma delegacia duas horas antes do início do jogo sendo liberados apenas duas horas após o seu término. A prestação de serviços comunitários durante algumas horas por semana também faz parte do projeto, sempre que o sujeito seja identificado pelas câmaras do estádio ou fora dele cometendo algum ato lesivo a algum indivíduo ou ao patrimônio, seja ele público ou privado.
Mas este rigor com o vandalismo não deve se prender apenas ao futebol.
Os bárbaros que se travestem de manifestantes para quebrar vitrines, fachadas, bancas de revistas e paradas de ônibus, e que lançam rojões, pedras e coquetéis Molotov também devem passar pelo mesmo tratamento.
A violência gratuita não pode ser aceita de forma alguma, seja seu pano de fundo as divergências entre torcedores ou diferentes posicionamentos ideológicos.

                                                                                               

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013


 A FIFA CONTRA-ATACA

 

Jerome Valcke, Secretário Geral da Fifa, voltou ao Brasil com a corda toda.
Antes de conduzir a chatíssima cerimônia de sorteio dos grupos, ele concedeu uma entrevista que entrou em choque com a postura politicamente correta do seu chefe Joseph Blatter.
Blatter vem ultimamente se preocupando em elogiar o Brasil e está engrossando a corrente patriótica do Comitê Organizador local, buscando convencer o povo em manifestação a curtir as férias de junho-julho aplaudindo o futebol e deixando o quebra-quebra e o inconformismo para a época das eleições – isso ele não disse, mas deixou implícito.
Recentemente, em julho, Blatter chegou a derrapar ao dizer que “a entidade pode ter se equivocado ao escolher o Brasil como sede da Copa 2014”, mas agora, prudentemente, revê o seu discurso.
Mas, se Blatter procura fazer o jogo do contente, Valke passou com o seu trator em cima do protocolo e da diplomacia ao defender a Fifa das acusações que lhe são imputadas, principalmente aquelas referentes aos gastos exagerados com a Copa.
Ele declarou para quem quisesse ouvir que a Fifa não pode ser culpada pelos problemas de educação, saúde e transporte público e que, portanto, as manifestações não devem ser dirigidas contra a entidade. Acrescentou que ela não pode ser responsabilizada pelo atraso social do país. “Este recado é para os políticos brasileiros”, disse ele.
Ele também declarou que nunca houve a exigência por parte da Fifa de que a Copa fosse disputada em 12 sedes nem que novos estádios fossem construídos.  Valke confirmou que a exigência era simplesmente a escolha de 10 sedes e a reforma necessária para adequação dos estádios existentes aos padrões da Copa, além dos detalhes comerciais de praxe.
De acordo com o Secretário, a ideia de aumentar o número de cidades-sede, de derrubar o Maracanã e de construir estádios novos onde talvez não houvesse necessidade partiu dos ex-presidentes Lula – do Brasil – e Ricardo Teixeira – da CBF. Desta forma, a Fifa não aceita que lhe seja imputada responsabilidade pelo gasto excessivo de dinheiro público na obras da Copa ao invés de investir em escolas, hospitais, saneamento e mobilidade urbana.
É bom lembrar que em março de 2012, Valcke já havia jogado pesado por causa da morosidade do andamento das obras – “As coisas não estão funcionando. Muitas coisas estão atrasadas. O Brasil merece um chute no traseiro” – o que gerou uma pronta reação de Aldo Rebelo, Ministro dos Esportes, que ameaçou pedir a sua substituição no Comitê Organizador e proibir a sua entrada no país.
Enquanto Valcke morde, Blatter assopra e exerce o papel de um homem de relações públicas a serviço do Brasil.
No sorteio dos grupos ele apareceu apenas no início da cerimônia e se mostrou claramente mais preocupado em aparar arestas do que em aproveitar o deslumbramento da ocasião, fazendo um discurso previsível no qual exortou o patriotismo do povo brasileiro, a nossa costumeira hospitalidade e a paixão pelo futebol.
Foi, no entanto, mais objetivo do que a presidente Dilma, que timidamente tartamudeou o óbvio, como é do seu feitio sempre que se vê obrigada a improvisar um discurso.
Falha da organização, que poderia tê-la feito ler um texto redigido por um profissional da sua assessoria, o que não chegaria a afrontar com a informalidade do evento, mas daria um toque de legitimidade e poderia mostrar para os olhos do mundo que o Brasil é, sim, um país sério. 

                                                                                                

terça-feira, 3 de dezembro de 2013


 
 
A ENGENHARIA DOS ESTÁDIOS


A quantidade de acidentes que têm acontecido ultimamente nos estádios em construção começa a preocupar e faz a gente pensar em mil conjeturas.
Não sou engenheiro nem sequer técnico em edificação, mas percebo claramente que existe algo de errado nesta estatística trágica.
Primeiro, considere-se que o caríssimo projeto foi sugerido e aprovado pela FIFA que, perfeccionista como é, certamente exigiu o tal padrão de qualidade nos seus mínimos detalhes.
Ademais, supõe-se que o preço elevado da obra pressupõe uma mão-de-obra de primeiro mundo e um material de primeiríssima qualidade, até pelo nome das empreiteiras envolvidas.
Afinal, dos 16 estádios que foram construídos ou reformados – 12 deles em função da Copa, portanto dentro do rigor das exigências citadas – 7 apresentaram problemas sérios e algumas fatalidades, isto é, mais de 40 % do total (isso sem contar o Engenhão, que foi interditado em maio deste ano porque a cobertura ameaçava cair).
Imagine o leitor que calamidade seria se este percentual fosse aplicado a todas as obras de engenharia erigidas no Brasil!
Veja só que histórico assustador, digno ser mencionado em cursos, palestras e seminários sobre segurança do trabalho e discutido pelo CREA a respeito das práticas existentes na fiscalização de obras:
Maracanã, agosto de 2011 – um trabalhador foi para os ares ao tentar abrir a tampa de um tambor de aço com um maçarico de solda. Parece que sobreviveu.
Estádio Mané Garrincha, junho de 2012 – um operário caiu de uma altura de 30 metros. Esse, infelizmente, não sobreviveu. Não usava cinto de segurança.
Arena Grêmio, janeiro deste ano – um operário também morreu ao cair da altura de 5 metros, após sofrer uma descarga elétrica. Este mesmo estádio apresentou problemas depois de pronto, quando um alambrado não resistiu à pressão da torcida durante o jogo Grêmio x LDU, foi amassado como se fosse feito de papel e feriu sete torcedores.
Arena Amazônia, Manaus, março – um operário caiu ao se desequilibrar quando tentava passar de uma viga para um andaime. Morreu.
Arena Palestra, abril – uma viga de concreto desabou – altura não mencionada – e matou um operário.
Arena Fonte Nova, maio – antes da Copa das Confederações, parte da cobertura ruiu após uma chuva forte. Não houve vítimas.
Arena Corinthians, semana passada – dois mortos no tombamento de um guindaste que suspendia uma estrutura metálica. O guindaste, com a capacidade de erguer uma tonelada e meia perdeu o ponto de equilíbrio e desabou ao movimentar uma carga de 400 quilos.
Com a palavra, os peritos.
Alguma coisa, com certeza, está sendo feita de forma errada. É um percentual muito alto de desastres para que se possa atribuir a apenas mais uma fatalidade, e esta cadeia de infortúnios deve ser descontinuada.
Pode se tratar de algum erro de projeto ou mesmo de cálculo, mas isto é altamente improvável. O fator mais provável deve estar em alguma destas alternativas ou até em uma combinação delas, pois todas exalam o mau cheiro da negligência, da gambiarra, da irresponsabilidade, da ganância ou da pressa em concluir a obra: falta de gerenciamento, uso de material inadequado, mão-de-obra barata e não qualificada ou falha na operação e nos procedimentos.
Qualquer que tenha sido o motivo, com certeza não terá sido um simples acaso. Cabe à perícia descobrir o que de fato está acontecendo para que a Justiça possa cobrar responsabilidades, se é que algum dia venha a fazê-lo.

                                                                                                 

 

 

segunda-feira, 25 de novembro de 2013


 
 

TITEBILIDADE
 

Ele é o queridinho da imprensa, respeitado pelos jogadores do time, elogiado pela diretoria do clube e uma unanimidade entre os torcedores do Corinthians.
Faixas são desenroladas nas arquibancadas incensando o seu nome.
Na sua trajetória dos últimos dois anos, ele conquistou para o clube tudo aquilo que qualquer treinador e qualquer clube almeja – Campeonato Paulista, Campeonato Brasileiro, Copa Libertadores, Recopa Sul-Americana e Mundial da Fifa – e chegou a ser cogitado para assumir a seleção brasileira antes da escolha de Scolari.
Seu nome é Adenor Leonardo Bacchi, mas todos o conhecem pelo apelido de Tite.
Ex-jogador de recursos mais ou menos limitados (era médio-volante) chegou a ser vice-campeão brasileiro pelo Guarani, mas acabou se consagrando mesmo como técnico, a exemplo do que aconteceu com Luxemburgo e Felipão.
Como a maioria dos técnicos da escola gaúcha, Tite prima pela disciplina e apesar de gostar do diálogo, não admite uma última palavra que não seja a sua.
Craques têm que confirmar a titularidade jogando bola, pois ele não trabalha simplesmente com nomes, e não admite jogadores que reclamam da reserva.
Só que mesmo com este elogioso resumo, ao terminar o ano futebolístico Tite vai pegar o seu boné e procurar emprego.
É bem verdade que em 2013 ele não repetiu a façanha nem o time conseguiu mostrar em campo aquele futebol pragmático, sem ser vistoso, dos anos anteriores. Por isso, o clube ficou numa posição intermediária, pois além de continuar não sendo vistoso, perdeu a “intensidade” (uma das suas palavras prediletas).
Tite é muito bem articulado e possui uma característica linguística especial. Inventou o “titês”, nos mesmos moldes que nos anos 1980 Sebastião Lazaroni havia inventado o “lazaronês”, um português empolado e repleto de neologismos para explicar seus conceitos.
Para os jogadores do Corinthians isto parece ter funcionado, pois mesmo aqueles com capacidade de raciocínio limitada no que diz respeito ao vernáculo parecem assimilar as suas ordens mais do que muitos repórteres presentes às suas entrevistas coletivas.
Pessoalmente, eu acho Tite um bom treinador na pele de um ator bastante histriônico, pois consegue passar a imagem de bonzinho para ficar de bem com a arbitragem e com a imprensa, muito embora aja com a mesma falta de esportividade com que age a maioria dos seus companheiros de profissão.
Mas seu desempenho, como um todo, fez com que ele amealhasse mais amigos do que inimigos ao longo de uma carreira de treinador que já dura 22 anos, e aí é que reside a tônica do artigo de hoje.
O que teria levado um profissional com este currículo e com este perfil a ser sumariamente comunicado que sua temporada no clube havia chegado ao fim?
As hipóteses são várias, todas contendo alguma dose de lógica: Tite teria uma oferta financeira irrecusável para dirigir um time na China; teria se desentendido com o presidente Mario Gobbi ao reclamar que o elenco estava envelhecido e que precisava ser renovado; o sonho da diretoria do clube (e do próprio presidente) é ter a volta de Mano Menezes, que dirigiu o clube com relativo sucesso antes de ser chamado para a seleção brasileira, liberado pelo então presidente Andrés Sanchez; a diretoria ainda não digeriu ver o caríssimo Alexandre Pato sendo desvalorizado no banco de reservas; ou, ainda, Tite espera ocupar a vaga de Felipão que teria sinalizado não ter a intenção de continuar na seleção após a Copa do Mundo (repetindo o que fez em 2002) e pretende descansar e se reciclar até o segundo semestre do ano que vem.
Façam suas apostas.    

                                                                                                



                                                                                                

terça-feira, 19 de novembro de 2013


 
 
O BOM SENSO F.C. VAI PARA O ATAQUE
 

O protesto pacífico dos jogadores em apoio ao Bom Senso F.C. chegou aos estádios e foi repassado para o público presente e também para os telespectadores.
Em alguns casos, os jogadores dos dois times entraram em campo juntos como se fizessem parte da mesma equipe, segurando uma faixa que conclamava os responsáveis pela administração do futebol a atenderem às solicitações dos atletas profissionais com referência a um calendário mais racional.
Em outros casos os jogadores tiveram a permissão da arbitragem para um minuto de silêncio simbólico antes de ser dado o pontapé inicial, e quando não houve tal permissão, os jogadores de ambos os times ficaram trocando a bola por quase um minuto sem esboçar qualquer tipo de disputa.
Para quem não sabe, este movimento partiu de um grupo de atletas que atuam na Série A do futebol brasileiro, em função do desgaste físico e técnico causado pelo excesso de jogos, pela falta de férias regulamentares e por uma pré-temporada adequada às necessidades do restante do ano.
O movimento toma força, mas não há evidência alguma que possa ser atendido pelo menos em curto prazo, pois mesmo que as federações tomem consciência do problema, existe uma série de entraves que só poderão ser superados com tempo e paciência.
O próximo ano é totalmente atípico, com todo um mês dedicado à Copa do Mundo, mas como a temporada do futebol vai estar na sua metade, havendo inclusive a interrupção de alguns campeonatos e torneios, seria exigir muito da organização que alguma coisa fosse arrumada tão cedo.
Além do mais, uma mudança de calendário teria que ter forçosamente a participação da televisão, que banca boa parte do circo, e dos patrocinadores dos clubes, que verão um encolhimento da veiculação dos seus nomes nas camisas dos jogadores e nos painéis das entrevistas coletivas.
Nada tão simples de ser solucionado, portanto. Deve-se, porém, levar em conta que os artistas do espetáculo precisam ser ouvidos para que o espetáculo continue a existir com qualidade.
A última providência do Bom Senso F.C, foi entrar em contato com Tiago Silva, capitão da seleção brasileira que estava em Miami para disputar o amistoso de sábado contra Honduras, e pedir que algum gesto fosse feito para apoiar o movimento.
Como se podia prever, os jogadores que estão lutando por uma vaga por uma convocação final para a Copa não tiveram o menor interesse em entrar em atrito com o “establishment”, e não houve qualquer resposta, até porque pode ter havido uma proibição formal do presidente Marin e do técnico Felipão.
Pergunta-se o que fariam Marin e Felipão se Neymar se engajasse no projeto de corpo e alma e fizesse um protesto particular a favor do bom senso em pleno jogo da seleção. Afinal, ele é a única unanimidade no momento, e uma palavra ou atitude sua, além de carimbar a ideia, teria uma repercussão de tal sorte que as autoridades se veriam obrigadas a discutir o assunto em público, o que não acontece no momento – eles preferem fazer de conta que nada disso existe e provavelmente irão protelar uma discussão até a sua exaustão.
Talvez imaginar que um astro da grandeza de Neymar possa se preocupar com assuntos tão comezinhos seja querer demais.
Os intelectuais do passado também exigiram atitude de Pelé a favor dos negros e contra a ditadura e, apesar dos tempos serem outros, o Rei também se manteve alheio ao problema.

                                                                                                

segunda-feira, 11 de novembro de 2013


 
 
2014 – A PROFECIA


A apenas sete meses da abertura da Copa, o Brasil segue vivendo uma crise de credibilidade e de incertezas, com ela trazendo o risco de comprometer o sucesso do evento.
Quem reside no país pode atestar a precariedade o nosso sistema de comunicação – falamos da telefonia móvel e da internet – que continua num nível de qualidade muito abaixo das nossas necessidades de usuários comuns.
Só que milhões de turistas e profissionais esperados para este megaevento são originários de países onde a comunicação via internet é rápida e a ligação através de celulares é segura e instantânea, e eles aqui terão uma qualidade de serviço com a qual não estão acostumados – e agora não há mais tempo útil para que a situação se reverta tão radicalmente.
Além disso, todo brasileiro que se utiliza de transporte aéreo no país sabe da falta de estrutura e conforto nos nossos aeroportos.
O Ministro dos Esportes, Aldo Rebelo declarou meio “em passant”, isto é, sem se aprofundar muito no assunto, que todos os aeroportos estarão funcionando com 100% de eficiência quando a Copa começar (na verdade, tem que ser um pouco antes, pois turistas, profissionais e as próprias delegações deverão estar no Brasil algum tempo antes do início do torneio).
O ministro não se pronunciou sobre acomodações, mobilidade urbana, telecomunicações ou segurança, muito provavelmente por não serem assuntos afetos à sua área de responsabilidade. Para ele já basta ter que exercitar o jogo de cintura a fim de driblar os fiscais e dirigentes da Fifa e aparar as arestas criadas pelo atraso das obras, pela oposição parlamentar e pelas declarações desastrosas de Ronaldo Fenômeno, membro do Comitê Organizador da Copa.
A indefinição sobre as questões de segurança, aliada às recentes e constantes manifestações iniciadas em julho já provocou a sua primeira baixa.
Num ano tão importante, onde o Brasil está no foco central do futebol em todo o mundo, os organizadores da Soccerex, uma convenção global que acontece anualmente para debater assuntos do esporte, cancelaram o evento que seria realizado de 30 de novembro a 5 de dezembro no Rio de Janeiro, e teria como palco o Estádio do Maracanã.
A Soccerex é uma oportunidade de se ter em um só local pessoas de todo o mundo interessadas em fazer negócios com o futebol, reunindo associações oficiais (Fifa, UEFA, Conmebol), dirigentes de clubes e de federações, empresários e agentes, provedores de serviços ligados ao futebol, autoridades de turismo e marketing esportivo, técnicos, jogadores e celebridades.
Os motivos alegados pelo cancelamento do evento são dois: primeiro, o governo estadual, acuado pelas manifestações que têm causado grandes tumultos, trazendo um enorme prejuízo ao patrimônio público e à sua própria imagem, retirou o apoio financeiro que já estava costurado com a Secretaria Municipal de Esportes; depois, informantes internacionais se mostram temerosos com a saúde e o bem-estar das 4.500 pessoas que participariam do evento, porque o sistema de segurança atualmente em funcionamento no Brasil é considerado precário.
Apesar da vinda do Papa Francisco haver transcorrido de forma pacífica e ordeira, esses olheiros acham que naquela oportunidade, mesmo os manifestantes mais revoltosos respeitaram o aspecto religioso – portanto apolítico – da visita.
Eles têm em mente as manifestações em Fortaleza e Brasília quando o Brasil disputou dois amistosos – México e a Austrália – e existem também informações negativas alertando turistas sobre a violência urbana nos grandes centros, a impunidade quanto ao crime comum e a falta de credibilidade da nossa política de segurança pública. 

                                                                                                             

 

sábado, 9 de novembro de 2013




A reunião do conselho

A reunião fora marcada para as 13 horas do dia 13, num sinal de respeito à numerologia, dado o tema nefasto proposto em pauta. Na extensa mesa se cumprimentavam e se sorriam uma dezena de cavalheiros já no outono da idade, todos protocolarmente vestidos de paletó e gravata, tendo à sua frente os inevitáveis copos com água, enquanto à cabeceira o Presidente do Conselho aguardava pacientemente que terminasse o arrulhar dos participantes para então pigarrear e dar início à sessão.
-  Bem, senhores, vamos começar a nossa sessão extraordinária para avaliarmos os estragos que estão sendo realizados nos diversos setores da sociedade. Conselheiro da Administração faça, por favor, uma explanação sobre a atual política de preços.
-  Senhor presidente, temos conseguido manter tudo fora do controle, conforme planejado. Atendendo à sua solicitação, estamos providenciando uma média de dez aumentos por mês nos preços dos combustíveis, assim tanto pagam aqueles que possuem veículos como os transportadores de carga e as donas de casa que não têm nada a ver com isso. Ah! Ia esquecendo – também majoramos as tarifas de telefone, água, correios e energia, para o mal estar geral, assim os comerciantes têm excelentes motivos para até triplicar o valor das mercadorias. Com relação aos impostos, faz-se necessário uma reunião especial com o Conselheiro da Fazenda, aqui ausente, para estabelecermos percentuais inalcançáveis e assim estimular ainda mais a sonegação.
-  Muito bem. E a inflação, como vai?
-  Está ótima. Pretendemos com a ajuda dos empresários alcançar a marca recorde de 400% ainda este mês. Com isso talvez consigamos atingir patamares sequer imaginados lá pra março do ano que vem.
-  E V.Exa. Conselheiro Político, o que tem a dizer?
-  Está tudo correndo como previsto, senhor Presidente. Teremos um fator complicador de grande impacto que deverá comprometer o resultado das próximas eleições. Conseguimos, através da imprensa e das bases partidárias, direcionar as intenções de voto para um terrível candidato da extrema direita – desses fascistas que prometem coisas impossíveis, apelam para a aparência pessoal e dão demonstrações ridículas da sua força física – e para um primata analfabeto de extrema esquerda com propostas cretinas e ultrapassadas e um grande projeto proletário para aparelhar o Estado, o que irá levar toda a sociedade, tanto vença um como o outro, a um caos completo e total, com um desgoverno que irá recompensar todo o esforço que já foi feito nesse sentido.
-  E como está o seu setor, Conselheiro da Saúde?
-  Estávamos preocupados com a queda da mortalidade infantil, senhor Presidente, mas já tomamos as devidas providências quanto a isso. Reduzimos em quase 90% a quantidade de vacinas e fechamos os postos de saúde mais requisitados, assim esperamos aumentar drasticamente a mortalidade para o próximo ano. Estamos também empenhados juntos à Medicina Social para que as condições dos hospitais públicos piorem consideravelmente, tanto no atendimento como no tratamento médico-hospitalar. Ah! Ia esquecendo: estamos trabalhando no sentido de ampliar os focos de cólera e dengue a aumentar as áreas de risco, estimulando a construção de palafitas junto à zona ribeirinha e o despejo de dejetos in natura.
-  Excelente. E o Conselheiro do Trabalho?
-  Estamos empenhados em fomentar mais greves nos setores essenciais, assim poderemos chegar muito em breve ao nosso objetivo, que é a paralisação total do país em todos os setores. Temos um acordo firmado com o Conselheiro da Justiça para que a intervenção policial seja a mais violenta possível, assim teremos bastante mortos e feridos e quem sabe até alguns atentados.
-  E quanto ao Conselheiro do Planejamento?
-  Já temos em andamento um plano nacional de desestabilização que inclui o colapso total de energia elétrica e distribuição de água em todas as grandes cidades. Estamos também enviando ao Conselheiro da Justiça um projeto que, se bem aplicado, conseguirá aumentar em 120% a taxa de criminalidade em todo o país, o que sem dúvida trará mais insegurança e desconforto a cada cidadão. Além do mais, mantivemos contatos com a cúpula dos maiores cartéis do mundo a fim de nos assegurarmos de que não faltarão drogas para o consumo e a deterioração da nossa juventude.
-  Muito bem. Alguém mais gostaria de fazer algum comentário?
-  Sim, Excelência – diz o Conselheiro do Interior – Com base nas expectativas do Conselheiro do Planejamento, acabamos de decretar um novo horário, que será diferente nas diversas regiões do país, que obrigará todas as pessoas a acordarem de duas a quatro horas mais cedo sem o menor sentido ou benefício, de modo a saírem por aí se espreguiçando, totalmente mal-humoradas e improdutivas, e provocando acidentes de carro ou de trabalho, para a nossa satisfação. Aumentamos também sistematicamente a quantidade de feriados, assim as empresas têm um prejuízo maior, o produto interno bruto cai e a vagabundagem desenfreada, que era um atributo de apenas uma parcela da população, vai se espalhar e ficar totalmente sem freios.
-  Senhor Presidente, gostaria de ter a palavra.
-  Pois não, senhor Conselheiro das Relações Exteriores.
-  Gostaria de cumprimentar os demais Conselheiros pelo esforço extraordinário que está sendo envidado para que a nossa crise seja cada vez maior, desejando que a desonra, o desrespeito e a impunidade estejam cada vez mais presentes no seio de cada família. Gostaria também de complementar informando que estamos mantendo contatos de alto nível com as forças do sobrenatural, de forma a trazer para cá as maravilhosas tragédias que assolam outros países e que por aqui, incompreensivelmente, quase não acontecem. Queremos terremotos, vulcões em atividade, tufões, tsunamis! Por que São Francisco e não a nossa capital? Por que o interior da China e não a região central do nosso planalto?  Porque as ilhas Salomão e não o nosso litoral? Só assim alcançaremos, após intensa luta, a nossa infelicidade total!  
Isto posto, o Presidente declara encerrada a sessão e todos se levantam e se retiram, uns torcendo pela queda da bolsa, outros pela escalada dos sequestros, outros pela escassez de alimentos, outros pelo aumento do desemprego, outros...

 

 

 

 

 

segunda-feira, 4 de novembro de 2013


 
 
AS BIOGRAFIAS E A CENSURA FELIPENSE
 

Vou discorrer sobre dois assuntos diferentes, embora de certa forma correlatos, pois ambos tratam de uma distorção do comportamento humano. Ambos estão na pauta do dia e fazem parte das discussões de programas televisivos, das redes sociais e das mesas de bar.
Especialistas, jornalistas e cidadãos de outras diversas categorias concordam e/ou discordam, e todos têm seus argumentos para dar suporte às suas opiniões. Para mim, porém, os dois assuntos mostram que estamos vivendo uma época de profunda indigência moral.
Primeiro: antigos ícones se levantam contra o direito de historiadores e biógrafos cumprirem com o seu dever para com a humanidade, fazendo o registro histórico de fatos referentes às vidas das pessoas que fazem a História.
Esta indigência, que se baseia na defesa da privacidade, encontrou um paralelo no futebol – o segundo assunto – quando um jogador praticamente desconhecido no Brasil decidiu jogar por outro país, e teve o seu direito de escolha duramente criticado por um sujeito que procedeu exatamente da mesma forma há exatos dez anos.
Vou explicar melhor.
O primeiro parágrafo cita Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, ativistas culturais que levantaram a bandeira contra a censura e pela liberdade de expressão durante a época da ditadura militar. Não menciono Roberto Carlos neste pacote porque este sempre foi um alienado oportunista.
Estes senhores acompanharam o parecer do Rei da Juventude e buscam proibir na justiça qualquer biografia que não tenha a autorização do biografado.
De acordo com o biógrafo e cronista Ruy Castro, biografias autorizadas, se consideradas em conjunto, mascaram a verdade, adulteram o espírito real de uma época e transformam história em mentira literária.
O que conhecemos da história do mundo, do ser humano e das suas idiossincrasias sociais muito se deve ao que conhecemos dos personagens que fizeram a história – artistas, políticos, filósofos, conquistadores - cujas biografias não autorizadas nos dão a dimensão exata da sua participação na evolução do mundo.
Se Alexandre, Napoleão, Hitler, Einstein ou Charlie Chaplin tivessem escrito suas próprias histórias nós conheceríamos apenas uma parte das suas vidas.
O segundo parágrafo deste artigo fala sobre Luiz Felipe Scolari, técnico da nossa seleção. Este senhor é o mesmo que pediu dispensa da seleção brasileira após a conquista da Copa de 2002 para treinar Portugal em 2003. Lembre-se que Portugal poderia vir a ser adversário do Brasil na Copa de 2006, o que não aconteceu por mero detalhe.
Além disso, Felipão convenceu o brasileiro Deco (e depois Pepe, em 2007) a se nacionalizarem portugueses, e jamais passou pela sua cabeça que qualquer um deles pudesse ser taxado de antipatriota ou inimigo do Brasil.
É portanto bastante estranho e lamentável que Felipão, com este passado recente,  faça a montagem dessa encenação teatral – talvez para fazer média com os patrões da CBF – denunciando Diego Costa por ter se nacionalizado espanhol e “virado as costas para o seu país”.
Felipão convocou Diego para a Copa das Confederações, mas não lhe deu a menor chance e deixou bem claro que o jogador estava fora dos seus futuros planos. Esta pretensa convocação para os amistosos contra Honduras e Chile foi apenas um factoide necessário para desestabilizar o atleta, exaltar a CBF e criar um clima antagônico contra a Espanha.
Não se sabe se a seleção brasileira consegue inocular nos seus treinadores o vírus da arrogância e da falta de respeito ou se eles são escolhidos para o cargo exatamente por possuírem este perfil.

 

 

quinta-feira, 31 de outubro de 2013





EM TEMPOS DE 007 

Na década de 1960, o mundo era um gigantesco tabuleiro político de xadrez cujas peças eram movidas por vários jogadores importantes ao mesmo tempo. O jogo era repleto de lances arriscados, posto que sempre existia a possibilidade de um xeque-mate iminente. A partida era tensa e o golpe final poderia falhar deixando a defesa descoberta no caso de uma resposta adequada do adversário.
Dada a estratégia cautelosa utilizada por todos, pois ninguém se arriscava em ir além do necessário, o match terminou empatado.
Hoje, o mundo globalizou e virou um enorme aparato eletrônico, com aplicativos, jogos mortais, câmeras ocultas, informações confidenciais, redes sociais, e toda uma gama de instrumentos e de recursos, o que enseja a prática de certas ações não muito éticas, como espionagem, invasão de sites, intromissão na vida alheia, fotos não autorizadas, mentiras e toda uma série de malfeitos.
Algumas situações criadas são bastante sugestivas, para não dizer bizarras e talvez constrangedoras – e não estou me referindo à espionagem americana nem ao blefe norte-coreano, mas ao inofensivo futebol.
Felipão e a CBF entraram em choque com a Federação espanhola por um motivo altamente prosaico: a disputa pelo centroavante Diego Costa, há muitos anos jogando no futebol espanhol e atualmente defendendo as cores do Atlético Madrid.
Carente de atacantes, os espanhóis pretendem nacionalizar o jogador e fazê-lo atuar pela sua seleção na Copa de 2014, com boa chance de vir a ser titular.
Foi o suficiente para que soasse o alarme da brasilidade e Felipão começasse uma briga de bastidores para que o jogador permanecesse neutro a fim de não reforçar o adversário, que é de antemão um dos favoritos ao título.
Assim, Diego, entre a certeza de jogar a Copa pela Espanha e a dúvida se será pelo menos convocado pela CBF tem tudo para escolher a primeira opção.
Aí ocorreu uma pilantragem celular. Um jornalista espanhol ligou para Felipão fazendo-se passar pelo presidente do Atlético Madrid e foi direto ao assunto: “Afinal, você vai convocar Diego Costa?” – “Sim!” – “E pretende levá-lo para a Copa?” – “Sim!”
Assim, Felipão garantiu a segunda convocação (a primeira havia sido a confirmação do goleiro Júlio Cesar) e sua afirmativa foi ao ar em todas as rádios e emissoras de televisão do Brasil e da Espanha, muito embora muita gente duvide que haja sinceridade nisso.
Depois, Felipão descobriu que havia levado um trote, e ficou com cara de tacho.
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O assunto da semana foi o pênalti perdido por Alexandre Pato, cobrado com extrema displicência para quem foi comprado por 40 milhões de reais e ainda não justificou a contratação, pois a cobrança debochada precipitou a eliminação do seu clube.
Bêbada pelo chute imperfeito, a bola foi dormir nas mãos de Dida.
Pato, figura carimbada por Felipão, presença constante no jet-set e contratado pela Triton como modelo da São Paulo Fashion Week, parecia deslumbrado e desconcentrado para tão desimportante empreitada, e com esta patacoada vai ficar de molho por algum tempo, a começar pelo desfile de modas, ao qual ele teve o bom senso de cancelar a presença.
Comparando com o insucesso de um goleiro, Pato se tornou o avesso do frango e tomou a sábia decisão de pretextar compromissos de última hora em Porto Alegre porque se voltasse a São Paulo junto com o grupo derrotado, seria um Pato frito.
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Valeu, Sampaio!!!