sexta-feira, 8 de setembro de 2017





O ATOR

(SEGUNDA PARTE - ÁRIA)

Timóteo se transformou em diretor teatral porque nunca conseguiu ser ator nem teve a coragem de ser crítico. Por isso sempre tratou com desdém tanto os atores como os críticos, e somente conseguiu encarnar esta nobre função de diretor, e apenas naquele teatro – vejam bem – por ser o genro do dono, outro estafermo que se dizia empresário teatral, mas não sabia distinguir entre teatro e circo.
Benito, o dono, se autoproclamava “empresário teatral Benito Rubaloca” – dizem que espanhol – e costumava divulgar as suas produções com toda força nas páginas de cultura dos diários e semanários locais.
Rubaloca sentia uma rútila alegria quando via o seu nome estampado nas páginas dos periódicos, e costumava dizer que seu sonho era ser eternizado no Diário de Notícias.
Na época que ora relato ele anunciava com grande estardalhaço – “Produções Rubaloca apresenta O Defunto Virgem, um clássico da dramaturgia”, que era ambientado numa fazenda americana do fim do século 19 e exibido no Teatro Aliança, um prédio reformado que mantinha a aparência e a arquitetura do cinema que fora, sessenta anos atrás.
Como parte do elenco estava sua atriz predileta, Dorotéa Vaughan – nascida Maria dos Anjos Silva – que se considerava uma musa, embora no fundo não passasse de uma canastrona mal-acabada.
Bonita ela não era, embora tivesse um certo porte, pois sua altura tinha o tamanho exato do seu convencimento e, apesar da pouca idade, pois ainda não chegara à casa dos trinta, utilizava uma maquiagem exagerada que a tornava semelhante a uma boneca japonesa de porcelana.
Todos na companhia sabiam que certas coisas proibidas estavam acontecendo entre os dois, meio às escondidas e meio às escancaras, mas sabiamente de eximiam de qualquer comentário. Essas “coisas proibidas” justificavam a preferência do tolo Benito pela frívola prima-dona, que era sempre elencada como atriz principal da companhia, independentemente do gênero levado em cartaz.  
No palco, Dorotéa exagerava nos gestos e na impostação como se um texto de Molière tivesse sido escrito por Sófocles, emitindo agudos vocais tão estridentes e desagradáveis que sua voz soava como um sistema de som com microfonia, apesar de todas as nossas apresentações serem acústicas.
Não sei do timbre da sua voz no silêncio do particular, mas deveria ser do agrado do velho Rubaloca, que por ser o sátiro sem princípios que era não dava muita importância para princípios de fonoaudiologia, preferindo dar atenção a outros atributos mais palpáveis.
Na peça, Dorotéa desempenhava o papel da mulher de um fazendeiro, a quem trai com um vendedor de escovas do condado, num drama fetichista de difícil compreensão para o público, segundo teorizava o autor, um desconhecido à procura de uma plateia, chamado Eraldo Montalvão.
Felizmente meu papel nesta peça – eu representava Pavel, a voz da consciência do vendedor de escovas – se resumia a um monólogo de três minutos, que apesar de exigir um forte vigor histriônico, pelo menos me reservava ao direto de ser histriônico sozinho, sem a má companhia da Dorotéa.
Minha entrada se dava no fim do primeiro ato, quase um entreato, e sua importância na história era ligar o passado e o presente. Eu não era um personagem, mas um pensamento, quase um fantasma, que servia para lembrar aos circunstantes a filosófica existência das causas sobre os efeitos.

Minha atuação se fazia sem a liturgia do drama e sem a emoção dos grandes espetáculos.

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Na impossibilidade de conseguir um editor para publicar o meu novo livro de contos, vou continuar publicando as histórias em capítulos no Facebook e no blog www.augustopellegrini.blogspot.com.br. Se algum dia surgir um editor, os contos serão devidamente ordenados.  




O ATOR

(PRIMEIRA PARTE – ABERTURA)

Estou novamente desempregado.
Como o leitmotiv da minha vida sempre foi o palco, não sei se atribuo esta infelicidade à força do destino, como dramatizado por Giuseppe Verdi, ou à força das circunstâncias, coisa que pode acontecer com qualquer mortal envolvido nas farsas do dia-a-dia.
No momento, sou mais um personagem da vida real à procura de uma persona no palco, saudoso do camarim que guarda aquele silêncio que antecede o espetáculo e daquele calafrio que antecede a entrada triunfante em cena.
Tenho parte da culpa neste destino por enquanto inglório, mas na verdade me considero mais uma vítima do enredo, que foi tramado à minha revelia.
A história que ora reproduzo poderá algum dia, se escrita pelas mãos hábeis de um roteirista, se transformar numa épica obra shakespeariana, tal é a natureza das personalidades envolvidas, o drama e a ironia contidos na trama, o ranço operístico e a mensagem bufa.
Essa história começa com o lirismo de uma poesia e termina com a tragédia dos grandes épicos.

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Assim foi desde o princípio, e parece que assim será per omnia saecula, saeculorum, amém: os momentos que antecedem a entrada ao palco são de extrema tensão, de intensa agonia, de uma expectativa doentia, de uma sensação febril.
Agora sei como se sentiam os prisioneiros de Auschwitz-Birkenau quando chegava a hora de adentrar a câmara de gás, uma alternativa indolor – ainda que não inodora – de cumprir com a derradeira tarefa mundana antes de alcançar a vida eterna.
E olhem que muitos deles não tinham consciência do que estavam fazendo, ao contrário de mim. Eu sei a hora de entrar e a hora de sair de cena – eles não sabiam a hora de entrar e só saíam de lá mortos e com os pulmões intoxicados de cianureto, mas pelo menos não tinham que enfrentar o julgamento dos carrascos da plateia.
Como Edwin Booth, eu sinto o coração oprimido quando enfrento o olhar inquisitivo do público que se refestela nas cadeiras a cinco metros de mim, e não duvido que o mesmo tenha ocorrido com Sir Lawrence Olivier com toda a sua arrogância, ou com Sarah Bernhardt com toda a sua aura cativante. Ou com Gassman, algum dia.

Mas Booth, Olivier & Cia. não tinham os problemas que eu tinha – eles eram os astros principais, não um mero coadjuvante, como eu – nem tinham que aturar Timóteo, não o da Bíblia, mas aquele intragável diretor que só tinha palavras idiotas na ponta da língua.

quarta-feira, 6 de setembro de 2017



CORES


Depois de passados muitos anos
Quando uma mulher fizer a revisão da sua vida
Ela pode dizer com certeza
Que foi amada em diferentes matizes
Cabendo a ela identificar quem foram os pintores

Ela foi amada em azul-claro e em cor-de-rosa
Em ouro, prata, lilás
Mas também em um rubro vivo
Que ficou mais rubro e mais vivo com o passar do tempo
Cabendo também a ela identificar quem foi esse pintor

Mesmo que com os anos apareçam amores alaranjados
Avermelhados ou até brancos como a pureza do lírio
Nada jamais suplantará o rubro
Que pode não ter marcado de rubro a sua vida
Mas com certeza marcou a vida do pintor

segunda-feira, 4 de setembro de 2017




SINOPSE DO PROGRAMA SEXTA JAZZ DE 20/05/2016

CHARLIE PARKER - THE BEST OF THE BIRD

Charlie Parker, conhecido como Yardbird ou simplesmente Bird, foi um dos principais músicos de jazz de todos os tempos, criador de uma linguagem inovativa que colocou o sax-alto em lugar de destaque. Até a sua chegada em cena o sax-tenor reinava absoluto nos solos de Coleman Hawkins, Lester Young e Bud Freeman e o sax-alto não tinha a mesma expressividade. A chegada de Parker no ambiente musical, com suas composições e solos rebuscados, fez revolucionar a presença do instrumento e ajudou a instituir a criação do bebop. O melhor de Charlie Parker pode ser confundido com o melhor do jazz instumental.  
 

Sexta Jazz, nesta sexta, oito da noite, produção e apresentação de Augusto Pellegrini