sexta-feira, 19 de agosto de 2016





A MORTE DO CHEFÃO

A morte do poderoso chefão do futebol João Havelange aos 100 anos de idade não chegou a ser nenhuma surpresa, pela obviedade do tempo.
João – na verdade Jean-Marie Faustin Goedefroid de Havelange – dividia opiniões. Para alguns, era um exemplo de dirigente esportivo, para outros, um exemplo a não ser seguido.
 A importância de Havelange pode ser medida por uma pesquisa feita pelo COI – Comitê Olímpico Internacional, que o aclamou como um dos três “dirigentes do século 20” ao lado do Barão de Coubertin, fundador do COI e idealizador dos Jogos Olímpicos da Era Moderna, e de Juan Antonio Samaranch, ex-presidente do COI.    
Havelange ajudou a alavancar o futebol brasileiro (durante a sua gestão o Brasil conquistou os três primeiros títulos mundiais) e pode-se dizer que se tivéssemos um Havelange hoje no comando talvez as coisas estivessem diferentes. Pesa sobre ele, no entanto, graves denúncias de improbidade administrativa, que se tornaram mais e mais fortes a partir da sua eleição para a presidência da Fifa em 1974 e forçaram a sua retirada pela porta do fundo quarenta anos depois, ameaçado que estava de sofrer um desgastante processo aos 95 anos de idade.
Em agosto de 1997, portanto há exatos 19 anos, eu escrevi um artigo rascunhando os traços da personalidade desse homem, desenhados, a priori, através de informações colhidas à distância, o qual comento hoje com os devidos retoques da atualização.
Havelange estava “escondido” na Europa havia duas décadas quando, numa das inúmeras tentativas das bem-sucedidas reeleições de Ricardo Teixeira na CBF, ele veio ao Brasil para com o seu prestígio tentar alavancar a simpatia do seu (na época) genro. E Havelange acabou em São Luís, onde convidou todos os cartolas grandes e pequenos (eu era apenas um cartolinha que presidia a pequena Sociedade Esportiva Tupan) para um concorrido jantar no então Hotel Vila Rica.
Ao conhecê-lo pessoalmente compreendi porque o mundo o reverenciava tanto. Muito alto, forte, sisudo, voz de trovão, expressão severa, olhar penetrante, ele encarnava como ninguém a figura do chefão – temido, respeitado e jamais contrariado.
Carioca com nome e sotaque francês e porte de viking, ele era um homem com feições de pedra, sempre exibindo uma cara de poucos amigos, embora afável e cavalheiresco na intimidade, desde que não lhe pisassem os calos.
Aquele foi um desses famosos jantares onde todo mundo se farta do melhor vinho e do melhor uísque e das melhores iguarias, um desses famosos jantares que ninguém paga, mas alguém paga (sempre paga, pelo preço da sedução).
São aqueles jantares onde os convidados são convocados para prestar uma homenagem a alguém e acabam se comprometendo, mesmo sem se comprometer, a concordar com alguma coisa debaixo dos panos com a qual discordamos, no caso o apoio do Maranhão na reeleição de Teixeira.
Durante o jantar eu troquei umas poucas palavras com doutor Havelange, que agradeceu a minha presença com muita deferência e deu a entender que aquele ágape poderia significar a ressurreição do futebol maranhense, hoje reduzido a dois times na Série C e D.
Na época, na qualidade de presidente da Fifa, o melífluo Havelange mostrava o seu lado fanfarrão, ao ameaçar a exclusão do Brasil da Copa da França caso o presidente FHC e o Congresso Nacional viessem a aprovar os ditames da Lei Pelé, que sugeria a desvinculação da arbitragem das federações, propunha a transformação dos clubes em empresas, regulamentava a lei do passe, responsabilizava civil e criminalmente os atos dos dirigentes e estabelecia outras medidas que poderiam ter ajudado no bom andamento do esporte mas punha em risco a impunidade de alguns apaniguados. 
Tratava-se de uma picuinha pessoal de Havelange contra Pelé iniciada em 1983, quando o ex-atleta afirmara que havia corrupção na CBF dirigida por Ricardo Teixeira, o que de certa forma foi confirmado mais tarde com as denúncias que foram surgindo.
Havelange não estava procedendo como um estadista, que é o que se esperava do presidente de uma entidade que congrega tantos países. Ele estava procedendo como um ressentido comum que busca simplesmente atingir um desafeto de qualquer forma, sem atentar sequer para o desatino que está cometendo.
No fim, na luta de Dom Quixote contra os moinhos, o cavaleiro venceu, pois de todos os pontos apenas a regulamentação da lei do passe foi aprovada, o que abriu a brecha para o surgimento dos malfadados agentes e empresários, mas isso já é uma outra história.




 (Artigo publicado no caderno de Esportes do jornal O Imparcial de 19/08/2016)





segunda-feira, 15 de agosto de 2016







O EFEITO NEYMAR

Por razões de fechamento de página, estou escrevendo este artigo antes do jogo Brasil x Dinamarca. Assim, quando você estiver lendo o seu O Imparcial de sexta-feira, o Brasil olímpico já terá definido a sua sorte na caminhada rumo ao pódio do futebol masculino. Terá seguido em frente na esperança de ganhar uma medalha – de preferência a de ouro, jamais conquistada – ou terá ficado no meio do caminho, o que significará, independentemente do placar, um  vexame ainda maior do que o de 2014 com a recente Copa do Mundo de péssima memória.
Nos dois casos, desponta a bola da vez Neymar que, talvez por jogar na Espanha, terra de Cervantes, possa estar sendo comparado a Dom Quixote, um intrépido fidalgo que se transformou em um cavaleiro de triste figura.
Maior nome das Olimpíadas no futebol, Neymar não pode ser responsabilizado pelo futebol sonolento apresentado pelo time nas duas primeiras partidas, mas não pôs a bola debaixo do braço e falou “deixa comigo!” – gesto que se espera dos grandes comandantes. Mostrou nervosismo e falta de estrutura emocional pouco condizente com a camisa amarela que já foi envergada por líderes do quilate de Zito, Pelé, Didi e Romário.
Por conta dos acordos de cavalheiros entre a CBF e o Barcelona, alinhavados com a participação do próprio Neymar, nosso atual número um deixou de participar da derrocada da seleção canarinho na Copa América, e ficou claro que apostaria todas as fichas nos Jogos Olímpicos que, igual à Copa, iriam ser disputados em território brasileiro.
Durante a preparação, o técnico Dunga foi finalmente defenestrado, Tite assumiu o comando geral, mas decidiu que seria muito precipitado assumir o futebol olímpico, quer pela falta de tempo que teria para impor a sua filosofia de jogo quer por usar o raciocínio lógico de manter Rogério Micale, técnico que já vinha trabalhando com o grupo, para comandar a equipe na competição olímpica.
Tudo poderia dar certo não fosse a avidez da CBF em reforçar o grupo que fora cultivado por Micale com três jogadores alheios à sua filosofia de trabalho e ao entrosamento necessário com os demais jogadores.
Com a convocação de Neymar, Fernando Prass e Renato Augusto os jogadores foram informados que o capitão da equipe, Rodrigo Caio, entregaria a faixa para um dos três, o que desagradou ao grupo.
Mesmo a contragosto, os jogadores teriam preferido que Fernando Prass tivesse tido a primazia, mas mesmo antes do goleiro ser dispensado por contusão, Micale deu a faixa a Neymar, jogador tido como arrogante e individualista, o que fez ferver o caldeirão na concentração e nos treinos.
Em momento algum Neymar tentou se aproximar do grupo neste início de trabalho e seu distanciamento e falta de diálogo azedou o clima de vez.
É o que se comenta nos bastidores.
Veio o primeiro jogo contra a África do Sul e Neymar jogou o seu futebol à parte, pouco participando no aspecto coletivo da partida. Na segunda partida, contra o Iraque, quase não apareceu, e uma crise de nervos fez com que ele desobedecesse a orientação da organização e se negasse a dar entrevistas ao final da partida.
Tudo zero a zero, menos a atitude do ídolo, que continuava marcando seus gols contra.  
Pra piorar a situação, Rogério Micale demonstrou publicamente que não conseguia comandar o craque e corre o risco de cair em descrédito com todos os outros jogadores.
Este episódio veio apenas acrescentar a falta de estrutura técnica e emocional que está levando o futebol brasileiro para o fundo do poço.
Os jogadores brasileiros desta geração são mimados, estão mais preocupados com o corte de cabelo do que com a imagem esportiva, têm milhões de dólares rondando as suas cabeças, agem com falta de comprometimento com a profissão e com o público que lota teatros para apreciar a sua exibição como artistas que são e, finalmente, são comandados por técnicos e diretores sem pulso e sem moral para tomar decisões firmes, pois paparicam os atletas ao invés de orientá-los.
Pode ser que eu queime a língua (no caso, os dedos) e Neymar venha a ressuscitar, trazendo com ele a confiança para todo o grupo, que a equipe desencante e venha conquistar o ouro e a alegria olímpica, proporcionando finalmente um pouco de orgulho para o torcedor.
As perspectivas são desfavoráveis, e a mudança de atitude de Neymar é o grande trunfo que o Brasil olímpico precisa para torná-las favoráveis e vitoriosas.
Isto pode ter acontecido contra a Dinamarca, cujo futebol apresentado nas partidas anteriores também não foi nenhuma Brastemp.
Assim sendo, voltaria a empatia entre técnico e jogadores, o espírito de união do grupo e a esperança de espantar a bruxa que nos assombra há alguns anos.  




(Artigo publicado no caderno de Esportes do jornal O Imparcial de 12/08/2016)