domingo, 15 de setembro de 2013


 

A convocação de Júlio César


Todo mundo gosta de vez em quando de brincar de técnico de futebol. O assunto chega a ser matéria obrigatória nas mesas de botequim e nas manhãs de segunda-feira, quando os mais experientes, depois das gozações de praxe recebidas dos torcedores adversários, comentam as bobagens cometidas pelo técnico de plantão e expõem as soluções óbvias para consertar a qualidade do time, incluindo aí mudança de jogadores, alterações táticas e até – é claro – a troca do treinador!

Todo cidadão apaixonado por futebol tem na ponta da língua a formação ideal do time que ele colocaria em campo, seja clube ou seleção, justificando a escolha e as eventuais dispensas com explicações doutrinárias, táticas e filosóficas que às vezes (ou muitas vezes) entram em confronto com o desejo de outros torcedores. E, é claro, todo cidadão apaixonado por futebol já chamou alguma vez (ou muitas vezes) de burro o técnico do time para o qual ele torce ou está torcendo naquele momento, seja no estádio seja diante da TV.

A polêmica da semana, que foi inclusive objeto de enquetes em mais de um programa esportivo, diz respeito à convocação antecipada do goleiro Júlio César pelo técnico Felipão para a Copa do Mundo que vai acontecer só daqui a dez meses.

Júlio César está atualmente no banco de reservas do Queens Park Rangers, clube rebaixado à segunda divisão do campeonato inglês, mas teve seu nome confirmado em uma entrevista antes do jogo em que o Brasil bateu a seleção portuguesa por 3x1 em Boston.

Visivelmente irritado ao ser questionado sobre o problema, o técnico declarou que, “para acabar com a frescura”, Júlio César já está convocado entre os três goleiros mesmo sem jogar e mesmo se estiver jogando mal, porque goleiro é uma questão de confiança. Assim, o goleiro recebeu um privilégio que nem o badalado Neymar, o queridinho da mídia e dos torcedores, conseguiu.

A rigor, não se conhece na história do futebol brasileiro nenhum caso de jogador que tenha tido a sua convocação confirmada para uma competição com quase um ano de antecedência.

É sabido que o futebol – e aí falamos de times e de jogadores – obedece a ciclos e varia como a maré. O Corinthians, campeão mundial em dezembro de 2012 e o Atlético Mineiro, campeão da Libertadores deste ano, são exemplos recentes de equipes que encantaram os torcedores e caíram sensivelmente de produção num espaço de seis meses.

O craque Lucas, vendido pelo São Paulo ao PSG, foi figura obrigatória nas convocações de Mano Menezes, mas começa a perder espaço com Felipão e no time francês. O mesmo acontece com Leandro Damião, que enfrenta seu inferno astral dentro do próprio Internacional. Mas nada tão sério que não possa fazê-los se reerguer.

São incontáveis as histórias desta gangorra, o que faz com que o técnico prudente jamais aposte todas as suas fichas em um determinado jogador com tamanha antecipação.

Ganso já chegou a ser melhor que Neymar, Diego era melhor que Robinho, e ambos acabaram não resultando no que se esperava em termos de seleção brasileira. Esperanças como Lulinha, Kerlon – o “foquinha” –, Lenny, Keirrison e William José fizeram água e desapontaram técnicos e torcedores, quando todos apostavam as suas fichas num futuro promissor.

Tudo bem, Júlio César não é nenhuma promessa, já é um jogador rodado, etcetera e tal, mas somente um visionário pragmático como Felipão para ter tanta certeza que a conquista do hexacampeonato vai depender dos pés (e das mãos) deste afortunado goleiro. 

 

A HISTÓRIA DO ITAQUERÃO  

Na semana passada eu comentei sobre o custo da construção do Engenhão e a contramão que este custo representa se comparado com o que foi gasto com os estádios construídos ou reformados para a Copa do Mundo.

Por ocasião do Pan-2007, houve uma gritaria danada sobre os gastos exagerados e inexplicáveis que comprometeram a transparência da administração, especialmente com referência ao Comitê Olímpico comandado por Carlos Arthur Nuzman, que foi objeto de uma CPI carioca que era pra ser, mas não foi.

Na época, já se podia adivinhar que poucos anos depois seria vez da Copa do Mundo ter os seus administradores colocados no banco dos réus.

Parece não haver dúvida que os pilantras do país se reuniram em torno da ideia de superfaturar tudo o que fosse possível por ocasião da Copa 2014, para não apenas fazer fortuna fácil como também para utilizar uma boa “margem de lucro” a fim de adoçar campanhas políticas e firmar alianças vantajosas para alguns políticos envolvidos. Uma vergonha.

Um dos mais emblemáticos exemplos é o da construção da Arena de Itaquera, que abrigará seis jogos da Copa do Mundo, entre os quais a abertura e uma das semifinais. Essa construção tem uma história a ser contada, conforme prometido no último artigo.

Tudo começou quando a Fifa definiu que a abertura da Copa 2014 seria na cidade de São Paulo e que a final seria no Rio de Janeiro.

Naquela ocasião, o então presidente Lula declarou, com satisfação, que a escolha de São Paulo para a abertura do Mundial era perfeita, porque já tínhamos o Morumbi pronto (na verdade, quase pronto) para o evento.

Uma série de circunstâncias, no entanto, fizeram com que a declaração do presidente caísse no vazio e que ele próprio deixasse de se manifestar a respeito.

Para começar, o relacionamento azedo do presidente do São Paulo com a cúpula da CBF. Evidentemente, Ricardo Teixeira faria todo o possível para não dar ao seu desafeto uma tão importante honraria.

Baseado nisso, Andrés Sánchez, então presidente do Corinthians, começou a alinhavar com a Construtora Odebrecht a construção de um estádio para o clube, confiante em que o presidente Lula, além de corintiano de carteirinha, visse com bons olhos uma empreiteira de porte alinhada com os interesses da Copa e do governo, e que desse o seu aval à iniciativa.

Era a oportunidade de o Corinthians conseguir, quase de graça, o seu tão sonhado estádio, desnecessário para a realização do mundial, mas extremamente necessário para que Sánchez alcançasse seu grande objetivo. Era também a oportunidade de Sánchez se vingar pessoalmente de um inimigo figadal – o folclórico Juvenal Juvêncio, presidente do São Paulo.

Previsto inicialmente para custar cerca de 600 milhões de reais, custo que seria bancado pelo clube e pela iniciativa particular, o estádio já está na casa de 1 bilhão, e boa parte do dinheiro utilizado foi injetado pelo erário público, seja através do BNDS, seja através de renúncias fiscais da Prefeitura pela isenção de impostos, seja ainda por dinheiro diretamente bancado pelo Governo estadual para os gastos com as estruturas móveis. Outra vergonha.

Ou o orçamento foi muito mal elaborado ou o superfaturamento é evidente. Em virtude das pessoas envolvidas, fico com a segunda hipótese.

Desta forma, o cidadão paulista está compulsoriamente contribuindo para a construção de um estádio que não é necessariamente o do seu time, para a eleição de políticos que jamais teriam o seu voto e para o enriquecimento imoral de empresas e de pessoas que não ligam a mínima para o esporte. Vergonha.