sexta-feira, 25 de março de 2016







O ESQUEMÃO DA COPA


A nova fase da Operação Lava-Jato chegou ao esporte.
Como se suspeitava, existe dinheiro de propina na construção dos estádios da Copa, bem como em obras para os Jogos Olímpicos.
Quando a Copa começou a ser alinhavada, havia uma espécie de consenso entre a CBF, as federações, os clubes e o governo federal – na prática o grande avalista do evento – para que todo esforço fosse feito a fim de que fossem utilizados os estádios já existentes, sofrendo apenas alguns ajustes para atender às exigências da Fifa.
Lembro perfeitamente quando o presidente Lula declarou algo como “um país que tem Maracanã, Mineirão e Morumbi já possui uma estrutura de estádios apropriada para a Copa e não tem muito que se preocupar com grandes mudanças”.
Mas as águas começaram a rolar com mais intensidade por debaixo da ponte quando a Fifa apareceu com exigências inéditas que não constavam do programa inicial. Tanto o governo federal como a CBF embarcaram na ideia e prontamente deitaram o tapete vermelho para receber o senhor Blatter e seu leal secretário Jérôme Valcke, dispondo-se a atender a cada reivindicação pedida.
Afinal, tínhamos à disposição algumas das maiores empreiteiras do mundo, que dariam perfeitamente conta do recado, todas muito interessadas em contribuir com o seu quinhão para o sucesso da Copa no Brasil.
A reforma do Morumbi custaria 240 milhões de reais, mas foi deixada de lado para que fossem gastos mais de um bilhão na construção do estádio de Itaquera, com as bênçãos das duas presidências, a da República e da CBF, Lula e Ricardo Teixeira.
A farra com o dinheiro público, o superfaturamento e – agora vem à tona – as propinas acertadas entre os organizadores e a Construtora Odebrecht eram de fato muito atraentes numa época em que ainda não se tinha noção dos escândalos que viriam mais adiante.  
Em 2016, dois anos depois, uma análise orçamentária comprovou que o estádio poderia ter custado 780 milhões, tendo a Odebrecht recebido 220 milhões como superfaturamento. As investigações indicam que este dinheiro foi utilizado como pagamento de propinas para uso político.
O procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima declarou ter conseguido localizar provas irrefutáveis nas diretorias e setores da Odebrecht que envolvem o setor responsável pela administração da Arena Corinthians.
Como a chamada Operação Xepa não menciona (ainda) nomes, eu vou me limitar a relatar o fato e manter as suspeitas em segredo.
É claro que o estádio do Corinthians é um exemplo contundente, até pelo carinho que o então presidente Lula, corintiano confesso, demonstrou pela ideia da sua construção para posterior uso da agremiação. Soava como uma espécie de redenção do futebol “alegria do povo”, juntando no mesmo pacote uma casa para uma das maiores torcidas do país e – quem sabe? – o título mundial canarinho, que parecia muito bem encaminhado (tão encaminhado que o novo teatro do Maracanã estava reservado para receber a nossa seleção apenas na partida final, para coroar a sua consagração).
É muito provável que outros estádios também tenham sido construídos ou reformados cercados de meios desonestos, e a Operação Xepa está à cata de evidências.
O problema é que a Copa, cujo custo total foi mais barato do que serão as Olimpíadas, pode ser apenas a ponta de um iceberg.
Nem bem a comunidade esportiva assimilou a primeira pancada para que a 26ª fase da Lava-Jato apontasse suspeitas também sobre pagamento de propina vinculada à segunda obra mais cara em execução para a Olimpíada. O projeto, conhecido como Porto Maravilha, envolve investimentos oito vezes maiores do que o Itaquerão, chegando a mais de 8 bilhões de reais.
Este Porto Maravilha não está diretamente ligado aos Jogos e corresponde a reforma de ruas, calçadas, e construção de túneis na zona portuária do Rio de Janeiro.
Apesar das negativas do prefeito do Rio, a Procuradoria Geral da República apontou fortes suspeitas de corrupção da qual faria parte inclusive o atual presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha.
A Odebrecht vai optar pela delação premiada ou, como eles preferem dizer, colaboração com a justiça.
Se o Ministério Público aceitar, a gente vai ficar sabendo o tamanho do estrago.
   
(artigo publicado no caderno Super Esportes do jornal O Imparcial de 25/03/2016)






Pequeno excerto tirado do conto “Impressões Colhidas no Inferno”, que consta do meu livro intitulado “Coisas”, publicado em 1988, muito oportuno para ser lido em uma Semana Santa:

IMPRESSÕES COLHIDAS NO INFERNO
Tudo é incompreensível como um criptograma, é ilógico como um paradoxo, é anômalo como um eunuco.
As tampas das panelas tremiam sob o vapor bem cheirante, o domingo de Páscoa estava claro e cheio de sol, os pássaros voavam fora das gaiolas, o gato se escondia sob um telheiro de zinco e a luz filtrava pelos buracos dos pregos; as plantas balançavam e contrabalançavam na brisa e os vizinhos riam com gosto de álcool numa libação pascoalina familiar, um velório sem respeito neste domingo santo.
Na sexta-feira todos cantavam tristezas atrás do andor e se persignavam diante do altar, mecanicamente como um cuco na hora certa, e todos beijavam os pés de gesso do Cristo morto, assassinado por eles próprios; agora, todos matam novamente o seu Salvador com hipocrisia e farisaísmo, todos são piedosos dentro das suas conveniências, esmigalhariam homens e crianças como quem amassa um inseto, arrebentariam suas cabeças e cuspiriam em cima dos cadáveres dilacerados, mas sempre com os olhos meigos voltados para o sacrário, sempre com os lábios balbuciando preces que nunca entenderam, certos que Ele lhes estende os braços os chamando para o Seu lado.
Tratantes!
No domingo há o morticínio geral, facas e asfixias numa sucessão contínua – animais são abatidos aos milhões e a inveja vai matando os homens na orgia das orgias, na eliminação das espécies vivas, e aí então ninguém mais se lembra dos sofrimentos que Ele sofreu nem do sangue que Ele derramou aos borbotões, apenas estão alegres porque Ele ressuscitou, embora nem passe pelas suas cabeças que ressuscitar significa morrer primeiro – isto é ou não um contrassenso?
Os piedosos sapateiam na lápide. O ruído eu ouço daqui.  
Augusto Pellegrini