sexta-feira, 4 de novembro de 2016





OS FANTASMAS DO ITAQUERÃO

Em plena semana de Halloween e de Finados, o Corinthians foi abalado por mais uma aterradora notícia: uma infiltração encontrada no Itaquerão está provocando o vazamento de 10 milhões de litros de água e poderá ocasionar um deslizamento de terra avassalador, atentando contra a segurança de muita gente, entre torcedores e ocasionais passantes.
De acordo com o laudo, o deslizamento poderá atingir uma área de estacionamento que comporta 350 carros e fica literalmente tomada nos dias de jogo. Pior: a vazante pode passar do estacionamento para a Radial Leste, via expressa que margeia o estádio onde circulam milhares de carros diariamente.
Se a tragédia ocorrer durante a realização de uma partida do clube ela será muito grande, com perdas materiais e humanas na área do estádio e da via expressa.
Fatos como este dão um atestado se ineficiência de toda uma equipe de técnicos e engenheiros, e deixam mais ou menos patente que não houve um planejamento adequado e que provavelmente a técnica e os materiais utilizados fogem às normas e aos manuais.
As bruxas estão soltas, e não é de hoje.
Antes de ser iniciada a terraplenagem, descobriu-se que o local escolhido para a construção era uma região de oleodutos subterrâneos pertencentes a uma subsidiária da Petrobrás, o que encareceu terrivelmente os serviços, pois além da retirada dos dutos houve necessidade de um tratamento especial no solo para prevenir futuras explosões que poderiam ser causadas por gases retidos no subsolo.
No entanto, dinheiro parece não ter sido problema. A Construtora Odebrecht, responsável pela obra, assumiu todos os custos junto à Caixa Econômica Federal, uma atitude nunca vista num contrato comercial, ficando a empreiteira se encarregada das despesas para resolver a compensação financeira somente ao final da obra.
Isto deixou na época muita gente com a pulga atrás da orelha, mas hoje em dia tudo parece muito natural e bem explicado, levando-se em conta todos os escândalos em que se envolveram a Odebrecht, os diretores da Petrobrás e os administradores do país, hoje escancarados ao público.
Mas isso não para por aí.
Sabe-se que a obra custou um bilhão e duzentos milhões  de reais (um bilhão e seiscentos se forem incluídas as despesas financeiras) quando poderia ter custado quase 40% menos, o que se explica pelo superfaturamento dessa construtora que pavimentou o relacionamento com o poder num “toma lá-dá cá” sem precedentes na história da República.
Com a diretoria na cadeia, a Odebrecht está abrindo o bico e os tentáculos das suas declarações começam a atingir políticos e dirigentes esportivos que estariam mancomunados com a fraude.
Apesar do preço exagerado, o estádio não apresenta qualidade. Apresenta sim diversas falhas estruturais que incluem  o risco do deslizamento, a queda de meia tonelada de material do teto, partes com constante alagamento, vazamento de água na área das lanchonetes, danos na pintura e a abertura de buracos de grandes proporções no local de entrada dos torcedores.
Durante a construção, um enorme guindaste caiu matando dois operários e danificando toda uma lateral e parte da cobertura que tiveram que ser refeitas.
Problemas técnicos à parte, o clube se vê às voltas com o um débito de 310 milhões tendo a Caixa Econômica como avalista. O clube precisa quitar a dívida até 2028 em astronômicas parcelas de 5,3 milhões de reais por mês, o que a torna impagável sem a participação de um parceiro externo para injetar dinheiro e usar o seu nome no estádio, com vantagens a ser estudadas (o chamado “naming rights”).
O estranho nisso tudo é que a Odebrecht faturou com a fraude, o governo da época faturou com o prestígio de dar ao clube um estádio que seria usado na Copa do Mundo (ganhando com isso os votos e a simpatia da torcida corintiana), e os partidos políticos regados com parte do dinheiro fraudado revigoraram as suas campanhas e elegeram seus candidatos pelos quatro cantos do país.
Assim, todo mundo ganhou, menos o clube, que serviu de escada para ações inescrupulosas sob o aplauso dos seus dirigentes.
Foi uma vitória de Pirro, porque os Odebrecht estão na cadeia, os governantes da época estão indiciados em vários processos, os partidos que se prevaleceram estão naufragando e o próprio estádio está ruindo e na eminência de ser tomado pela Caixa Econômica por conta das prestações não pagas.    
   



(Artigo publicado no caderno de Esportes do jornal O Imparcial de 04/11/2016)





quarta-feira, 2 de novembro de 2016





O Choro Negro de Paulinho

Sempre achei o choro-canção “Choro Negro”, de autoria de Paulinho da Viola, uma obra prima do cancioneiro brasileiro. A melodia e a harmonia possuem aquilo que se chama de pureza estética, e a sua beleza comovente me obrigou a procurar por todas as suas gravações para afinal concluir que as gravações desta música são poucas e que a letra era inexistente.
Conversa vai, pesquisa vem, ao ouvir uma declaração de Sérgio Cabral, descobri que Paulinho pertence à longa linhagem de chorões que consideram que o verdadeiro choro deve ser exclusivamente instrumental.
Sérgio Cabral teria ido à casa de Paulinho com uma letra feita para um choro composto por ele – ele, Paulinho – e antes de mostrar a preciosidade ouviu uma peroração a respeito da falta de sensibilidade de alguns compositores que insistem em colocar palavras nas notas plangentes de um choro-canção, também referido como valsa-choro ou varandão.
“Isto é um crime”, – continuou Paulinho – “é o mesmo que você colocar letra numa valsa de Chopin!”
Cabral depressa mudou de assunto sem sequer tê-lo iniciado, deixou a sua poesia jazer desanimada no bolso traseiro da calça, conduzindo a conversa por outras praias menos dolorosas, e desta forma aprendeu a lição.
Há alguns anos – em 2008, precisamente - insensível às lamentações de Sérgio Cabral, eu resolvi escrever uma letra para o samba-choro de Paulinho, totalmente à sua revelia.
Bem, não exatamente à sua revelia, porque usei todas as formas de comunicação possíveis na época, incluindo mensagem eletrônica e telefonemas à procura do seu agente, para pedir sua permissão a fim de que eu pudesse escrever uma letra que se adequasse ao clima da música.
Como não obtive resposta fui em frente e compus a letra da música, a qual transcrevo abaixo na esperança que os músicos maranhenses da MPB possam eventualmente incluí-la no seu repertório nas nossas tertúlias musicais.
O tema versa sobre um artista que se prepara para adentrar o palco e enfrentar o público. Ele faz isso diariamente, mas o sentimento de emoção, medo e insegurança é sempre o mesmo.
Podem cantar, se por acaso o Paulinho reclamar, eu resolvo.

Obs: eu canto esta música em si bemol.    

                                   
                               CHORO NEGRO     

Há quanto tempo
Este momento eu esperei
Mas gostaria de fugir
E o porquê não sei
O camarim guarda o silêncio
Que antecede o show
Lá fora vozes sussurrando
Sob a luz em meio tom

Olho no espelho
Que reflete o que há em mim
Eu gostaria de sentir
Felicidade, enfim
Escolho a face que usarei
Para enfrentar
Esta plateia colorida
Que me assusta e faz chorar

Na solidão deste monólogo cruel
Sinto na boca um gosto fel
E o coração parece então acelerar
Sigo em silêncio
Em direção ao meu destino
Caminho ao som de um violino
Que me empurra para o palco
E as cortinas de veludo
Ao descerrarem mostram tudo
Rosas vermelhas no cenário
E aplausos quentes como a luz
A emoção me faz chorar
Um choro negro
Que faz parte deste enredo
Que fascina e me seduz










domingo, 30 de outubro de 2016





A LEI, ORA, A LEI

Tenho muitos amigos advogados, outros tantos amigos juízes, e também promotores e professores de direito, e com certeza serei alertado para alguma incorreção que estarei incorrendo. Aceitarei de bom grado qualquer esclarecimento que me seja prestado a fim de clarear as minhas ideias e corrigir o meu rumo, posto que não sou um especialista no assunto.
Mas, por não ser especialista no assunto, falo a língua do cidadão que assim como eu se pergunta o motivo para tanto desrespeito às leis.
Falta de educação, dirão alguns. Falta de noções de ética, dirão outros. Faz parte da nossa cultura, retrucarão terceiros. Falta orientação familiar e escolar, concluirão os mais precavidos.
Qualquer que seja porém o motivo, a gente fica com a sensação de que faltam na verdade autoridade e responsabilidade em se fazer cumprir a lei num país onde as leis não são levadas a sério por aqueles que cuidam das leis e muito menos por quem as descumpre.
Existem 181 mil leis na Constituição brasileira que foram redigidas para serem cumpridas, mas muitas delas, quer por absoluta inobservância ou impunidade, quer por total falta de coerência, quer pelas centenas de brechas que oferecem para o jurista arguto ou quer pela natureza da infração e do infrator, passam batidas e oferecem pouco risco a quem atenta contra elas.
A Constituição atual data de 1988 e foi escrita debaixo de uma necessidade premente de fazer retornar aos cidadãos os direitos que haviam desaparecido por causa de um estado de exceção que durou vinte anos. É, portanto, na velocidade imprimida na História do Brasil nos últimos vinte e oito anos, uma Carta Magna desatualizada.
Por causa disso, ela acabou sendo justa e correta para a época em que foi feita, mas foi se tornando leniente e defasada com o passar do tempo.
Este é o problema de uma Constituição com excesso de leis, artigos e parágrafos: quis ser muito precisa e detalhada e acabou sujeita a diferentes interpretações. Uma Constituição enxuta, com leis em que prevalecessem o bom senso e uma forte noção de direito talvez oferecesse ao cidadão mais segurança e menos incertezas.
Mas, a que vem tudo isso, pergunta o leitor acostumado a ler críticas sobre a convocação da seleção, o gol indevidamente anulado, os problemas do futebol brasileiro e uma ou outra incursão no passado de algum ídolo do esporte?
É que, mais uma vez tivemos que assistir a cenas deploráveis de torcedores e policiais se espancando numa tarde festiva em plena reabertura do Maracanã, num clássico entre os clubes de maior torcida do Brasil.
Diz a música de Francis Hime “Maracanã da festa popular, domingo é lá que a poesia vai rolar”, mas o que rolou foi muita pancada.
Depois da borracha cantar e da calmaria voltar, 42 torcedores corintianos foram presos (desta vez os rubro-negros não brigaram com ninguém) e levados para a delegacia para averiguação e confrontação das fichas policiais. Deles, 11 foram liberados e 31 conduzidos preventivamente ao presídio de Bangu.
Poderia jurar que alguns deles são os mesmos da morte do menino em Oruro, são os mesmos do quebra-quebra no Metrô de São Paulo, são os mesmos de outras tantas confusões permeadas por extrema violência. Ou então, se os baderneiros forem outros, é sinal que o mau exemplo está se propagando assustadoramente por falta de providências mais enérgicas.
Os briguentos foram fichados e serão fatalmente liberados, e o STJD (para ficarmos apenas no âmbito esportivo) simplesmente emitiu uma declaração lacônica proibindo a presença deles nos jogos do Corinthians até o final do Campeonato Brasileiro e – mais uma vez – banindo a torcida organizada Gaviões da Fiel dos estádios de futebol.
Só não diz como esta sentença será operacionalizada.
A Inglaterra padecia do mesmo mal, mas hoje não se notam resquícios de violência nos estádios porque as penalidades, principalmente para um torcedor apaixonado, são rigorosas. Lá, torcedores são banidos dos estádios por infrações bem menos graves do que esta do último domingo no Maracanã.
-0-
Vejam só, eu deveria estar prestando uma homenagem a Carlos Alberto Torres, um dos maiores jogadores do futebol brasileiro, ídolo do Fluminense, do Santos, do Botafogo, do Flamengo e da Seleção Brasileira, morto nesta última terça-feira, e estou gastando meu português com três dúzias de delinquentes que não valem uma clicada.     



 (Artigo publicado no caderno de esportes do jornal O Imparcial de 28/10/2016)