sábado, 21 de maio de 2011

Esporte também é cultura

O que vem abaixo do chapéu é uma transcrição do artigo que eu publico semanalnente no caderno E+, de esportes, no jornal O Estado do Maranhão.
O que me levou a escrever tal artigo, que foge da análise crítica ou da polêmica esportiva propriamente dita, foi a crescente irritação em ver (e ouvir) o Hino Nacional Brasileiro interpretado por cantores medíocres na busca de uma inovação equivocada, com uma interpretação pessoal abaixo dos padrões do bom gosto.
Não que eu seja do tipo que costuma pregar obediência e veneração aos símbolos da pátria - bandeira, escudo, selo e hino -  muito embora esteja provado que a degradação de um povo tem muito a ver com a banalização destes símbolos. O que me irritou foi a gratuidade quase insolente de uma interpretação pífia produzida através de uma voz trêmula e aguda de cantores que pensam que vivemos num país de chapéus de abas largas, cinturões e botas, cheirando a esterco e crina de cavalo.
Cantores que encarnam o sertanejo autêntico, como Rolando Boldrin, Renato Teixeira e Sérgio Reis, por exemplo, não se renderam à breguice do chamado sertanejo universitário, uma das pragas que assolam nossas plagas.
Nem se meteram a deturpar a forma e o conteúdo do nosso hino.   


Na cola do que acontece no mundo civilizado, virou praxe aqui pelo Brasil a execução do hino nacional por ocasião dos grandes eventos esportivos.
Existe em São Paulo inclusive uma lei estadual que obriga esta execução em qualquer evento esportivo oficial, seja ele um grande clássico de futebol ou uma partida mixuruca da terceira divisão (se isto é cumprido ou não, aí são outros quinhentos).
Em noventa por cento dos casos, a execução é feita pela banda de uma corporação militar ou mesmo via eletrônica, com o hino sendo entoado pelos alto-falantes dos estádios.
Nos outros dez por cento, cada apresentação sofre retoques tão pessoais que em breve os intérpretes estarão entoando alguma canção desconhecida, dada a disparidade dos arranjos, da harmonia e até da linha melódica.
No passado remoto e no passado recente já tivemos o hino louvado por Fafá de Belém por ocasião das Diretas Já, e destruído por Vanusa num evento público na Assembléia Legislativa de São Paulo.
No esporte, a tradição secular e comportada das bandas marciais vinha sendo mantida, até que, calcado nos megaeventos americanos, os organizadores decidiram colocar cantores para abrilhantarem o ato cívico-esportivo.
E aí começou a se evidenciar o mau gosto e a falta de sensibilidade musical dos produtores do show.
Ainda este mês antes da Fórmula Indy, quem cantou o hino nacional foi o novo astro da música sertaneja Luan Santana, um boneco sem voz e sem expressão, ou seja, tudo aquilo que não precisamos para representar qualquer coisa que se diga vibrante e patriótica.
O desastre prosseguiu quinze dias depois antes da final paulista entre Santos e Corinthians, quando outros sertanejos, Hugo e Tiago desentoaram o hino nacional com tudo o que tinham de direito.
Não é segredo para ninguém a minha posição a respeito de qualidade musical, envolvido que sou com o jazz e assemelhados há trinta anos só no Maranhão.
Mesmo assim, eu não aprovaria um arranjo jazzístico do hino só por considerar a qualidade do jazz acima das outras coisas. 
Respeito o (mau) gosto de muita gente, mas sinceramente acho que eles deviam curtir as suas preferências nos locais apropriados junto com seus pares, ou nos programas televisivos específicos que nos permitissem mudar de canal na busca de algo mais palatável aos ouvidos (se é que isto seja biologicamente possível).  
Ao exibir intérpretes sem a menor qualidade, os organizadores não apenas agridem as pessoas que possuem um rigor artístico mais aprimorado como denigrem a importância deste símbolo pátrio e expõem ao ridículo os próprios artistas, que são benquistos e bem sucedidos nos seus guetos específicos, quer seja uma casa noturna especializada ou uma vaquejada esquematizada exatamente para isso.
A execução do hino nacional antes de um evento esportivo de alta importância deveria ficar a cargo de uma banda militar convencional, de uma orquestra sinfônica ou de um cantor de verdade, respeitando a melodia, os sustenidos e bemóis originalmente concebidos pelo maestro Francisco Manuel da Silva.
Afinal, esporte também é cultura.