PÁGINAS ESCOLHIDAS
Do
livro O BRUXO DE CONCEPCIÓN (2011)
(Augusto Pellegrini)
ÁLBUM DE FORMATURA
No princípio, Icaro não havia
percebido que existia alguma coisa de errado com aquela fotografia. No entanto,
ele teve a estranha intuição de que existia um inexplicável vazio, uma
suspeitosa ausência, a falta de um certo algo.
Poderia ser ilusão de ótica – com o passar da idade, a vista já lhe começava a
pregar peças – mas o desconforto que ele sentia certamente significava alguma
coisa.
Pacientemente, perscrutou todos os detalhes e, embora sem qualquer motivo aparente,
resolveu contar todos os formandos: um, dois, três… quinze, dezesseis… vinte e
nove, trinta, trinta e um.
Trinta e um formandos, isto está errado, deveriam ser trinta e dois, pensou.
Contou e recontou: trinta e um.
Como já era tarde da noite, ele resolveu que ligaria na manhã seguinte para o
amigo Gastão, que era da mesma turma e com quem ele ainda mantinha contato. Ligou,
e confirmou que os formandos de trinta anos atrás eram realmente trinta e dois.
Gastão aproveitou a ligação para comunicar a morte do João Martinho, colega da
turma.
João Martinho… havia na foto exatamente um inexplicável vazio entre Lindolfo e
Boanerges, onde Martinho deveria estar…
Ícaro estremeceu: ele percebeu que, por algum motivo demoníaco, o álbum de
formatura era um premonitor da morte, e que todos seriam apagados à medida em
que fossem indo para o outro mundo.
Se Ícaro tivesse contado novamente, veria apenas agora apenas trinta formandos,
e não veria a sua própria imagem na foto, agora ocupada por um espaço vazio entre
Gastão e Túlio, ambos muito sorridentes, com o canudo nas mãos.
(A morte manda recado e começa a esvaziar a história)