sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016







A ZICA E A ZIKA


O brasileiro é um cidadão cheio de problemas, embora tradicionalmente feliz e otimista, e assim continua, mesmo com os compreensíveis muxoxos e panelaços disparados contra a classe política.
Esta felicidade pode ser vista e sentida nas coberturas de televisão do carnaval que passou se espalhando pelos quatro pontos cardeais verde-amarelos e pelas suas regiões intermediárias. Todos esqueceram as dívidas, o desemprego e a inflação, e caíram na gandaia.
No entanto, trabalhando nas sombras há uma zica que nos assola desde há cerca de oito anos e que frauda nossos sonhos (para quem não curte a gíria oficial, “zica” significa má sorte passageira, embora intensa). Essa zica nos incomoda e acontece no mesmo momento que um mosquito de tripla ação – dengue, zika e chikingunya – vem debochar do nosso sistema de saúde pública.
O nome do vilão parece tirado de histórias bíblicas – Aedes Aegypti – e vem causando muito desconforto, internações e mortes.
Como a ação do mosquito só se manifesta alguns meses depois da contaminação, é preocupante a expectativa de o que poderá advir do carnaval e da tradicional falta de cuidados e de higiene que estas grandes festas promovem na população, não só para o habitante do Brasil, mas para todos aqueles que estiveram expostos a ele.
A guerra está declarada.
O cidadão brasileiro foi conclamado a empunhar as suas vassouras, desinfetantes e panos de chão e colaborar com as autoridades sanitárias nos cuidados do dia a dia, vigiando sem trégua os seus vasos de plantas, garrafas vazias e caixas d’água, e esperando que os governos federal, estadual e municipal façam a sua parte. Nunca é demais manter acesa chama da esperança, apesar do corte do orçamento que afetou áreas essenciais, grandemente responsável pelo que está acontecendo, tendo em vista o descaso como vem sendo tratada a saúde pública no país.
Ao longo do século 20, o Brasil enfrentou e venceu diversas batalhas contra doenças endêmicas, mas o súbito relaxamento no controle sanitário por parte do estado e a consequente falta de cuidado da população reacendeu o perigo. Parece que todo o movimento sanitarista tem que recomeçar, como se ainda estivéssemos no tempo de Oswaldo Cruz.
Mas o leitor deve estar perguntando “a que vem tudo isso num artigo cuja finalidade é comentar sobre esporte”?
É que faltam apenas seis meses para os Jogos Olímpicos e o problema do zika vírus está num crescendo avassalador. Além da agora prosaica dengue, o mosquito pode causar estragos maiores, fazendo com que o mundo, mais do que o Brasil, fique terrivelmente assustado.
O New York Times, principal jornal americano, está em plena campanha visando alertar atletas e turistas que vir para o Brasil em agosto será a maior roubada, e existe entre os próprios atletas um movimento de boicote.
Como se trata de um jornal de credibilidade e de alcance mundial, faz-se necessária uma pronta resposta dos órgãos responsáveis pelos Jogos para desestimular o jornal nova-iorquino a jogar areia no negócio, ou seja, temos que mostrar serviço.
Um boicote americano poderá desencadear boicotes de outros países, afetando sobremaneira o brilho dos Jogos.
Afinal, já temos problemas demais com a desconfiança generalizada do pessoal do iatismo com referencia à qualidade da agua da Baía de Guanabara e o Brasil também não tem as melhores referências no que diz respeito à segurança para os turistas.
Mesmo contando com alguns fatores positivos, como a baixa probabilidade de atos de terrorismo, as incontestáveis belezas da cidade e uma taxa de dólar que estimula bolso do turista, as condições de saneamento e as próprias condições dos locais da competição fazem com que o tão esperado Rio-2016 perca muitos pontos entre aqueles habituados a acompanhar de perto esse evento tão importante.
Afinal, uma festa que está custando 40 bilhões de reais tem que valer a pena.      

     

(artigo publicado no caderno Super Esportes do jornal O Imparcial de 12/02/2016)



quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016






O CARNAVAL DOS OUTROS
Terceira parte

O carnaval não se resume às festas mais conhecidas que a mídia divulga pelo planeta afora.
Neste mundo globalizado, ele se espalhou e já “contaminou” Santiago de Cuba, Austin, no Texas, Los Angeles, na Califórnia, Cádiz, na Espanha, Oruro, na Bolívia, Londres, as Ilhas Canárias e tantos outros lugares.
O carnaval brasileiro acontece em praticamente todas as cidades do país, com maior ou menor brilho, mas os mais concorridos, inclusive com respeito ao apelo turístico, são Rio de Janeiro, Salvador, Olinda e Recife, cada qual com uma característica própria.
Pode-se dizer que, com maior ou menor devoção, as pessoas das cidades acabam se envolvendo com o chamado tríduo momístico, seja participando das concentrações populares, seja protagonizando os próprios desfiles, seja se reunindo com amigos pra uma diversão mais moderada, ou seja dando uma espiadela na cobertura da televisão, que mescla folia com notícia.
E como em toda atividade praticada com fervor, alguns acabam ficando totalmente dependentes da folia e não veem a hora de chegar a temporada carnavalesca para espantar (ou soltar) as bruxas e as frangas.
O leque de fantasias, feitas com capricho ou improvisadas, é muito grande – de rei ou de pirata ou jardineira – e a crítica mordaz a políticos e personalidades também se faz presente. O que não falta é homem vestido de mulher, mas isto Freud explica! 
O carnaval, proposto em diferentes formas, faz parte da comemoração de diversos países. Alguns tipos de carnaval são claramente baseados nos festejos do Rio de Janeiro, é certo, mas outros se baseiam em origens próprias e diferem em forma e conteúdo.
O que existe de idêntico em todos eles é a data da celebração. O tempo de carnaval é baseado na quaresma, que marca quarenta dias de jejum – período que Cristo passou jejuando no deserto, antecedendo o domingo de Páscoa, cuja data é fixada como o primeiro domingo depois do aparecimento da primeira lua cheia na primavera do hemisfério norte (confuso, não?).
Apesar dos relatos históricos que atestam a origem grega dos festejos, a história moderna situa o início das festividades a partir da implantação da Semana Santa pela Igreja Católica no século 11, antecedidas pelos ditos quarenta dias de jejum, a tal quaresma.
Assim, “carnis levale” significava um adeus temporário aos prazeres deste mundo durante quarenta dias de jejum e abstinência, e para tanto os homens promoviam grandes “festas de despedida”, evidentemente com muita esbórnia e libações diversas. O carnaval significa um desapego à existência, onde tudo vale em nome da alegria – fugaz, posto que momentâneo, mas extremado, como se o folião estivesse contando os últimos dias, as últimas horas, os últimos instantes de felicidade antes de encarar a volta da dura realidade da vida.
A Quarta-Feira de Cinzas significa para muitos a volta ao trabalho e à realidade, mas para muitos apenas um dia para refazer as forças a fim de voltar com tudo no fim – ou nos fins – de semana seguinte.