sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016








NO BICO DO CORVO

O Rio de Janeiro continua lindo e, como canta Gilberto Gil, continua sendo o Rio de janeiro, fevereiro e março, banhado pelo sol, pelo verão e pelo carnaval, mas sob o olhar desconfiado do Redentor, pois se o Rio não cuidar do seu destino, aquele abraço!
Com uma administração estadual e municipal ineficientes – Pezão de um lado e Paesão do outro – o Rio está no bico do corvo.
A saúde pública está um caos. Hospitais públicos não atendem a população por falta de profissionais, materiais e equipamentos. Os habitantes da região serrana têm que acender velas a todos os orixás cada vez que ameaça uma tempestade, pois os serviços de contenção prometidos pelo Estado depois que a ajuda humanitária em tragédias recentes ficaram no discurso. Os reparos também.
As praias estão cada dia mais inseguras, com marginais atacando turistas ou moradores – já não faz diferença – em plena luz do dia, fruto de um policiamento deficiente e de um intenso tráfico de drogas que assola a cidade, particularmente na poética zona sul.
O mar da Guanabara está há anos impróprio para banhistas apesar dos milhões destinados para a sua recuperação, vorazmente engolidos sem que haja qualquer saneamento, o que é um atentado contra o bom senso, considerando a quantidade de turistas que apesar de tudo não cessam de vir à cidade para se divertir e deixar o seu dinheiro.
O leitor poderá apontar que de positivo não se tem tido notícias dos costumeiros tiroteios nas áreas “pacificadas”, mas com certeza isso se deve mais a uma trégua dos traficantes do que a uma estratégia do governo, ou seja, mais dia menos dia as balas perdidas voltarão a acertar a cabeça dos desprotegidos.
Falta dinheiro para as coisas mais urgentes, mas o custo dos Jogos Olímpicos – e Paralímpicos – deverá chegar aos 40 bilhões de reais (41% mais caro que a Copa de Mundo).
Os Jogos apresentam ainda uma série de incertezas, que vão da qualidade das edificações à ameaça de boicote de atletas de diversos países.
A cidade – como de resto o país – vive a angústia de se ver derrotada por um mosquito, e a seis meses das competições muitas obras cuja previsão de entrega seria setembro de 2015 – como o Velódromo e o Estádio de Remo da Lagoa – ainda não foram concluídas. Em situação pior estão o Centro de Tênis, na Barra, e o Centro de Hipismo, em Deodoro, pois as obras se encontram paralisadas devido a pendências entre a Prefeitura e a construtora responsável.
No futebol, a situação não é diferente.
Com o Campeonato Carioca em pleno andamento, os dois estádios principais não estão sendo utilizados. O Engenhão está interditado há três anos, e só deverá ser utilizado pelos clubes depois das Olimpíadas. Isso se for solucionado o impasse sobre a quem caberá a sua administração.
Quanto ao Maracanã, o velho estádio que era um verdadeiro templo do futebol – posto que um cartão postal da cidade, construído numa linha arquitetônica retrô dentro de um projeto apresentado em 1947 – foi demolido, dando lugar ao Novo Maracanã, filho sem pai que surgiu como uma imposição da Fifa e foi cedido à administração particular depois de ser pouco usado na Copa de 2014.
O estádio também está fechado para jogos e aqui também as Olimpíadas são usadas como desculpa, mas os clubes têm feito grande restrição em lá jogar por causa de divergências com os administradores com respeito às taxas cobradas, de modo que os jogos do campeonato estão sendo disputados em São Januário, Macaé e Volta Redonda.
Com isso, as arrecadações caíram drasticamente por causa do público diminuto, e pela primeira vez em 104 anos um Fla x Flu foi disputado fora do Rio de Janeiro.
Assim, a administração do futebol se junta à administração da cidade e do estado, restando ao carioca rezar para que o Cristo Redentor, braços abertos sobre a Guanabara, assuma as rédeas da situação e promova um milagre de ressuscitar a Cidade Maravilhosa e o estado que lhe dá o berço.
Amém.    
     

(artigo publicado no caderno Super Esportes do jornal O Imparcial de 26/02/2016)