quinta-feira, 14 de agosto de 2014







O FUTEBOL BRASILEIRO EM BAIXA – PARTE II

(ARTIGO PUBLICADO NO CADERNO “SUPER ESPORTES” DO JORNAL “O IMPARCIAL” DE 14/08/2014) 

No artigo anterior nós comentamos que o jogador brasileiro está perdendo qualidade e não é mais invejado como o era há uma ou duas décadas.
Isto talvez se deva a outro problema que explodiu a partir de 1998 com a implantação da Lei do Passe, quando os clubes perderam os direitos sobre os jogadores que produziam nas suas categorias de base e abriram espaço a espertalhões que se autodenominam agentes ou empresários. Foi quando começou a excessiva mercantilização que ajudou a puxar o futebol para baixo.
O clube era então o “dono” do jogador e só permitia a sua transferência para algum outro clube se o seu presidente assim o permitisse. Na prática, esta “escravidão” era atenuada pelas conversas entre o clube e o jogador, de modo que a incidência de uma tiranização era na verdade muito pequena, contra a total tiranização que é hoje exercida pelo empresário sobre o atleta e sobre os clubes, sejam os clubes formadores ou compradores. Adicione-se a essa massa podre as relações espúrias entre agentes e dirigentes de clubes e começaremos a entender até que ponto isto afeta a vida e o rendimento do atleta.
A safra colhida pelos ávidos agentes e empresários – que estão aliciando garotos a partir de 10 anos de idade com a promessa de levá-los para clubes europeus – nunca está suficientemente madura, mas sempre rende muito dinheiro para o aliciador e algum para a família do jogador, restando para o jovem atleta apenas a esperança de dias gloriosos e a incerteza de vencer.
A perspectiva de uma vida milionária para si e para a família deixam os jovens – naturalmente despreparados – com a cabeça nas nuvens, e isto é o primeiro passo para o fracasso e a frustração.
Só que, despreparado e obedecendo as ordens do seu agente mentor, o jogador entra num mundo irreal de deslumbramento que tanto pode levá-lo à categoria de superstar como fazer com que ele entre num caminho ruim e sem volta.
Sem direitos efetivos sobre o jogador, e com o dinheiro falando cada vez mais alto, os clubes formadores de jogadores aceitam o canto da sereia porque sempre sobra algum para eles.
Ocorre então que muito jogador sai do Brasil direto para algum clube de segunda linha na Europa sem nunca ter passado por uma experiência pelos nossos campos e se tornam totalmente desconhecidos do torcedor comum. Basta um brilhareco qualquer e lá está o jovem convocado para a seleção com a qual ele tem dificuldade em se identificar, onde será treinado por um técnico cujos conceitos entram muitas vezes em choque com o que ele está assimilando no país onde atua.
O leitor poderá questionar se este problema é localizado apenas no Brasil, e eu direi que não, pois o mercantilismo é um fenômeno que acontece em todo mundo. Mas a ganância financeira nos outros países, notadamente na Europa, é compensada por práticas mais honestas e por uma política voltada às categorias inferiores que permite um certo equilíbrio entre o custo da formação de um atleta e o seu benefício tanto técnico como financeiro.
Além do mais, no Brasil são cometidas as maiores loucuras com as finanças dos clubes porque o gerenciamento do futebol não possui uma regulamentação que responsabilize o presidente e os dirigentes dos clubes quanto a qualquer descalabro financeiro.
Assim, um clube pode estar endividado e à beira da insolvência, com atraso nos salários e imensos débitos trabalhistas, e mesmo assim continua contratando jogadores caríssimos e pagando salários incompatíveis com o seu balanço financeiro, o que apenas faz aumentar o tamanho do problema. E a dívida segue empurrada para o sucessor.
Com tudo isso, não existe clima para a formação de jogadores o os técnicos vão se sucedendo no comando unicamente preocupados com o presente, o que nos faz distanciar cada vez mais dos centros que trabalham com planejamento, eficiência e, diria eu, honestidade.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014






O FUTEBOL BRASILEIRO EM BAIXA – PARTE I

 (ARTIGO PUBLICADO NO CADERNO “SUPER ESPORTES” DO JORNAL “O IMPARCIAL” DE 11/08/2014)

Vou iniciar nesta segunda-feira uma série de três artigos a respeito deste assunto, fazendo algumas observações para explicar meu ponto de vista sobre o caos que o futebol brasileiro está vivendo, embora sem qualquer pretensão de apontar uma solução efetiva. As outras partes serão publicadas na sequência.
Espantados pelo mau resultado obtido na extinta Copa do Mundo, os setores esportivos da nação estão empenhados em achar respostas e soluções para o que se chama de “reconstrução do futebol brasileiro”.
É claro que existe algum exagero nesta visão apocalíptica, porém este exagero tem o seu lado positivo, porque o inconformismo e a vontade de rever os atuais conceitos poderão ajudar a consertar as coisas que estão erradas.
Parece que todos os envolvidos com o esporte estão mais ou menos preocupados com a situação, inclusive a Rede Globo – por razões óbvias – menos a CBF, para quem tudo parece estar caminhando às mil maravilhas.
Mas é de fato um exagero atribuir todas as mazelas administrativas, o caos financeiro e a produção bissexta de craques à altura de representarem “o melhor futebol do mundo” simplesmente à derrocada na Copa.
O Brasil não perdeu a Copa por causa destes ingredientes, pois vem sendo derrotado há tempos dentro e fora do campo, não apenas na qualidade do seu futebol mas também no que podemos chamar de “fatos sociais”, muito devido às pessoas colocadas em lugares estratégicos que agem apenas em benefício próprio, sem se preocupar com a coletividade – e o escândalo do superfaturamento dos estádios que por si já têm a sua utilidade questionada é uma prova recente do que estamos dizendo, pelo menos no campo esportivo.
Na verdade, a Copa terminou sem nenhuma surpresa, pois quatro das cinco seleções que eram consideradas favoritas chegaram às semifinais, e o Brasil não deve ser demonizado por ter ficado em quarto lugar.
A falta de ética no comportamento do brasileiro é quase endêmica e tem raízes em uma série de fatores que, devidamente analisados e ponderados só poderão ser resolvidos a longo prazo, desde que as mangas sejam arregaçadas agora, as feridas sejam expostas e não falte a chamada vontade política.
Vamos começar pela qualidade atual dos nossos jogadores.
Os comentaristas mais antigos são unânimes em afirmar que o futebol disputado hoje perdeu o romantismo, e que os craques do passado dariam lições de futebol a qualquer Neymar de hoje em dia.
Isto é uma meia-verdade, pois no passado também havia os cabeças de bagre. A essência do futebol mudou, e atualmente a competitividade e a força física também fazem parte do jogo. É impossível comparar a forma de jogar de Zizinho, Didi e Falcão (para usarmos como exemplo craques de épocas distintas) com os maestros de hoje em dia, até porque o tipo de futebol praticado hoje no Brasil praticamente eliminou a função de “maestro”.
Um dos motivos que contribuem para a pobreza do jogo atual é que os jogadores, na sua maioria, estão sendo formados em escolinhas – onde se privilegia a disciplina tática em desfavor do desenvolvimento lúdico – ou são originários das quadras de futsal, pois está cada dia mais difícil para um jovem bater bola na praia ou nos campos de várzea.
Com certeza a safra atual não é das melhores, e a prova disso é que os clubes estrangeiros com poder de compra estão importando cada vez menos jogadores brasileiros se compararmos com o que acontecia há dez anos.
É necessário que se faça uma reformulação completa na política de desenvolvimento do futebol de base, começando por mesclar disciplina com lazer e exigir que o jovem atleta seja exposto à educação como um todo para que ele possa ter a oportunidade de buscar outros caminhos na vida caso não seja bem sucedido em alguma peneira selecionadora.
Quando se trata a matéria prima com cuidado, a tendência é que tenhamos um produto final de melhor qualidade. E esta qualidade com certeza vai contribuir para equipes mais bem sucedidas nas gerações futuras.
No próximo artigo analisaremos outras variáveis para que o futebol volte a ser “a alegria do povo”.