AS CHUTEIRAS ESTÃO
TRISTES
(ARTIGO PUBLICADO NO CADERNO “SUPER ESPORTES”
DO JORNAL “O IMPARCIAL” DE 03/04/2015)
Depois da
derrocada na Copa do Mundo em julho do ano passado, a seleção brasileira deu
uma reformulada e uma chacoalhada tentando aumentar a autoestima, fazer-se
novamente respeitada e revalidar a sua hegemonia preocupada com a Copa América,
que será disputada no Chile nos meses de junho e julho deste ano.
Apesar das
críticas contundentes que partiram de José Maria Marin, na época da tragédia presidente
da CBF, nas quais ele joga toda a culpa pelo fracasso em cima do técnico Scolari, e também
do mea-culpa de Carlos Alberto Parreira, que admitiu recentemente que o Brasil
“não tinha time para ganhar a Copa do Mundo”, a maioria dos integrantes da
delegação, inclusive Scolari, continua fazendo de conta que não aconteceu nada
ou de que, no mínimo, não é com eles.
O mundo fez
mil e uma piadas, os defeitos da seleção canarinho foram expostos em público
como carne de açougue, os jogadores procuram se esconder nos seus clubes para
reencontrar o futebol que os levou à convocação e a imprensa é acusada por
alguns patriotas exacerbados de promover a filosofia do “quanto pior melhor”
para desestabilizar ainda mais as estruturas do nosso desestabilizado país.
Sob a nova direção
do técnico Dunga o escrete tem feito uma campanha irrepreensível que já dura
sete meses, com a incrível marca de oito jogos, oito vitórias, dezoito gols
marcados e apenas dois sofridos. Quer por precaução, quer por estratégia,
nenhum dos oito amistosos foi realizado no Brasil: cinco foram em campos
neutros e três na casa dos adversários.
Entre os
adversários mais tradicionais, batemos a França e a Argentina e os atualmente
indigestos Colômbia e Chile.
Para amenizar
o clima, a seleção de Dunga vem mostrando um futebol organizado e pragmático –
como é o seu estilo – isto é, não joga bonito, marca forte na base da botinada
e aproveita o erro do adversário.
O jogo pode
estar amarrado, mas uma única roubada de bola pode propiciar aquele
contra-ataque redentor, pois os jogadores brasileiros têm faro de gol e um
aproveitamento acima da média.
Mesmo assim,
a gente nota que não existe euforia nas vitórias e que as comemorações –
exceção às feitas pelos jogadores na hora do gol – são contidas e preocupadas.
A seleção
brasileira está ao mesmo tempo vitoriosa e triste.
É o efeito
7x1 que permanece inoculado no nosso sangue, reforçado com uma dose de 3x0 numa
despedida inglória, e que vai levar algum tempo para se dissipar completamente.
Se o choque
térmico de 1950 foi sentido particularmente apenas por 200 mil pessoas que
estavam no Maracanã, com uma dorzinha aqui e ali transmitida pelas ondas do
rádio, o cataclismo de 2014 foi avassalador, atingindo um público quase mil vezes maior,
contando com o alcance da televisão, da internet, dos smartphones e do próprio
rádio, tanto aqui como no exterior.
Perder em 1950
foi compreensível. Afinal, nos éramos tidos como cães vira-lata, na versão do
cronista Nelson Rodrigues, e levaríamos ainda oito anos para começar a sermos
vistos e respeitados.
Mas em 2014
nós éramos o país do futebol, pátria de Garrincha, Pelé, Romário e Ronaldo,
terra do pentacampeonato, e havia uma certa obrigação de vencer. O mundo
inteiro nos temia e nos reverenciava.
Mas aí vieram
a Alemanha e os implacáveis 7x1.
Cabe à
seleção de Dunga – quem diria! – a missão de espantar a tristeza e fazer a
emoção voltar outra vez a fazer reluzir as nossas chuteiras.