sábado, 30 de julho de 2016






A VILA DA DISCÓRDIA

Foram detectados sérios problemas de infraestrutura na Vila que serve de alojamento aos atletas. Os problemas estão sendo solucionados, com a finalidade de permitir o deslocamento e a mobilidade das pessoas. A organização dos Jogos é objeto de crítica e muitos atletas de diversos países manifestam um alto grau de insatisfação, no que são referendados pela imprensa estrangeira.
O leitor deve achar que estamos nos referindo aos prédios onde australianos, argentinos, suecos, italianos e bielorrussos se recusaram e entrar por conta de problemas elétricos e hidráulicos – fios desencapados, vazamentos – além da sujeira generalizada nos apartamentos e corredores a poucos dias da abertura dos XXXI Jogos Olímpicos de Verão do Rio de Janeiro (alguns deles contrataram empresas especializadas por conta própria para poderem ter condições de habitação).
Mas não é bem assim, pois o primeiro parágrafo se refere aos Jogos Pan-Americanos de 2007, retratando o afundamento do calçamento das ruas e vias de acesso que circundavam a Vila dos Atletas, com muitas poças e poeira dificultando a circulação das pessoas.
Na época não houve uma reclamação acintosa por parte das delegações nem a sugestão do prefeito – então César Maia – de colocar um canguru, camelo ou elefante para adoçar a sensibilidade dos convidados.
Em nove anos, com exceção do prefeito, nada mudou, e se mudou o fez para pior: além das condições dos imóveis, fazendo levantar suspeita sobre a qualidade estrutural da obra, o atual prefeito expôs o nome do Brasil ao mundo e o seu próprio nome ao ridículo quando se comprometeu a colocar um canguru na frente dos prédios ocupados pelos australianos para amenizar a falta de competência na entrega das obras.
A chefe da delegação australiana respondeu que não precisava de cangurus, mas sim de encanadores e eletricistas (e de um prefeito mais bem-educado, esqueceu de completar).
Como iria se sentir o nobre prefeito que já foi subprefeito, vereador,  deputado federal e secretário do governo, portanto afeito às obrigações litúrgicas e diplomáticas de um político, se o governo da Austrália se comprometesse a colocar chimpanzés na frente de um eventual alojamento brasileiro em Auckland para tornar a delegação feliz?
Os citados Jogos Pan-Americanos ensejaram reclamações por parte dos atletas de beisebol e mountain bike / BMX que consideraram as instalações da Cidade do Rock e do Morro do Outeiro impróprias para a realização das provas.
De antemão podemos garantir que haverá uma chiadeira geral com respeito às provas náuticas realizadas no mar ou na Lagoa Rodrigo de Freitas, cuja poluição salta aos olhos, não necessitando sequer de uma análise laboratorial.
Em 2009, dois anos depois do Pan, quando o Brasil (no caso, o Rio de Janeiro) foi escolhido para sediar a Olimpíada, seus responsáveis – Governo Federal, representado pelo Ministério dos Esportes, Governo Estadual, Prefeitura, Secretarias e membros do Comitê Olímpico – já tinham estado às voltas com os problemas, previstos ou imprevistos, de 2007.
Nada mais lógico na época que fossem pensadas soluções antecipando os problemas de 2016, considerando que as dificuldades na organização de uma Olimpíada, que congrega cerca de 200 nações e mais de 10.000 atletas é sem dívida mais complicada do que a dos Jogos Pan-Americanos, que reuniram 662 atletas de 42 países quando da sua realização.
Os cuidados devem ser os mesmos, mas a complexidade aumenta em todos os sentidos – alimentação, estrutura, diferença de costumes, equipe de apoio, rigor no controle dos atletas e dos demais membros das delegações – principalmente com respeito à segurança, numa época onde a ameaça do terror assombra a todos, em especial aos cidadãos dos países mais diretamente envolvidos neste conflito invisível, como França, Alemanha, Inglaterra, Bélgica e Estados Unidos.  
O estado de alerta que domina os governantes brasileiros e a população do Rio de Janeiro acaba tirando um pouco o brilho das competições, mas nesta hora todos os dedos se cruzam e todas as orações são feitas para que tudo transcorra em ordem e lisura.
Isso contando com a colaboração do poder criminoso paralelo do Rio, que aparentemente vai minimizar os ataques às UPPs para que a Vila da Discórdia não se transforme em Vila da Vergonha.
Ou da Tragédia.

(Artigo publicado no caderno de Esportes do jornal O Imparcial de 29/07/2016)