quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014



O JAZZ COMO FATOR DE INTEGRAÇÃO
 

No final do século 19, os Estados Unidos juntavam os cacos de uma guerra civil que durante quatro anos havia devastado os estados do sul, provocando quase um milhão de mortos.
Feita a paz, começou a luta para a criação de uma identidade nacional em um país cujas raízes haviam sido fortemente influenciadas pelos colonizadores da Grã-Bretanha, França e Espanha até conseguisse a sua independência.
Um dos grandes entraves no aspecto social que o país teve que enfrentar foi a divisão racial entre brancos e negros, um problema que foi minimizado ao longo do tempo, mas que até os dias de hoje ainda mantém seus focos de resistência.
Paradoxalmente, no entanto, um dos fatores que ajudaram a unificar a nação nasceu exatamente deste ponto polêmico e delicado – a atuação conjunta de negros e brancos.
Apesar da busca pela integração do país, fortalecida por leis contidas em uma constituição fortemente democrática, foi o jazz o grande responsável pelo impulso necessário para que norte e sul começassem efetivamente a trocar experiências pessoais, produzindo uma intrincada e eficiente rede de informações que teve a música como tema.
A diversidade musical na passagem do século 19 para o século 20 dividia o país em regiões musicais específicas: no sul, notadamente na Louisiana, descortinava o blues, essência do que seria a música americana no futuro; o norte e o nordeste privilegiavam uma música que continha uma forte marca das orquestras de salão européias; o oeste e o centro-oeste cultivavam a country music, de origem irlandesa. 
A troca de experiências entre os músicos negros autodidatas do sul e os músicos brancos elegantes do norte começou com a diáspora de grupos musicais que partiram de cidades como Nova Orleans em direção a Nova York e Chicago e foram deixando a semente pelo caminho – Kansas City, Saint Louis – fazendo com que, em pouco mais de dez anos, praticamente todo o país começasse a se unir musicalmente em torno de uma só palavra – jazz.
Esta identificação foi tão forte que se transformou em uma marca registrada dos Estados Unidos e em um fator motivador para os americanos que, por um motivo ou outro, se encontravam fora do país.
Naquele tempo – início do século 20 – a Europa era a senhora do mundo.
Países como Inglaterra, França, Itália e Alemanha possuíam uma forte liderança política, cultural e estratégica, o que lhes permitia ditar as regras de comportamento para todo o planeta.
A África era em grande parte colonizada, e mesmo a Ásia sofria uma forte influência deste colonialismo imposto sem qualquer respeito às tradições de cada povo nativo.
O Brasil não era colonizado, mas também era fascinado pelo europeísmo.
As nossas famílias mais abastadas mandavam seus filhos para Paris ou Londres a fim de completarem seus estudos e trazerem para a nova República toda uma bagagem de conhecimento que nos possibilitasse um crescimento “à europeia”.
Na América do Norte, no entanto, a visão de crescimento era outra, tendo como fator de integração um patriotismo exacerbado e um intenso orgulho próprio, o que, ajudado por outros fatos circunstanciais – duas guerras mundiais, por exemplo – levaram o país a liderar o mundo a partir do primeiro quarto do século 20.
O principal fator de integração, no entanto, foi a disseminação do jazz, que diferenciou o país do resto do mundo em termos de música e fez ainda mais, exercendo a sua influência a tal ponto que hoje, à parte as manifestações folclóricas e típicas de cada povo, o jazz se encontra presente no cardápio musical de qualquer lugar do mundo. 
A invasão do jazz começou pela Europa e aos poucos foi tomando conta do planeta de uma maneira lenta, mas forte e irreversível.    

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014





OUTRA VEZ, RACISMO
 

Apesar da estreia dos clubes brasileiros na fase de grupos da Copa Libertadores, o assunto que galvanizou a semana foi a abominável e inexplicável atitude de racismo demonstrada contra Tinga, jogador do Cruzeiro, por torcedores do Real Garcilaso.
Abominável porque o racismo é uma das atitudes mais rasteiras e perversas concebidas pelo comportamento humano.
É inconcebível que pessoas ainda cultivem a índole mesquinha de menosprezar outras pessoas por causa da raça ou da cor da pele. Infelizmente este procedimento parece ser atávico ao ser humano, e não tem perspectiva de mudar. Note-se que não estou falando do racismo ao negro, em particular, mas entre todas as raças, inclusive do negro contra o branco (possivelmente uma reação, mas ainda assim racismo).
Inexplicável porque numa partida de futebol onde atuaram alguns atletas mais negros ou menos negros – além de Tinga havia Dedé e Júlio Baptista – apenas o meio-campista tenha recebido tal tratamento, talvez pelo seu visual rastafári (o que enseja mais um tipo de racismo).
Inexplicável também porque a provocação não partiu de loiros finlandeses nem pálidos caucasianos, mas de peruanos, cuja população é eminentemente formada por mestiços de índios quíchuas, amazônicos e negros, com quase 15% de negros tão negros como Tinga, muitos dos quais presentes nas arquibancadas.
O fato foi devidamente explorado por toda a imprensa mundial, a Conmebol estuda as penalidades cabíveis ao clube peruano, os presidentes do Brasil e do Peru condenaram a atitude da torcida e Tinga voltou para Minas onde recebeu conforto e apoio de cruzeirenses e de rivais atleticanos.
Ao longo da história, o racismo e seus vizinhos mais próximos, como a xenofobia, a intolerância e a perseguição religiosa, têm sido responsáveis por crimes sem conta desde os relatos bíblicos, passando pelas Cruzadas, pela Inquisição e pela Segunda Guerra Mundial. O racismo gera a formação de seitas e associações, que produzem mais racismo e violência.
No atual momento, o racismo é também social, e se manifesta não apenas por meio de injúrias e provocações aos negros, mas também pelo pouco caso com que a humanidade está tratando pessoas menos favorecidas, como pobres e favelados.
Na Itália o racismo é exercido pelos povos do norte contra os do sul, a quem eles chamam de “marroquinos” (ficando então implícito outro racismo – o dos italianos com relação aos africanos).
O torcedor europeu, de uma forma geral, seja da Rússia, Alemanha, França ou Turquia, volta e meia dá demonstrações de racismo contra jogadores negros de qualquer nacionalidade – e olhem que negros e mulatos não faltam nos clubes de lá.
Mesmo entre jogadores são notórios os casos de ofensa racial, embora neste caso exista o componente do calor da competição, sendo geralmente usada na tentativa de desequilibrar emocionalmente o adversário, assim, é preciso diferenciar racismo de ofensas fortuitas.
Tudo indica que muitas vezes as ofensas racistas não tenham a finalidade que confrontar a superioridade de uma raça sobre as outras, mas sim de acender um pavio que gere nervosismo e intranquilidade. Algo assim como xingar a mãe do árbitro ou do jogador adversário.
O atual técnico do Vasco, Adilson Batista, declarou numa entrevista que o brasileiro é hipócrita, porque apesar de condenar o racismo, continua o exercendo oficialmente através das piadas de portugueses, japoneses e judeus, das ofensas desmedidas contra os argentinos e da desqualificação dos povos indígenas da América Latina, inclusive nossos próprios índios.
O assunto é uma fonte inesgotável de discussões e provavelmente jamais será resolvido.