POR TRÁS DO VIDRO
(Augusto Pellegrini)
Olhando pro
vidro eu vejo
A imitação de mim mesmo
Traz o mesmo olhar sem pejo
A mesma pele e o mesmo pelo
Meus gestos são
repetidos
Ele faz tudo o que eu faço
Por deboche ou amoralismo
Desfaçatez ou descaso
O boné de cor
incerta
E a tatuagem no braço
São modismos de estação
Como a pulseira de aço
Faço careta,
ele imita
Tudo bem sincronizado
Faço gestos esquisitos
Tentando ser engraçado
Isto é muita
coincidência
Ou está bem ensaiado
Tudo que eu penso ele pensa
Ele faz tudo o que eu faço
Franzo a testa,
cerro o cenho
Fecho os olhos, mostro a língua
Faço todos os trejeitos
De quem caçoa ou se vinga
Mas de repente
percebo
E finalmente me acho
Que além de bancar o cego
Faço papel de palhaço
Pois o ator que
me faz chiste
Sou eu mesmo, feio e velho
E o vidro no qual me fito
Não é mais que um grande espelho
2018
(baseado no
conto “Do outro lado do espelho”, escrito em 2013)