O PORCO
(Excerto)
Radamés estava muito preocupado com o
julgamento que seria realizado na terça-feira, pois não via por onde ganhar a
causa e começava a ver pelo binóculo as terras que estavam em questão. Pior, não
tinha a menor confiança no seu advogado, um tal doutor Calixto Fortes, um
sujeito cheio de pose que lhe fora indicado por um amigo.
Percebendo que a nau estava indo a
pique, ele perguntou timidamente se havia alguma forma de seduzir o juiz, com
alguma conversa ou algum “presentinho”,
ao que o doutor respondeu que o juiz seria um tal Pompílio de Taques, daqueles
da velha guarda – in-cor-rup-tí-vel! – e completou dizendo que o juiz levava uma
vida muito simples, sem luxos, e que a sua verdadeira paixão – depois das leis,
é claro – eram os leitões que ele criava num sítio que possuía no interior.
Radamés aparentemente se resignou. Para
ele, a justiça lhe parecia fortuita e cega, com os olhos vendados e a espada na
mão, pronta para ceifar cabeças sem qualquer critério pesando os prós e os
contras de um julgamento na sua balança de dois pesos e duas medidas.
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Terça-feira.
Lá estavam todos os implicados no
segundo andar do Fórum onde ficava a Sexta Vara: Radamés, cheio de preocupações,
doutor Calixto, cheio de anéis, Vivaldo – seu adversário – cheio de certeza e advogado
dele cheio de presunção e papéis.
O oficial abriu a porta e convidou todos
a entrar.
No alto da sua imponência, o Meretíssimo
Pompílio de Taques pigarreou, leu as laudas como de praxe, permitiu as justificativas
e apartes sem prestar muita atenção, e foi curto e grosso na sentença.
- Tendo em vista os fundamentos dos
autos, condeno o senhor Vivaldo Perequê a devolver as terras questionadas e
proclamo seu legítimo dono o senhor Radamés Plutarco. Caberá ao senhor Vivaldo
Perequê o pagamento das custas processuais e etcetera etcetera, etcetera...
Com a sentença proferida, as partes se
dissolveram escada abaixo, doutor Calixto cofiando a barba rala com brilho nos
olhos, o incrédulo Vivaldo Perequê dardejando um olhar de fúria para o seu
atônito advogado e Radamés se concentrando em um enorme quadro no hall que mostrava
uma cena campestre onde alguns leitõezinhos chafurdavam felizes na lama.
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Doutor Calixto, envaidecido como um
pavão, se dava ares de importância.
- Não disse a você, Radamés, não disse a
você para confiar no meu trabalho?
- Só que as coisas nem sempre acontecem
naturalmente, doutor. A gente às vezes tem que dar um empurrãozinho por fora...
- Como assim, empurrãozinho, Radamés,
como assim?
- Bem doutor, não foi propriamente pelo
seu trabalho que a gente ganhou a questão, mas pelo meu presente...
- Presente, Radamés, que presente?
- O porco que dei de presente para o
Doutor Pompílio.
- Você deu um porco de presente para o
Doutor Pompílio? Não pode ser, Radamés, não posso acreditar que o Doutor Pompílio
iria vender a sentença por um porco!
- Nem eu iria acreditar nisso, doutor,
depois que o senhor me disse que o homem é incorruptível!
- Mas então... que diabo de história é
essa? – exasperou-se o advogado.
- É que eu mandei um porquinho todo
cor-de-rosa pro juiz, com um bilhetinho preso a uma fita vermelha amarrada no
pescoço do bicho.
- ... e então...?
- ... e então o bilhetinho pedia com
todo o respeito que o juiz aceitasse o porquinho como presente, e era assinado
por Vivaldo Perequê...