quarta-feira, 24 de dezembro de 2014


 
 
RIO ANTIGO
Quero um bate-papo na esquina
Eu quero o Rio antigo com crianças na calçada
Brincando sem perigo
Sem metrô e sem frescão

O ontem no amanhã...”
(Rio Antigo – Nonato Buzar e Chico Anysio)
De repente o poeta surgiu do nada.
Não me conhecia, foi-me apresentado – “este é Augusto Pellegrini, faz um programa de jazz aqui na rádio” – e parece que não prestou muita atenção.
Aliás, a rigor parecia que ele nunca prestava atenção em nada, pois seus sentidos estavam mais ligados no irreal, no surreal, no abstrato, de onde lapidava as suas frases, seus pensamentos e os seus acordes.
Sua filosofia de vida.
O poeta estava triste, havia morrido seu irmão, me contaram, e ele deixara o habitat que escolhera, cidade do Rio de Janeiro, para cumprir com seus deveres fúnebres em São Luís e, depois de fazê-lo, resolveu procurar os amigos. Como era dia, foi a uma emissora de rádio e às ruas do Centro velho; fosse à noite, talvez procurasse pelos bares das quebradas.
O poeta não era só poeta.
Cantor, compositor e produtor musical, nascido no interior do Maranhão na pequena Itapecuru-Mirim em 1932 (naquele tempo, muito pequena), Raimundo Nonato Buzar foi brilhar no Rio, para onde viajou aos 21 anos num verdadeiro mergulho no meio do desconhecido.
Fez seu debut nas noites cariocas cantando e tocando as suas composições nos bares da moda – Bottle’s e Little Club – e logo teve o seu talento reconhecido por dezenas de artistas e frequentadores da noite, entre eles donos de casas noturnas, diretores de gravadores e produtores artísticos.
Compôs um total de 162 canções, tanto solo como ao lado de parceiros como Paulo Sérgio Valle, Ronaldo Bôscoli, Carlos Imperial, Chico Anysio, Chico Feitosa, Torquato Neto, Nelson Motta, Paulinho Tapajós, Roberto Menescal, Rosinha de Valença, Orlandivo, Tibério Garpar, João Nogueira, Nosly, Gerude, Rogeryo du Maranhão, e muitos outros. 
Maysa, Elis Regina, Elizeth Cardoso, Nana Caymmi, Cauby Peixoto, Jair Rodrigues, MPB4, Wilson Simonal, Silvio César, Erasmo Carlos, Nelson Gonçalves e Ithamara Koorax, entre outros, gravaram canções suas e ajudaram a imortalizar o seu nome.
Nonato Buzar também atacou de produtor, sendo responsável na RCA Victor por discos de Jair Rodrigues, Wilson Simonal, Turma da Pilantragem, Regininha e Jimmy Cliff e também por um álbum do Festival Internacional da Canção, um concurso de músicas criado por Augusto Marzagão para a TV Globo que durou de 1966 a 1972.
Chegou às paradas europeias com “Vesti Azul” e compôs um punhado de músicas para novelas de televisão – “Irmãos Coragem” (com Paulinho Tapajós), “Verão Vermelho”, “O Homem Que Deve Morrer” (com Torquato Neto) e trilhas para outros programas de tevê e filmes diversos.
O poeta, simples como um detalhe da natureza, não era pouca coisa não, mas não vivia sobre seus louros.  
Sujeito estranho, mas simpático, desdenhava completamente a aura do sucesso obtido principalmente quando estava no Maranhão, seu feudo, onde cultivava amigos e novos amigos com o mesmo desprendimento e a mesma afeição.
Depois de cinco minutos de conversa, ele me confidenciou que devido ao seu luto familiar não se sentia tentado a cair na farra durante a noite e sabia que se encontrasse a turma da boemia nos bares da vida, a coisa iria inexoravelmente descambar para tal.
Então, pediu meu endereço e prometeu me fazer uma visita, para espairecer um pouco, posto que tinha passagem marcada de volta para o Rio na manhã seguinte.
Passei o endereço e as referências – aquela rua do supermercado, na esquina do posto de gasolina, depois de um muro amarelo cheio de pichações – e ele anotando tudo na mente privilegiada.
Veio a noite, eu estou com a televisão ligada falando para as paredes enquanto leio um delicioso romance de Campos de Carvalho – “A Lua Vem Da Ásia” – quando ouço palmas no portão.
Da porta da sala vislumbro a silhueta do meu novo amigo-poeta, faço-lhe a devida vênia e carrego com ele para a sala de jantar, onde meu filho e seu amigo confabulam sobre uma nova composição para a banda em que tocam.
Nonato Buzar é universalista.
Para ele não existem jovens nem velhos, e as suas músicas que mesclam irreverência, força e ternura tanto podem ser apreciadas e tocadas por um grupo de menestréis setentistas como por uma banda de rock inconformista.
Ele pede uma dose de uísque e um violão.
Tudo à mão, é atendido com reverência e tem a seu dispor uma plateia composta por três pessoas. Bebe a primeira dose como um retirante sedento e a segunda com um pouco menos de sofreguidão. Só então se lembra do gelo.
O uísque é de boa procedência – Chivas Regal 12 anos – e ainda não havia sido inaugurado.
Entre um gole e outro, sucedem-se as canções, sob o silêncio respeitoso e o olhar de quem flerta com o inesperado.
“...Eu estou no céu ou estou no carrossel
De pé pro ar, sou barquinho de papel
À beira-mar, sou criança outra vez...

(Dez Pras Seis – Nonato Buzar e Paulo Sérgio Valle)
“...Dizendo que eu devia vestir azul
Que azul é cor do céu e seu olhar também
Então o seu pedido me incentivou...

(Vesti Azul – Nonato Buzar)
“...Nada pra fazer, apenas ver
Que a paixão chegou por causa de
você
Quando se descobre ser capaz de amar assim...
 
(Coração Na Voz – Nonato Buzar, Nosly e Gerude)
“...Num dia igual a qualquer um
Eu despertei dentro de mim
Se fez manhã no meu viver
Se fez igual a terra e o céu...

(Assim Na Terra Como No Céu – Nonato Buzar, Paulinho Tapajós e Roberto Menescal)
...Manhã despontando lá fora
Manhã, já é sol, já é hora
E os campos se abrindo em flor
Que é preciso coragem
Que a vida é viagem
Destino do amor...

(Irmãos Coragem – Nonato Buzar e Paulinho Tapajós)
 “...Camisa verde-claro, calça Saint Tropez
Combinando com o carango, todo mundo vê
Ninguém sabe o duro que dei
Pra ter fon-fon trabalhei, trabalhei...

(O Carango – Nonato Buzar e Carlos Imperial)
“...Vem pra roda, me dê a mão
Traz o seu olhar
Vou girando na roda
Vou cantando à sua espera
Quem me dera um dia ter seus olhos
Cor da primavera...

(Menininha Do Portão – Nonato Buzar e Paulinho Tapajós) 
“...Um pregão de garrafeiro
Zizinho no gramado, eu quero um samba sincopado
Taioba, bagageiro, e o desafinado
Que o Jobim sacou...”
(Rio Antigo – Nonato Buzar e Chico Anysio)
No silêncio da noite, entre goles e canções, apenas meia dúzia de palavras pronunciadas, embora o mestre falasse para si mesmo, os ouvintes não ousando quebrar o encanto da audição.
As palavras vinham com a música.
Fim de uísque, início de madrugada, o poeta se levanta, o semblante tranquilo embora aparentando cansaço, e me agradece com um abraço e um cálido “boa noite”.
E vai de encontro ao alvorecer, seu parceiro de vida.
 
 
 

 
 
 

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014





FELIZ NATAL 

(ARTIGO PUBLICADO NO CADERNO “SUPER ESPORTES” DO JORNAL “O IMPARCIAL” DE 22/12/2014) 

Fim de ano.
Hora de a torcida deixar de lado as emoções vividas em 2014 e recarregar as energias para 2015, que vem fervendo, cheio de expectativas e promessas.
É claro que eu estou me referindo ao futebol e ao esporte em geral, pois esta é a praia desta coluna, mas esta previsão vale para as torcidas de qualquer atividade que possamos exercer.
Quanto ao futebol, para quem tem o saudável vício de assistir a eventos esportivos, felizmente sempre existem os jogos dos campeonatos europeus que as tevês por assinatura transmitem durante as pausas dos nossos campeonatos, e os espetáculos acabam se constituindo em um bom pretexto para uma cervejinha com queijo gorgonzola, de preferência com algum amigo que curte o riscado, embora ninguém empunhe a bandeira do time que está jogando nem ofenda a mãe do juiz porque ele marcou um pênalti inexistente.
É fim de ano.
Na falta de atualidades, os cronistas esportivos concentram a sua atenção na montagem das equipes para o ano próximo, na análise sobre o que deu certo e o que deu errado. Discute-se a tradicional dança das cadeiras dos treinadores, a renovação de contratos de alguns jogadores, a liberação de outros tantos e a inevitável contratação de novos reforços.
Ninguém mais fala em táticas e estratégias para as partidas, nas deficiências técnicas das equipes ou na tomada de decisão dos treinadores para tentar virar o jogo. Isto, no momento, é passado. E também é futuro.
As diretorias dos clubes começam a planejar, mas vão além do planejamento. Fazem promessas que sabem não serão cumpridas, procuram alinhavar contratos vantajosos com patrocinadores de porte para aliviar o fardo financeiro que pesa às suas costas e contam com a ajuda de algum Mecenas para trazer jogadores que consigam trazer público para os estádios, mesmo que seja para uma única temporada.
Afinal, isso aconteceu com o fenômeno Ronaldo, com Ronaldinho Gaúcho, com Seedorf, e mais recentemente com Kaká, e de certa forma deu certo, pois aumentou a presença de público e trouxe bons resultados para os clubes que apostaram na fórmula – Corinthians, Flamengo (depois Atlético Mineiro), Botafogo e São Paulo – durante o período em que os craques importados vestiram as suas camisas.
É fim de ano, e talvez o momento seja de reflexão.
É preciso repensar o pagamento de salários fora do contexto para técnicos que ganham entre 500 e 700 mil reais por mês (cerca de 20 mil reais por dia ou 8 milhões e meio por ano), num país como o Brasil.
É preciso também repensar um piso salarial para jogadores, levando em conta um plano de análise de eficiência, comprometimento e resultados, pois uma empresa só consegue dar certo quando as receitas superam as despesas, gerando lucros para reinvestimentos.
É preciso repensar o calendário procurando aprimorar as tabelas dos jogos para aproveitar melhor as viagens longas, levando-se em conta as distâncias deste enorme Brasil.
É preciso que os clubes dispensem mais atenção às suas divisões de base e que as federações procurem fortalecer o futebol do interior, antigo e eficiente celeiro de craques.
É, enfim, hora de valorizar mais o torcedor e trazê-lo de volta aos estádios através de promoções, campanhas de sócio-torcedor e atrativos para tornar os preços dos ingressos menos abusivos.
É hora de desejar Feliz Natal a todos os leitores, e um Ano Novo cheio de coisas boas.

 

 

 

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014





BRASILEIROS NA EUROPA  

 (ARTIGO PUBLICADO NO CADERNO “SUPER ESPORTES” DO JORNAL “O IMPARCIAL” DE 18/12/2014) 

Um estudo recente mostra que os jogadores brasileiros já não são chamados de “os reis do futebol” e que pouco a pouco vão sendo substituídos nas grandes equipes europeias por africanos, europeus e outros latino-americanos.
Na verdade, não é preciso fazer um grande esforço para constatar este estudo, bastando somente acompanhar os campeonatos nacionais do Velho Mundo ou os jogos da Champions League pela televisão.
É claro que ainda existe uma boa porção de brasileiros atuando por aquelas plagas, mas parece que eles não conseguem exercer o mesmo fascínio de outros tempos e, exceção feita a Neymar, não chegam a ser considerados jogadores fora de série pela torcida e pela imprensa local.
O futebol europeu evoluiu como um todo, no sentido de estratégia e gerenciamento. Os clubes mantêm os olhos abertos para os quatro cantos do mundo a fim de observar jogadores e, ao lado da habilidade no trato da bola, sempre necessária porque pode decidir partidas, eles analisam os  fundamentos e a inteligência espacial do jogador, ao se desmarcar e ao perceber quem está desmarcado.
Por isso, os clubes exibem na mesma equipe a postura do jogador alemão, a malícia do brasileiro, a picardia do argentino, a disciplina tática do espanhol, o desprendimento do africano e por aí vai, com a finalidade de oferecer ao público mais do que um espetáculo, mas um espetáculo vitorioso.
E, para aqueles que gostam de números, podemos adiantar que, considerando nove dos principais clubes da Europa – Barcelona, Real Madrid, Bayern Munich, Chelsea, Manchester United, Manchester City, Juventus, Roma e PSG – existe uma quantidade de 25 jogadores brasileiros (dos quais apenas 10 podem ser considerados titulares absolutos) contra 120 outros estrangeiros vindos de diversas partes do mundo.
Isto corresponde a cerca de 21% de mão-de-obra (ou pé-de-obra, se preferirem), o que seria até um numero aceitável se não estivesse oscilando a cada temporada.
Se levarmos em conta porém de que apenas 10 destes 25 são titulares costumeiros – nominalmente Neymar, Daniel Alves, Marcelo, Oscar, Ramires, Willian, Thiago Silva, Marquinhos, Lucas e David Luiz – o percentual cai para 8%.
Os outros estrangeiros que atuam nesses times são distribuídos em 84 europeus, 24 sul-americanos, 9 africanos, 2 centro-americanos e 1 jogador da Oceania.
Os maiores exportadores, depois do Brasil, são a Espanha (com 15 jogadores) e a França e Argentina (com 14 jogadores cada um).
Os técnicos europeus são unânimes em afirmar que não é exatamente qualidade o que está faltando ao jogador brasileiro, mas principalmente disciplina, espírito de equipe e seriedade.
Como alguns dos nossos craques ainda estão procurando mostrar as razões da sua contratação – caso de Casemiro, Douglas, Bernard, e Lucas Piazon, por exemplo – os jornais europeus continuam colocando em questão os altos valores gastos e a competência de quem os contratou.
O fato é que a Europa já foi o palco de muito brasileiro bom de bola, desde os tempos de Julio Botelho, Mazzola e Evaristo Macedo, passando por Falcão, Romário, Ronaldo e Ronaldinho, todos reverenciados até hoje.
Alguns se naturalizaram, caso do maranhense-belga Oliveira, do alemão Cacau, do espanhol Diego Costa, do português Pepe e do croata Eduardo da Silva. Deco chegou a defender a deleção portuguesa, pois tinha dupla cidadania, e Sonny Anderson poderia ter defendido a seleção da França se tivesse se naturalizado.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014





UM VELHO JORNAL DE ESPORTES  

(ARTIGO PUBLICADO NO CADERNO “SUPER ESPORTES” DO JORNAL “O IMPARCIAL” DE 15 e 16/12/2014) 

Qual é o mistério que transforma clubes vencedores, acostumados a brigar por títulos e seguidos por milhões de torcedores fanáticos, em meros cumpridores de tabelas de campeonatos?
Por que motivo clubes de grande tradição, que chegaram a disputar e ganhar torneios e campeonatos importantes, de repente começam a definhar e passam a viver apenas de história?
Nesses casos, a queda parece uma doença insidiosa que começa devagar – um tropeço aqui, um rebaixamento acolá – e quando o clube toma consciência já está lutando pela sobrevivência.
No momento, pelo menos três clubes brasileiros estão nesta corda bamba: Botafogo, Palmeiras e Vasco da Gama, pela ordem do problema.
Talvez pudessem ser incluídos nesta lista o Bahia e o Santa Cruz, pelos relevantes serviços prestados ao futebol no século passado, mas vamos ficar nos três mais tradicionais.
O Botafogo, pela sua situação de insolvência, pela nova queda para a Série B e pela possibilidade remota de montar um time competitivo para trazê-lo de volta à divisão de elite, está prestes a se tornar um novo America do Rio de Janeiro, cuja façanha histórica foi a conquista de 7 títulos de campeão carioca (o último em 1960) e um Torneio dos Campeões em 1982.
Há 32 anos o Ameriquinha não ganha um título relevante e hoje amarga a Série D do Brasileirão. Se o Botafogo não abrir os olhos, também chega lá.
O Palmeiras é outro que precisa se cuidar. O clube foi rebaixado duas vezes nos últimos 12 anos – este ano escapou por um triz – e tem que se renovar para fazer jus ao seu centenário e ao seu moderníssimo Allianz Parque. A reformulação parece que está em curso, e a primeira tarefa do presidente reeleito e da nova diretoria é montar um time para brigar pelo menos até a décima posição no ano que vem, e por uma campanha digna no Campeonato Paulista, o que já seria uma vitória.
O Vasco também está mal das pernas, mas o seu retorno à Série A e a volta do polêmico caudilho Eurico Miranda poderão dar o gás necessário para que o time se recupere. A torcida confia desconfiando.
Outros clubes que algum dia chegaram a causar um certo impacto (Portuguesa, Guarani-SP, São Caetano, Ceará, Paysandu – e agora também o Vitória) estão em um patamar abaixo do nível de importância do futebol brasileiro.
E olhe que não estou me referindo apenas ao que acontece no Brasil, pois este desgaste é um fato corriqueiro que ocorre em todo o mundo, ou seja, no exterior a coisa não é muito diferente.
O grande Torino da década de 1940, base da seleção italiana que era favorita para ganhar a Copa do Mundo de 1950, morreu junto com os seus jogadores no acidente aéreo da Basílica de Superga em 1949, nos arredores de Turim. Isso aconteceu há sessenta e cinco anos e desde então o clube nunca mais foi vencedor, embora ainda seja o quinto maior campeão nacional.  
Mas a Inglaterra talvez seja a campeã dos ídolos decadentes.
Clubes como Nothingham Forest, Leeds United, Sheffield Wednesday e Blackburn Rovers, que já tiveram seus dias de glória praticamente sumiram. No momento o lendário Liverpool está balançando e precisa urgentemente se consolidar se não quiser ter mesmo destino.
Alguns esquadrões europeus que chegaram a ser referência no passado – Estrela Vermelha (antiga Iugoslávia, atualmente Sérvia), Austria Viena e Honved (Hungria) – não são mais citados.
O torcedor até aceita que o seu time tenha um jejum de títulos e alguma queda na produção, mas não se conforma ao vê-lo desaparecer lentamente a ponto de se tornar apenas uma página amarelada de um velho jornal de esportes.    

 

 

 

 

 

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014





FECHADO PRA BALANÇO 

 (ARTIGO PUBLICADO NO CADERNO “SUPER ESPORTES” DO JORNAL “O IMPARCIAL” DE 11/12/2014) 

O ano futebolístico do Brasil termina marcado por grandes emoções.  A jornada foi brilhante para uns, espinhosa para outros, mas como diz o manjado ditado, entre mortos e feridos salvaram-se todos, ou quase todos.
No cardápio, nenhuma conquista ou sequer um vice-campeonato internacional. Apesar de ter sido disputada no Brasil e mesmo com toda a expectativa criada e toda a festa programada, a Copa do Mundo teve a final jogada entre a Alemanha e a Argentina. Ao Brasil restou um honroso (alguns dirão melancólico) quarto lugar.
A Copa representou o maior vexame internacional de toda a nossa história, superando o fiasco de 1950, quando pelo menos chegamos ao vice-campeonato perdendo por um apertado 2x1 (e não eliminados pelos alarmantes 7x1 de 2014) e o resultado final daquele Mundial teve uma repercussão mínima se comparada à globalização e universalização da notícia dos dias de hoje.
Estranhamente, porém, os derrotados de 1950 foram chamados de “covardes” e passaram um bom tempo se escondendo, ao passo que os derrotados de 2014 vão muito bem, obrigado, e o “efeito Alemanha” aparentemente não alterou a sua rotina. Sinal dos tempos.
No âmbito continental, nenhum time brasileiro chegou sequer à final de qualquer das duas Copas disputadas.
A Copa Libertadores teve como campeão o San Lorenzo da Argentina e o paraguaio Club Nacional em segundo, e a Copa Sul-Americana teve o campeão definido ontem à noite entre River Plate, da Argentina, e Atlético Nacional, da Colômbia.
Os clubes brasileiros que chegaram mais perto – Cruzeiro e São Paulo – ficaram nas quartas de final e na semifinal respectivamente.
O ano 2014 deve ser definitivamente esquecido e se possível riscado do calendário brasileiro no que diz respeito aos torneios internacionais e continentais.
No aspecto interno, os mineiros deram demonstração de força, com o Cruzeiro dando um passeio nos pontos corridos do Campeonato Brasileiro e o Atlético se superando na épica conquista da Copa do Brasil.
Os cariocas foram a maior decepção, pois o seu melhor representante – o Fluminense – não passou de um sexto lugar no Brasileiro e o Botafogo caiu para a divisão de baixo, sendo o penúltimo colocado entre os 20 participantes.
É verdade que o Vasco subiu da Série B para a Série A, mas chegou em terceiro, a 7 pontos do Joinville campeão, e em momento algum pareceu almejar  algo mais do que isso.
Apesar de o campeão brasileiro ter sido anunciado com duas rodadas de antecedência, o sistema de pontos corridos mostrou sua eficácia, pois até a última rodada foi mantido um grande frisson, se não pelo título, mas por uma vaga na chave de grupos na Libertadores – obtida pelo Internacional, que com um gol aos 50 minutos do segundo tempo jogou o Corinthians para a repescagem – e pela manutenção de um último clube para a Série A de 2015, com uma vaga disputada a cada minuto de jogo por Palmeiras, Vitória e Bahia, que resultou na queda dos dois baianos.
Localmente, tivemos um ano equilibrado do Sampaio Correa na Série B. O tricolor mostrou um time amadurecido e teve momentos durante a sua trajetória em flertou com entre os quatro primeiros para se habilitar a disputar a Série A no ano que vem. Chegou em décimo lugar, na metade da tabela, mas em momento algum passou pelo desespero de ficar entre os rebaixados.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014






FUTEBOL – NEGÓCIO OU ESPETÁCULO? (PARTE II) 

(ARTIGO PUBLICADO NO CADERNO “SUPER ESPORTES” DO JORNAL “O IMPARCIAL” DE 08/12/2014) 

Talvez o título deste artigo (e também do artigo anterior) devesse ter sido “Futebol – Negócio e Espetáculo”, porque na verdade nos dias de hoje uma coisa não se dissocia da outra. Grandes marcas apostam em grandes espetáculos.
No caso do futebol brasileiro, no entanto, o título talvez pudesse ser “Maus negócios e Espetáculos sofríveis”.
O gerenciamento dos clubes não tem um selo de qualidade, pois os custos aumentam, as dívidas se acumulam e, entra ano, sai ano, a torneira continua aberta sem previsão de que o equilíbrio possa ser restabelecido.
Por outro lado, os jogadores que não recebem salários, direitos de imagem e premiações continuam rendendo 50% do que podem a proporcionam na maioria das vezes espetáculos medíocres.
Os ingredientes que os clubes têm a disposição parecem apropriados para que a receita original funcione e o negócio seja bem sucedido. Estes ingredientes poderiam proporcionar grandes espetáculos, mas por algum motivo a massa desanda, provavelmente devido à falta de um padeiro adequado.
A presença da mídia, a participação de patrocinadores de peso e todo o marketing esportivo que é desenvolvido em torno do negócio promovem e provocam a dança de bilhões de reais para alimentar o mercado do futebol.
Qualquer empreendimento milionário, porém, corre o risco de fazer água se não tiver um gerenciamento à altura do capital investido, isto é, o futebol profissional no estágio em que se encontra não pode ser dirigido como um campeonato de bairro.
Os altos e baixos se sucedem, mas os sucessos dão a impressão de que aconteceram por obra do acaso, sem o menor planejamento, ao passo que os fracassos mostram claramente a existência de erros estratégicos.
O maior problema é que os clubes não funcionam como empresa, e via de regra gastam muito mais do que ganham ou gastam o dinheiro que ainda não ganharam.
Os presidentes dos clubes de futebol são na sua maioria empresários que aparentemente sabem como tocar as suas empresas sem as colocar no negativo, mas não mostram o mesmo carinho pelos clubes que dirigem, uma absoluta irresponsabilidade. Será que as suas empresas contratam seus empregados – por excelentes que sejam – pagando salários que fazem com que a folha de pagamento supere o faturamento?
É meio difícil o futebol se organizar financeiramente num país onde a sociedade está pendurada em dívidas, as empresas estão meio quebradas e o próprio governo gastou além do seu orçamento, isto é, o mau exemplo vem de todos os lados. E olhem que eu não estou falando sobre a corrupção generalizada, fato que – com exceção à nebulosa história do rebaixamento da Portuguesa – não tem produzido no futebol escândalos de porte.
O Brasil está no vermelho e os zeros estão à esquerda – sem qualquer alusão a alguma coloração partidária.
Chegamos ao ponto de ter a esperança de que uma figura tão questionada como o presidente do Vasco Eurico Miranda possa ajudar o futebol a se tornar lucrativo e organizado.
Até a poderosa e bem dirigida Globo Esportes entrou na dança e quase se complicou por causa dos adiantamentos que fez, sendo inclusive acionada pela Justiça no caso do Botafogo como corresponsável por parte do débito do Glorioso, que vai de mala e cuia para a Série B acumulando um passivo de 750 milhões, sem incluir os salários atrasados de toda uma galera.
O futebol brasileiro passa pela necessidade de se estabelecer um teto salarial para jogadores e técnicos, pela responsabilidade fiscal e trabalhista dos clubes, pela ampliação do sistema sócio-torcedor, pela venda antecipada de ingressos através de carnês, por um calendário que privilegie os clubes das quatro divisões, pela profissionalização da arbitragem e pela redução da cota de avareza da CBF.

 

 

sábado, 6 de dezembro de 2014






FUTEBOL – NEGÓCIO OU ESPETÁCULO? (PARTE I) 

(ARTIGO PUBLICADO NO CADERNO “SUPER ESPORTES” DO JORNAL “O IMPARCIAL” DE 04/12/2014) 

Nos meados do século 19, o futebol era simplesmente uma competição esportiva. Jogava-se pelo prazer de praticar o esporte e pelo prazer ainda maior de vencer o adversário.
Naquele tempo, pouca gente acreditava que essa diversão pudesse algum dia despertar tanto interesse no público, mas na medida em que isto foi acontecendo, as pessoas começaram a acreditar no esporte como disputa e a investir na parte financeira, construindo estádios fechados – onde poderia haver cobrança de ingressos – e mais tarde na profissionalização dos atletas.
Com o tempo, surgiram novas fórmulas para fazer do futebol um exercício lúdico e ao mesmo tempo um entretenimento popular que, como tal, deveria gerar receita, assim como acontecia no teatro e nas tabernas.
Descobriu-se enfim que o futebol poderia se constituir num excelente negócio, desde que fossem proporcionados espetáculos incentivando a presença do público, quer pela rivalidade entre as equipes, quer pela qualidade da exibição.
Com o passar do tempo, a organização e o mercantilismo cresceram a tal ponto que infelizmente os dirigentes deixaram de preservar a matéria prima – os atletas – em nome de uma desenfreada busca de fortuna para cobrir os custos milionários da competição e, é claro, embolsar muito dinheiro.
Assim, ao mesmo tempo em que se desenvolvem em todo o mundo os torneios domésticos nas suas várias formas e categorias, as Confederações procuram cada vez mais incrementar a quantidade de amistosos entre seleções que, ao reunir os melhores jogadores de cada país, lotam os estádios, mas privam os clubes da sua presença.
Há cerca de um ano, alguns jogadores começaram no Brasil um movimento rebelde chamado Bom Senso F.C., que visa entre outras coisas reduzir o excesso de trabalho a que eles são expostos, pois muitos atletas atuam duas a três vezes por semana sem tempo para desintoxicar a musculatura ou preservar a condição física. Alguns não chegam a ter um mês de folga durante as férias.
Agora, embora por outras razões, esta conscientização começa a chegar aos clubes.
As datas Fifa foram criadas para que as seleções nacionais disputem amistosos a fim de que a Fifa e as Confederações envolvidas embolsem um bom dinheiro através dos patrocinadores e dos governos que bancam os custos de cachê, viagem, hospedagem e prêmios de delegações inteiras, a ponto de dois vizinhos – no caso Brasil e Argentina, recentemente – se deslocarem dezoito mil quilômetros para se enfrentarem na China!
Trata-se de uma logística absurda que inclui o desgaste de uma viagem aérea cheia de escalas, a diferença de fuso horário, e a exposição dos jogadores a contusões devido ao cansaço muscular e a gramados de má qualidade.
Nesse negócio, as Confederações ganham muito e os clubes só perdem.
Perdem porque continuam a pagar o salário do jogador mesmo quando ele está a serviço da seleção, perdem porque sempre entregam o jogador em boas condições físicas com o risco de recebê-lo contundido e perdem porque continuam jogando as suas partidas oficiais desfalcados dos jogadores que estão servindo a seleção.
Nesse ponto, os clubes perdem duas vezes, pois o interesse do público torcedor fica reduzido com a ausência dos craques, causando queda na arrecadação, e porque enfraquece o seu poder de fogo, correndo o risco de perder pontos importantes para a sequência do torneio que estão disputando.
Em outros países, as Federações e Ligas tomam o cuidado de suspender os jogos locais nas tais datas Fifa, a fim de não prejudicar os times que estão cedendo graciosamente seus jogadores para que essas entidades possam lucrar. 
Mas no Brasil o calendário futebolístico ainda é um caso de polícia.

 

  

 

 

 

 

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014





TWITTER COM PAGODE 

 (ARTIGO PUBLICADO NO CADERNO “SUPER ESPORTES” DO JORNAL “O IMPARCIAL” DE 01/12/2014) 

Algumas pessoas não concordaram com o teor do meu artigo escrito no mês passado e intitulado “O fantasma da Copa” por acharem que eu estou implicando demais com o zagueiro Thiago Silva, capitão da seleção derrotada na última Copa e que agora está tendo mais uma chance com Dunga.
Em primeiro lugar, quero deixar bem claro que considero Thiago Silva um jogador de raros predicados técnicos, e que tanto a sua convocação como a sua efetivação como titular pelo então treinador Felipão foi absolutamente justa.
Obviamente, o que aconteceu com a seleção não foi culpa dele. O que ocorreu foi uma série de circunstâncias que acabaram por tê-lo como pano de fundo, não apenas por ele ser considerado um dos pilares da equipe como também – e principalmente – porque era o capitão do time.
Ocorre que a seleção tremeu quando não devia, chorou na hora errada, demonstrou fraqueza de ânimo quando mais precisava se fortalecer e culminou com o apagão geral na goleada contra a Alemanha na semifinal. Depois, ao perder o terceiro lugar para a Holanda, houve desacerto e apatia, sem dúvida provocado pela goleada desanimadora contra os alemães.
E no centro de tudo faltou a presença de Thiago Silva, que ao ostentar a braçadeira de capitão, deveria ter colocado os nervos da equipe no devido lugar, e fez exatamente o contrário.
Mas a minha crônica anterior mostra meu desapontamento contra a atitude tomada por Thiago não pelo desencontro dos malfadados 7 x 1, mas pela falta de humildade e de inteligência ao reclamar agora publicamente da posição de reserva e da consequente perda da faixa de capitão nesta nova era da seleção.
A seleção pós-Copa pretende juntar os cacos, fazer uma faxina geral, arejar o pensamento e reconquistar a posição que o Brasil merece aos olhos do mundo, devidamente credenciado por cinco títulos mundiais.
As coisas estão caminhando bem com o novo comando da seleção, e é preciso preservar o bom ambiente e o companheirismo entre os atletas. Ao reclamar intempestivamente, Thiago Silva mostrou falta de respeito ao comandante Dunga (responsável pela convocação e escalação dos jogadores), ao jogador Miranda (que vem fazendo um papel fundamental no bom desempenho da zaga brasileira, que passou mais de 500 minutos sem sofrer gol), ao atual capitão Neymar e, de resto, a todo o elenco.
A história é pródiga em situações que mostram humildade e respeito.
Campeão mundial e capitão do Brasil em 1958, Hideraldo Luís Bellini foi substituído na Copa seguinte pelo seu reserva Mauro Ramos de Oliveira. Mauro herdou em 1962 não só a posição como também a faixa de capitão, e Bellini jamais reclamou da reserva na conquista do bicampeonato.
Ainda em 1958, o endeusado Djalma Santos teve que se conformar em ser reserva de De Sordi, tecnicamente inferior, mas jamais fez qualquer queixa ao treinador Vicente Feola ou alguma reclamação aos companheiros. Por linhas tortas, Djalma Santos acabou jogando a final, conquistou o título e foi eleito o melhor lateral do torneio mesmo tendo atuado apenas 90 minutos!
Capitão que se preza não se desespera nem mostra desalento como fez Thiago Silva em mais de uma partida da Copa 2014.
Capitão que merece a braçadeira impõe a sua liderança nos gestos, nas palavras e nas atitudes.
Ainda na Copa 1958, o maestro Didi – que não era o capitão – mostrou como se faz.
Quando o Brasil tomou o primeiro gol da Suécia, dona da casa, ele colocou a bola debaixo do braço, caminhou calmamente até o meio do campo, pôs os nervos da equipe no lugar, e comandou uma goleada por 5x2, sem maiores sustos.  
Talvez Thiago Silva e muitos outros jogadores sequer saibam quem foram Bellini, Mauro, Djalma Santos, De Sordi ou Didi, mas um pouco de cultura e história do futebol pode ajudar muito mais do que simplesmente ficar curtindo twitter com pagode na concentração.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014






O PODEROSO CHEFÃO  

(ARTIGO PUBLICADO NO CADERNO “SUPER ESPORTES” DO JORNAL “O IMPARCIAL” DE 27/11/2014) 

Os clubes e as federações de futebol são para muitos dirigentes uma espécie de capitania hereditária, e apesar de cada entidade ter um sistema próprio de eleição, que é determinado pelo seu estatuto, todos insistem em se perpetuar no poder ou de pelo menos indicar o seu sucessor.
Mas qual a razão que leva empresários ricos e bem sucedidos a se desentender com a própria família, arcar com débitos que não são seus e tirar dinheiro do próprio bolso para assumir a presidência de um clube de futebol (e nela se manter), suportando pressões, desgastes e até ameaças?
Será que tudo é apenas uma questão de vaidade ou de amor ao clube?
Eurico Ângelo de Oliveira Miranda vai ser empossado pela terceira vez como presidente do Vasco da Gama, após um pleito novamente marcado por confusão e acusações de parte a parte.
Miranda ganhou as quatro eleições das quais participou, porém em uma delas ele ganhou mas não levou, pois foram constatadas irregularidades na votação (como compra de votos e adulteração do resultado) e a Justiça ordenou que o pleito fosse realizado de novo.
Miranda não concordou com a decisão judicial e resolveu não participar da nova votação que acabou elegendo Roberto Dinamite. Colocou-se então na oposição, orientando os conselheiros simpáticos à sua causa para literalmente dinamitar as pretensões do presidente Dinamite, o que somado à sua natural inabilidade gerencial, acabou por transformá-lo (Dinamite) em um dos piores presidentes da história do clube.
Historicamente, a influência de Miranda dentro dos bastidores do clube, com ou sem mandato, já dura 34 anos.
Vascaíno devotado, Eurico Miranda tem a marca dos malditos mesmo entre os torcedores do clube.
A ele podem ser usados diversos adjetivos – inescrupuloso, dedicado, truculento, polêmico, destemido, vencedor, desonesto, vaidoso – dependendo do ponto de vista como ele é analisado.
Seus aliados creditam a ele, na qualidade de presidente ou vice, o mérito de 37 conquistas, sendo 10 torneios internacionais, 8 títulos de campeão estadual, 7 Taças Guanabara, 7 Taças Rio, 2 Copas Rio, 1 Campeonato Brasileiro, 1 Torneio Rio-São Paulo e 1 Torneio João Havelange.
Mas seus detratores o acusam de ter fraudado todas as eleições das quais participou, de manipular a carteira de sócios, de ter montado uma Máfia em São Januário, de manobrar árbitros e a Federação, e de colaborar para o atraso na gestão do futebol brasileiro e até de ter roubado a renda de um jogo. Muitos o acusam de utilizar o clube para benefício próprio, e atribuem a ele todas as mazelas que levaram o time para a Série B no primeiro ano de mandato do seu sucessor.
Jogadas as fichas, resta questionar mais uma vez se os meios justificam os fins.
O caso de Eurico Miranda é emblemático, mas não é o único.
De uma forma geral, todos os presidentes de clubes grandes se consideram abnegados, pois dedicam à presidência todo o seu tempo livre, não raro viajando com a equipe nos dias de jogo, o que os faz abdicar dos afazeres profissionais e de uma vida familiar regular.
Como principal mandatário de um clube, é o presidente quem avaliza empréstimos e parcerias, quem cuida das finanças e quem autoriza o gasto de dinheiro nas contratações de jogadores e nas reformas patrimoniais.
Todos os presidentes dos principais clubes de futebol do Brasil são prósperos empresários, pessoas bem sucedidas na vida e ególatras que adoram ser cultuados como poderosos chefões que são.
Resta saber se debaixo desse angu tem caroço.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014






O FANTASMA DA COPA 

(ARTIGO PUBLICADO NO CADERNO “SUPER ESPORTES” DO JORNAL “O IMPARCIAL” DE 20/11/2014) 

Depois da fracassada campanha de um hexacampeonato que deveria ter acontecido, mas não aconteceu, sobraram especulações de todo tipo.
O povo demonstrou o seu descontentamento de uma maneira fúnebre. O ufanismo foi pro brejo, e sobraram nas ruas vazias o chão pintado de verde e amarelo e as bandeirolas flanando ao sabor do vento.
Na sequência, houve por parte da própria CBF a execração pública de Felipão e da psicóloga Regina Brandão, que admitiu ter havido um pânico geral no grupo de jogadores e que não soube como evitá-lo.
Adicione-se a isso que o sintoma de desconforto emocional já se manifestara através de um choro coletivo e convulsivo dos jogadores durante a execução do Hino Nacional antes do confronto com o México em Fortaleza (tal atitude foi creditada pela psicóloga ao efeito causado pelo Hino Nacional cantado à capela mesmo depois de a banda ter encerrado a parte musical).
O fato é que às vésperas da Copa os jogadores não se sentiam confiantes – o reserva Dante acaba de admitir isso – e muitos deles se confessavam assustados pela enorme responsabilidade de disputar o torneio em casa, sob a cobrança de uma torcida entusiasmada por toda a expectativa que foi gerada pelo evento.
A ausência de jogadores experientes para segurar a barra – Ronaldinho, Robinho, Kaká, sei lá – foi sentida e percebida pela comissão técnica quando já era tarde, pois a convocação já havia sido anunciada e sacramentada.
Foi Parreira, um veterano de Copas do Mundo (e não Felipão nem a psicóloga) quem detectou o problema, tão logo os jogadores se apresentaram em Teresópolis.
Ele cogitou inclusive que a seleção mudasse o local da hospedagem para um hotel, cenário ideal para jogadores acostumados a se concentrar antes de partidas pelos seus clubes, mas a CBF de pronto vetou a ideia.
Todos se lembram de que durante uma entrevista coletiva antes da estreia contra a Croácia, Parreira afirmou que o ambiente era ótimo, que a disposição dos jogadores era excelente, que o Brasil disputaria uma Copa sem problemas e que “já estávamos com uma mão na taça”.
Há alguns dias, o mesmo Parreira foi entrevistado em um canal de televisão, onde declarou que a seleção brasileira não era tecnicamente superior a alguns concorrentes nem estava psicologicamente preparada para enfrentar um desafio daquele tamanho. Ele diz que havia problemas com a organização, deixando transparecer nas entrelinhas que temia algumas seleções, como Alemanha, Holanda, Argentina, Espanha e Itália, e que aquela declaração sobre “a mão na taça” havia sido uma tentativa de injetar um pouco de ânimo nos jogadores amedrontados.
A nova seleção, agora “sob nova direção” – como costuma ser anunciado em postos de gasolina e churrascarias à beira da estrada – vem cumprindo o seu papel. Foram 6 vitórias em 6 amistosos disputados, com 14 gols marcados e apenas um sofrido, o que qualifica o ataque e também a defesa.
Por conta de uma contusão de Thiago Silva, ele perdeu a posição para Miranda e a faixa de capitão para Neymar. Voltou a ser chamado e agora é banco, mas não perdeu a mania de chorar, o que faz a gente pensar que possivelmente o baixo astral que tomou conta da melancólica seleção da Copa emanava dele.
Dunga está tentando ser político à sua maneira, mas com certeza não gostou nem um pouco da reclamação do zagueiro que chegou aos seus ouvidos através da imprensa, e declarou laconicamente que “ninguém é dono de nada” e que “cada um tem o direito de expressar a sua opinião e de assumir aquilo que fala”. Mas durante o jogo contra a Áustria, acabou colocando o chorão no lugar de Miranda e substituindo Neymar para dar ao zagueiro a faixa de capitão.
Dunga estava indo bem no comando da nova seleção e acaba de dar a primeira escorregada, o que faz estremecer a sua liderança e traz de volta o fantasma da Copa, que parecia ter sido exorcizado. O mal-estar volta a rondar a seleção.

 

 

segunda-feira, 17 de novembro de 2014





O FUTEBOL NA ROTA DO CRIME 

 (ARTIGO PUBLICADO NO CADERNO “SUPER ESPORTES” DO JORNAL “O IMPARCIAL” DE 17/11/2014) 

“A vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida” é uma tirada filosófica do dramaturgo, poeta, pensador e escritor irlandês Oscar Wilde feita em 1889, e pode ser analisada sob diferentes ângulos.
Hoje em dia convencionou-se dizer apenas que “a arte imita a vida”, que pode ser a antítese de Wilde, mas é a ideia que melhor se aplica à realidade.
No caso do artigo Gol de Placa, como lidamos com um tipo especial de arte (ou entretenimento, se assim o preferirem), podemos dizer que o futebol está imitando os fatos políticos e econômicos que se sucedem no país, felizmente ainda sem a mesma contundência.
Um pacote de denuncias, negações, gravações e depoimentos toma conta da vida mundana com uma frequência dinâmica, quase diária, gerando a cada investida mais denuncias, negações, gravações e depoimentos, e levando às barras da justiça figuras do mais alto escalão da República e do coração financeiro do Brasil.
Nunca antes na história deste país tantos políticos e figurões de colarinhos imaculados foram presos, algemados, cassados, expostos à humilhação e à execração pública, nunca os ministros do Supremo Tribunal tiverem que desvendar tanta sujeira e nunca caríssimos advogados daqui e dali tiveram tanto trabalho.
E o futebol, como se contaminado por um vírus invisível aos olhos, mas sensível à percepção, entra também na rota policial – denuncias, negações, gravações e depoimentos – acrescentando mais um capítulo que culmina com a exumação dos restos mortais da Portuguesa de Desportos, sepultada há duas semanas com a promessa de ressuscitar na terceira divisão em março do ano que vem.
Vale a pena lembrar resumidamente os fatos ocorridos na última rodada do Campeonato Brasileiro de 2013.
Dependendo dos resultados, um destes clubes – Portuguesa, Fluminense ou Flamengo – seria despachado para a Série B, fazendo companhia para o Náutico, a Ponte Preta e o Vasco da Gama.
O Fluminense havia vencido o Bahia em Salvador, mas não se livrou do rebaixamento porque a Portuguesa havia empatado com o Grêmio e manteve uma pontuação superior ao tricolor carioca.
Só um milagre poderia reverter a situação, e o milagre aconteceu: por ter escalado um jogador irregular, a Lusa perdeu quatro pontos e livrou a cara não só do Fluminense como também do Flamengo, que também havia perdido quatro pontos pelo mesmo motivo. 
Foi levantada na época uma hipótese fantasiosa de que a Portuguesa – ou alguém profundamente identificado com o clube – havia “vendido a vaga” por uma quantia de dinheiro que faria Judas morrer de inveja com as suas míseras trinta moedas.
A Lusa caiu, o presidente Manoel da Lupa caiu, o advogado do clube caiu, a Lusa caiu de novo, e de repente, no mar revolto das acusações surge um fato novo: uma investigação profunda e silenciosa feita pelo Ministério Público indica que o ex-presidente e alguns ex-dirigentes da Portuguesa receberam dinheiro para escalar propositalmente o meia Héverton, que estava irregular. O órgão procura desvendar agora quem pagou – e quanto – para que o clube fosse punido e rebaixado.
De acordo com o órgão federal que investiga o caso, os valores da transação podem variar entre 4 a 20 milhões de reais, e os principais suspeitos do pagamento seriam pessoas ligadas ao Flamengo e ao Fluminense, que se beneficiaram com a irregularidade cometida pela Lusa.
A investigação inclui a quebra de sigilo bancário de funcionários e ex-funcionários da Portuguesa, o que ajudaria a rastrear a origem do dinheiro.
Da Petrobras ao Canindé, existe muita gente que precisa prestar contas das suas ações, muita cadeia com a porta aberta e muita lei a ser cumprida.

 

sexta-feira, 14 de novembro de 2014






VAIDOSOS E ARROGANTES 

 (ARTIGO PUBLICADO NO CADERNO “SUPER ESPORTES” DO JORNAL “O IMPARCIAL” DE 13/11/2014) 

Eis uma receita de sucesso: é fundamental que um comandante e a sua equipe funcionem como um só organismo e se tratem com respeito. Comando e espírito de equipe são elementos indissociáveis para qualquer tipo de atividade, principalmente naquelas mais competitivas, como o esporte.
É imprescindível que técnico e atleta mantenham o mesmo foco até nos esportes ditos individuais – natação, tênis ou luta.
Ao comandante cabe disciplinar, orientar, motivar e dar confiança aos seus comandados, e aos comandados cabem executar as instruções e trabalhar arduamente para a obtenção da vitória. E sempre com muito diálogo.
De acordo com o jornalista britânico John Goodbody, antes de celebrar uma missa na Catedral de Saint Paul, às vésperas dos Jogos Olímpicos de 1908, um bispo teria dito que “ganhar não é tão importante como participar”, e a frase foi adaptada pelo pedagogo e historiador francês Pierre de Frédy, o Barão de Coubertin, segundo presidente do Comitê Olímpico Internacional.
Coubertin adotou o lema do bispo e defendeu a ideia que “o importante não é vencer, mas competir com dignidade”.
Com todo o respeito ao espírito olímpico do barão e do bispo, competir é realmente importante, mas mais importante é vencer, com dignidade.
Isto é uma das máximas que o comandante vitorioso deve passar aos seus atletas. A outra é saber encarar as derrotas, naturais, posto que inevitáveis, como uma consequência da disputa, embora jamais as aceitando passivamente.
O futebol do C.R. Flamengo teve (e tem) o infortúnio de ter como comandantes dois técnicos – Mano Menezes e Vanderlei Luxemburgo – que não entendem a importância do trabalho em equipe nem da dignidade com a qual os seus comandados devem ser tratados.
Creditem-se a eles os insucessos que a equipe vem acumulando entre 2013 e 2014.
Num intervalo entre as temporadas iniciadas por Mano e atualmente nas mãos de Luxemburgo o clube foi dirigido com eficiência por Jaime de Almeida (com quem o clube conquistou três títulos – Copa do Brasil, Taça Guanabara e Torneio Super Clássicos de 2014) e com menor eficiência por Ney Franco.
Mesmo em se considerando que o elenco não era nem é aquele que se espera de um time com as tradições do Flamengo, existia uma natural empatia dos jogadores com Jaime, um dos ícones do clube, e uma aparente boa vontade com Ney Franco, que caíram porque a diretoria estava precisando não de um técnico, mas de uma grife para comandar o time.
Uma grife do tamanho de Mano Menezes, que pediu as contas após apresentar um baixo rendimento e nenhum título conquistado, declarando que os jogadores eram incompetentes para entender as suas orientações.
Depois de algum tempo chegou outra grife, Luxemburgo, que no máximo conseguiu “tirar o time da confusão”, eufemismo criado por ele para definir a zona do rebaixamento e deu algum padrão à equipe fazendo os jogadores atuarem no contra-ataque, isto é, jamais se impondo no jogo, e manteve o time na chamada “zona da pasmaceira”.
Ao ver o Flamengo ser eliminado pelo Atlético Mineiro e quatro dias depois ceder o empate para o Sport numa partida ganha até os 43 minutos finais, Luxemburgo culpou os jogadores.  
Vaidosos, arrogantes e deselegantes, tanto Mano Menezes como Vanderlei Luxemburgo fazem parte do time dos “eu ganhei, nós empatamos e eles perderam” ao se referir aos jogadores.
Retomando o tema central, com todo respeito ao bispo de Saint Paul e ao Barão de Coubertin, o importante é saber vencer e saber perder. Ao comandante, o importante é dividir as vitórias e assumir a responsabilidade pelas derrotas.