sábado, 28 de julho de 2018






EU E A MÚSICA - RIO ANTIGO
(a visita do estranho poeta)
Parte 1

Quero um bate-papo na esquina
Eu quero o Rio antigo com crianças na calçada
Brincando sem perigo
Sem metrô e sem frescão

O ontem no amanhã...”
(“Rio Antigo” – Nonato Buzar e Chico Anysio)

De repente o poeta surgiu do nada.
Não me conhecia, foi-me apresentado – “este é Augusto Pellegrini, faz um programa de jazz aqui na rádio” – e parece que não prestou muita atenção.
Aliás, a rigor ele dava a impressão de que nunca prestava atenção em nada, pois seus sentidos estavam mais ligados no irreal, no surreal, no abstrato, de onde lapidava as suas frases, seus pensamentos e os seus acordes.
Sua filosofia de vida.
O poeta estava triste, havia morrido seu irmão, me contaram, e ele deixara o habitat que escolhera, a cidade do Rio de Janeiro, para cumprir com seus deveres fúnebres em São Luís e, depois de fazê-lo, resolveu procurar os amigos.
Como era dia, foi a uma emissora de rádio e depois às ruas do Centro velho; fosse à noite, talvez os procurasse pelos bares das quebradas.
O poeta não era só poeta, tinha muitas outras atividades misturadas no embornal.
Cantor, compositor e produtor musical, nascido em 1932 no interior do Maranhão na pequena Itapecuru-Mirim (naquele tempo, muito pequena), Raimundo Nonato Buzar foi brilhar no Rio, para onde viajou aos 21 anos num verdadeiro mergulho no meio do desconhecido.
Na verdade, sua intenção era estudar Engenharia, mas a magia envolvente da Cidade Maravilhosa falou mais alto e ele acabou contagiado pela música, que se transformou no seu projeto de vida. 
Fez seu debut nas noites cariocas cantando e tocando as suas composições nos bares da moda – Bottle’s e Little Club – e logo teve o seu talento reconhecido por dezenas de artistas e frequentadores da noite, e também por proprietários de casas noturnas, diretores de gravadores e produtores artísticos. E, é claro, também pelo público que lotava as casas onde ele se apresentava.
Nonato Buzar compôs um total de 162 canções, tanto solo como ao lado de parceiros como Paulo Sérgio Valle, Ronaldo Bôscoli, Carlos Imperial, Chico Anysio, Chico Feitosa, Torquato Neto, Nelson Motta, Paulinho Tapajós, Roberto Menescal, Durval Ferreira, Rosinha de Valença, Orlandivo, Tibério Gaspar, João Nogueira, Nosly, Gerude ou Rogeryo du Maranhão. 
Em nível nacional, teve suas músicas gravadas por Maysa, Alcione, Elis Regina, Elizeth Cardoso, João Nogueira, Nana Caymmi, Cauby Peixoto, Jair Rodrigues, MPB4, Wilson Simonal, Silvio César, Erasmo Carlos, Rosinha de Valença, Luiz Gonzaga, Ivan Lins, Milton Nascimento, Nelson Gonçalves e Ithamara Koorax (cuja gravação de “Vesti Azul” feita em 2012 num álbum chamado “Got To Be Real” foi “top ten” na Europa por ocasião do seu lançamento).
Nonato Buzar também atacou de produtor, sendo responsável na RCA Victor por discos de Jair Rodrigues, Wilson Simonal, a Turma da Pilantragem, Regininha e Jimmy Cliff e também por um álbum que registrou o FIC - Festival Internacional da Canção, um concurso de músicas criado por Augusto Marzagão para a TV Globo entre os anos 1966 e 1972.
Além de ter chegado às paradas europeias com “Vesti Azul”, Nonato compôs um punhado de temas de abertura que se popularizaram em novelas de televisão – “Verão Vermelho”, “Irmãos Coragem” (com Paulinho Tapajós), “O Homem Que Deve Morrer” (com Torquato Neto), além de outras músicas para as novelas “O Cafona”, “Minha Doce Namorada” e “Anjo Mau”.
Compôs temas para outros programas de tevê – “Chico City”, “Brasil Pandeiro”, “Saudade Não Tem Idade” e para filmes diversos – “O Donzelo” e “Aventuras De Um Detetive Português”.
O poeta, simples como um detalhe da natureza, não era pouca coisa não, mas não vivia sobre seus louros. 
Sujeito estranho, mas simpático, quando chegava ao Maranhão, que era a sua varanda, desdenhava completamente a aura do sucesso obtido lá fora, e curtia os bares do Mercado Central e as barracas da Ponta D’Areia com a mesma disposição que curtia os bares e a praia de Copacabana, cultivando amigos e novos amigos com o mesmo desprendimento e a mesma afeição.
Nonato Buzar foi então me apresentado, e depois de cinco minutos de conversa nos corredores da emissora, ele me confidenciou que devido ao seu luto familiar não se sentia animado para cair na farra quando chegassem as tentações da noite, pois sabia que se encontrasse a turma da boemia nos bares da vida, a coisa iria inexoravelmente descambar para tal.
Pediu, então, meu endereço e prometeu me fazer uma visita, para espairecer um pouco, posto que tinha passagem marcada de volta para o Rio na manhã seguinte.
Passei o endereço e as referências – “aquela rua do supermercado, na esquina do posto de gasolina, depois de um muro amarelo cheio de pichações” – e ele anotando tudo mentalmente, sem maiores problemas, numa cidade que conhecia muito bem.

sexta-feira, 27 de julho de 2018





SINOPSE DO PROGRAMA SEXTA JAZZ DE 28/04/2017
RÁDIO UNIVERSIDADE FM - 106,9 Mhz
São Luís - MA

ADRIANO GIFFONI - CAMINHO DO SOM
   
Depois do advento da bossa nova e dos trios de bossa-jazz, a música instrumental brasileira trilhou um caminho de novas e bem sucedidas harmonias com uma forte influência de brasilidade. Um dos músicos que ajudaram no movimento, não apenas como instrumentista como também como compositor é o contrabaixista Adriano Giffoni. Nascido em Quixadá-CE, Giffoni desenvolveu sua musicalidade em Olinda-PE e em Brasília, mesclando sua origens com a nova música brasileira dos anos 1980, na mesma linha da obra de Paulo Bellinati, Hermeto Pascoal, Egberto Gismonti, Pascoal Meireles, Nelson Ayres e Celso Pixinga. Em seu décimo álbum, Giffoni nos apresenta onze faixas deliciosas de sua autoria, nas quais passeia com o seu baixo ora elétrico, ora acústico, mantendo um balanço e um suporte seguro para os demais instrumentistas. Participação especial de Roberto Menescal.   


Sexta Jazz, nesta sexta, oito da noite, produção e apresentação de Augusto Pellegrini

quinta-feira, 26 de julho de 2018





TOO MANY Ls

Lloyd Lofthouse is a LIAR
Building imaginary lanes
Nutty and lousy brickLAYER
Who would poorly build his way
His face displays some LEER
While the ideas go astray
He’d better look for a LAWYER
To give guidance to his days
Otherwise he’ll be a LOSER
And transform his life in waste


Tradução livre





MUITA LETRA L

Lloyd Lofthouse é um mentiroso
Que constrói pistas imaginárias
Pedreiro ruim e nocivo
Mal conseguiria construir um caminho para si
Seu semblante mostra um olhar malicioso
Enquanto as ideias se desviam
Seria melhor ele procurar um advogado
Para orientar os seus dias
Caso contrário, ele será um homem derrotado
E transformará sua vida em total desperdício

2018

segunda-feira, 23 de julho de 2018





LICOR DE MAÇÃ

À noite, bebo a tua imagem distorcida
A  ninfo-bela imagem espectro gestual
O cálice rubro e multifacetado
Guarda o licor com sabor de guardado
De maçã argentina, marca popular

Então tu me acompanhas, na mente explodida
Na mente explosiva, na lembrança torta
O cálice vítreo e multirrefletido
Guarda o licor com a cor do teu vestido
A cor da tua nudez, sem frente ou costa

Retiro-me a este canto do quarto vazio
Vou vago e sonolento tropeçando em passos
No espelho oval, de fundo descascado
Tento me ver de frente, embora veja o lado
Da colcha rendada, que lembra os teus cachos

Já é madrugada, e por mais que me afagues
Extravasando vens, de luz e som
Bijuterias, perfumes, badulaques
Colcha amassada, teus pés, tuas mãos
Chuvisco na tela da televisão

Olhos fechados, cortina de rubro
Calor me inflama, agora me descubro
Vendo no espelho o teu corpo curvado
Luzes se acendem, lâmpadas apagam
E eu me virando em brasas, em busca do teu lado

Relógio digital apita, repete e cricrila
Ainda é madrugada ou já é de manhã?
Só, no meu quarto, procuro por teu tato
Guardo vontades, coçando as axilas
Amarga a boca, licor de maçã

É madrugada, e por mais que me faltes
Pastosa a língua e pegajosas mãos
Ainda que me afagues sigo como morto
Como anjo torto de alucinação
Teu corpo suado, licor de maçã

 (1993)

domingo, 22 de julho de 2018





DIFERENÇAS DE CRENÇAS ENTRE CÃES E GATOS

Cães e gatos vêem os seus respectivos donos de uma maneira muito diversa.

O cão olha para o dono e pensa: “Esse homem cuida de mim, me alimenta, me dá água para beber, se preocupa com a minha saúde e com o meu bem-estar e me cerca de todos os cuidados. ACHO QUE ELE É UM DEUS.

O gato olha para o dono e considera: “Esse homem cuida de mim, me alimenta, me dá água para beber, se preocupa com a minha saúde e com o meu bem-estar e me cerca de todos os cuidados. ACHO QUE EU SOU UM DEUS...





YEAH, THE BLUES!
(o Brasil no circuito mundial dos festivais)
Parte 3 - Final


Foi nesse clima, em maio de 1990, que aconteceu o Segundo Festival de Blues no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo (o Primeiro Festival havia acontecido em Ribeirão Preto-SP, na Cava do Bosque, no ano anterior).
O festival teve a produção da LUKR Eventos, comandada por Roberto Cocenza. Também fazia parte da equipe meu amigo e parceiro Renato Winkler que 
insistiu para que eu fosse assistir ao festival em São Paulo e para tanto me enviou uma credencial de imprensa, dessas que a gente pendura no pescoço vinte e quatro horas por dia – “Pellegrini Augusto – Radio Mirante FM – São Luís-MA” – posto que eu era – e ainda sou – radialista especializado em jazz (e dizem que em blues, com o que não concordo).
O festival transcorreu de uma forma empolgante e reuniu no mesmo espaço músicos antológicos como Magic Slim, Bo Diddley, Buddy Guy, Junior Wells, Koko Taylor, John Hammond, The Blues Machine, Big Daddy Kinsey & The Kinsey Report e os blueseiros locais André Christóvam, Blues Etílicos e a Brasilian Blues All Stars, composta por Ed Motta, Flavio Guimarães e Roberto Frejat.
A grande vantagem de possuir uma credencial é poder ser uma sombra presente nas entrelinhas do espetáculo, nos bastidores, nos camarins e no hotel onde a trupe se hospedava, local onde via de regra acontecia alguma jam session para confraternizar o blues, além da possibilidade de entrevistas nem sempre exclusivas, mas sempre muito especiais, e a descoberta maravilhosa de que por trás dos artistas consagrados se escondem seres humanos cheios de história para contar.
Boa parte das histórias acabaram se tornando descartáveis, e serviram  apenas para ilustrar alguns dos meus programas radiofônicos, mas uma conversa, em especial, ficou registrada, posto que histórica.
Bo Diddley, nascido Ellas Otha Bates, tinha sessenta e dois anos na ocasião do festival, embora aparentasse mais.
Ao contrário da maioria dos artistas presentes, que esbanjavam vitalidade, Diddley mantinha uma atitude melancólica, cansada e pouco sorridente, embora aparentemente tudo corresse às mil maravilhas na turnê blueseira.
Bo Diddley era o “low profile” que não combinava com a vibração do evento.
Cantor, guitarrista e compositor (suas músicas eram assinadas como Ellas McDaniels), Bo Diddley com sua guitarra quadrada foi talvez a figura mais emblemática do festival. Ele se constitui num dos elos mais importantes de um tipo de música que uniu o blues ao rock and roll e influenciou, entre outros, os astros Buddy Holly, Jimi Hendrix, Eric Clapton e Elvis Presley, além de Beatles e Rolling Stones. O que não é pouco.
Foi exatamente a menção a Elvis Presley que esquentou o assunto e soltou a língua do velho bluesman.
Apesar de ser mundialmente reconhecido como um dos maiores artistas do blues e do rhythm & blues, Bo Diddley reclamava que a sua carreira poderia ter sido muito mais bem sucedida se alguns produtores de discos e de shows não tivessem interferido de forma tão negativa e decisiva no seu desenvolvimento.
Ele, Diddley, teria sido o pioneiro a mostrar nos palcos a famosa performance do “rebolado do rock and roll” que se imortalizou com Elvis “The Pelvis” e que os pudicos dos anos 1950 consideravam obscena e atentatória aos bons costumes (mas que os jovens rebeldes sem causa simplesmente adoravam).
Possivelmente”, prosseguiu Diddley, “tenha sido um outro negro, Chuck Berry, quem realmente iniciou aquele tipo de dança lasciva, mas Berry podia ter tudo – ritmo, drive, empolgação – mas não conseguia passar para o público nem um pingo de malicia ou de sensualidade. Chuck era mais feio do que eu”. E riu, pela primeira vez durante a nossa conversa.  
Na sua própria descrição, Bo Didley era negro, feio e não tinha a estatura necessária para estar dentro dos padrões de beleza universalmente aceitos. No entanto, a novidade deste tipo de dança na nova música era tão empolgante que os produtores de shows decidiram que o rebolado devia ser incrementado por algum outro cantor, desde que fosse branco, bonito, atlético e sensual.
Assim, nos meados dos anos 1950, Bo Diddley foi descartado e caiu no limbo do rock and roll, derivando seu talento para uma área com menor apelo mercantil, o blues. 
Os produtores saíram então em campo à cata do homem com o biótipo ideal que tivesse o DNA para vender discos e aguçar o espírito da juventude, e descobriram um jovem cantor e guitarrista natural do Mississipi que estava fazendo um relativo sucesso no rádio e na televisão cantando uma espécie de ballad-country e de rock-blues.
Seu nome era Elvis Presley, ex-motorista de caminhão que estourou para o grande público com o bluesThat’s All Right Mama” (Arthur Crudup) e “Blue Moon Of Kentucky” (originalmente uma valsa escrita em 1946 por Bill Monroe), músicas que receberam um tratamento diferente por parte do guitarrista Scotty Moore e do baixista acústico Bill Black, nascendo daí – junto com o trabalho de outros pioneiros – o estilo “rock-a-billy”, uma fusão da country music com o rhythm & blues. 
O rebolado pra valer começou em 1957 com “Jailhouse Rock” e “King Creole” (ambas de Jerry Leiber e Mike Stoller), depois de uma série de baladas românticas, que no futuro iriam se constituir no ponto alto das suas interpretações – como “Love Me Tender” (George R.Poulton, W.W. Fosdick  e Ken Darby), “Lovin’ You” (Jerry Leiber e Mike Stoller).
De acordo com Diddley, foi nestas circunstâncias  que os produtores “roubaram” a sua ideia e que um eventual título, “The King of Rock‘n’Roll”, lhe teria sido usurpado.
O depoimento histórico foi encerrado abruptamente com a chegada de alguém da produção convocando Diddley para uma foto, a pedido de um repórter.  Não tenho certeza, mas ficou a impressão de que sobrou no rosto do velho bluesman um certo ar de alívio quando ele se despediu de mim, o que provavelmente acontecia por quase quarenta anos sempre que seu coração se abria para algum desconhecido.