quinta-feira, 9 de outubro de 2014







A BOLA E A MÃO 

(ARTIGO PUBLICADO NO CADERNO “SUPER ESPORTES” DO JORNAL “O IMPARCIAL” DE 09/10/2014) 

Em 1863, representantes das escolas e associações de toda a Inglaterra se reuniram para discutir e entrar em acordo sobre o estabelecimento de regras para um novo jogo que estava tomando conta do país – o futebol.
É claro que nessa época o jogo de bola já tinha séculos de existência, mas não passava de um misto entre entretenimento e violência totalmente desorganizado e sem padrão, donde a necessidade da sua regulamentação.
Desta reunião nasceram as primeiras regras, algumas técnicas, outras disciplinares, que foram oficializadas com a fundação, em 1888, da primeira Liga de Futebol, que organizou o primeiro campeonato.
Em 1898 o número de regras passou a ser dezessete, com ênfase a duas características que diferenciavam o “football” do “rugby”, outro esporte coletivo com bola também praticado por clubes e associações na Inglaterra.
Essas duas regras deixavam bem claro o que seria considerado jogo faltoso na disputa de bola (chutes desferidos nos adversários, agarrões e golpes de mão) e a proibição de um jogador conduzir, ajeitar ou lançar a bola com as mãos, exceto quando de tratar do “goal keeper” ou de um lance de reposição de bola em arremesso lateral.
Ao contrário de outras regras cuja aplicação é objetiva, estas duas são bastante interpretativas, cabendo ao árbitro decidir se o choque entre jogadores ou um toque de mão ou de braço foi intencional ou não.
Esta subjetividade torna a arbitragem bastante vulnerável, principalmente agora, quando uma partida pode ser monitorada por câmeras e outros dispositivos eletrônicos.
A International Board já se reuniu algumas vezes ao longo da história e o máximo que conseguiu fazer foi estabelecer alguns critérios – também subjetivos todos eles – como a intenção do atleta cometer a infração ou não.
Para o jogo violento, considera-se a intensidade e a imprudência como fatores determinantes para a marcação da falta e as consequências dela advindas, como a aplicação de cartão amarelo ou vermelho.
Para o toque de mão na bola, o árbitro deve considerar se o lance foi involuntário ou se o jogador teve a intenção de desviar o rumo da pelota ou de facilitar o seu controle para manter a sua posse.
Em vista disso, a CBF promoveu há poucos dias uma reunião do Conselho de Arbitragem, com a participação de árbitros, assistentes e instrutores de arbitragem e a presença da imprensa especializada, mas mesmo com a importância da pauta nada de novo surgiu sob a luz do sol.
Os jogadores devem se preocupar em manter os braços na posição mais natural possível, evitando ampliar os limites do corpo para barrar a trajetória da bola, e aos árbitros cabe a palavra final se o jogador está procedendo dentro da regra.
É muito complicado para um atleta, na dinâmica do jogo, manter os braços em posição de repouso, a não ser quando ele está parado numa formação de barreira. Sempre que o jogador corre, salta ou cai ele precisa movimentar os braços horizontalmente ou para o alto para manter o equilíbrio, ajudar a impulsão ou proteger o corpo da queda. 
Quem milita no futebol, porém, conhece a malandragem do ofício. Os jogadores sabem quando o adversário obstruiu a jogada com um toque de mão – ou braço – involuntário, e o árbitro rodado deveria saber mais do que eles.
Só que aí entra em cena outro tipo de malandragem: o jogador do time A reclama, gesticula e  dramatiza; o jogador do time B faz cara de paisagem ou também reclama e gesticula protestando inocência. E o senhor árbitro vai levando em conta alguma compensação pelos erros que reconhecidamente já cometeu na partida, qual está sendo o resultado do jogo naquele instante e como está  o ânimo da torcida do time da casa.
Aí, interpreta da maneira como lhe convém e deixa o barco seguir.
É bom lembrar que isto também vale para a marcação de pênaltis.

segunda-feira, 6 de outubro de 2014







AS INJUSTIÇAS DA JUSTIÇA ESPORTIVA 

(ARTIGO PUBLICADO NO CADERNO “SUPER ESPORTES” DO JORNAL “O IMPARCIAL” DE 06/10/2014) 

A última rodada do Campeonato Brasileiro de 2013 deveria determinar entre outras coisas quais seriam os clubes rebaixados para a Série B, ou seja, os quatro clubes com menor pontuação. Só que não foi bem assim.
Isto só foi definido depois de algumas reuniões, embora fosse comentado à boca pequena que o veredito já estava definido, pois na noite do domingo o Procurador Geral do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, Paulo Schmidt, já havia dado seu parecer a respeito.
Assim, a Lusa foi condenada ao rebaixamento antes mesmo de o Tribunal se reunir, fato absolutamente inédito de casuísmo jurídico. O Tribunal se reuniu depois apenas para referendar, por goleada, o resultado.
Ao final dos jogos daquele domingo, o Fluminense estava entre os degolados, mas a intervenção precisa do Procurador trouxe à tona a possível irregularidade cometida pela Portuguesa, que estava fora da zona dos desclassificados. Em consequência, a Lusa acabou perdendo quatro pontos e foi detonada no lugar do tricolor.
Na ciência do Direito, a gente sabe que cada processo é um processo, e mesmo quando aparentemente se tratam de casos semelhantes, as sutilezas dos detalhes podem originar soluções diferentes.
Portanto, não há nada que possa comprovar ou consubstanciar que haja por parte da Justiça alguma distorção premeditada nas decisões tomadas, mas alguns fatos são por demais preocupantes e podem levar o leigo a uma interpretação não muito lisonjeira.
A Portuguesa foi penalizada por colocar em campo o jogador Héverton sem a devida condição de jogo, embora o clube afirme que não havia sido informado pela CBF sobre a ocorrência no devido tempo.
Só que em 2010 o Fluminense incorreu no mesmo erro ao escalar o atacante Tartá, e se a lei fosse aplicada da mesma forma, o tricolor teria perdido o título, e o tricampeonato teria ido pro vinagre.
Ressalte-se que no mesmo ano o Caxias utilizou o jogador Leandro Chaves irregularmente na Série B, alegou desconhecimento da ocorrência e também foi absolvido.
Como Paulo Schmidt exercia o mesmo cargo em 2013 deveria ter sido invocada jurisprudência para que a Lusa fosse absolvida.
Naquela época, com relação ao jogador do Caxias, houve muita discussão para que se chegasse a um consenso, mas o caso de Tartá praticamente não houve discussão.
No caso da Portuguesa, no entanto, nunca se viu tanta presteza na procura de uma solução punitiva, e poucas vezes os auditores ficaram tão rapidamente de acordo a respeito de um assunto.
O STJD é uma instituição que não inspira confiança porque possui critérios de justiça muito disparatados.
Um jogador que atinge o árbitro do jogo intencionalmente – Petros – tem uma pena menor do que outro que ofende o árbitro do jogo com xingamentos – Emerson Sheik.
Um time que usa um jogador irregular – América Mineiro – perde 21 pontos e cai da liderança para a última colocação na mesma semana em que outro time também usa um jogador irregular – o Corinthians – sem que tenha havido qualquer punição.
Agora chegou a vez do Boa Esporte, protagonista do mesmo pecado. Vamos ver o que acontece, se será jogado às feras, como o América, ou levado aos céus, como o Corinthians.
O futebol brasileiro, respeitado em todo o mundo, merece uma administração gerencial e jurídica que vá além daquela encontrada em um torneio colegial interno.
As conveniências da CBF e dos clubes alinhavam situações que vão desde a confecção da tabela até a venda de mando de campo e aos virulentos efeitos suspensivos, que tanto mal causam à lisura do esporte.