sábado, 4 de fevereiro de 2017





O POLÍTICO - II

Desde menino sonhava. O poder queria
a todo custo,
havendo ou não realidade, a liderança pedia,
achava justo.
Conseguiu-a com dinheiro – pai ricaço, industrial,
berço de ouro.
Seu prestígio cimentava – luz e glória! – tal e qual
o pressuposto.

Quem era mendigo ou feio, sem sociedade,
não interessava.
A humanidade era pra ele a fina casta que sempre fora
sofisticada.
Na juventude não teve amigo ou companheiro
que fosse pobre;
o instinto sempre conta: a vida, com mais dinheiro,
se faz mais nobre.

Sem exames rigorosos ingressou na faculdade
de advogados.
De janota prepotente a jurista consagrado
foi transportado.
Em pleno baile de gala, luzes e cristais brilhando,
traje a rigor,
recebeu os parabéns industriais desta vez
na voz do governador.

Aquela pequena indústria crescera encontrando um meio
de sonegar
e hoje era parte integrante da segurança
nacional.
Que o povo pedisse água, passasse fome,
e ele com isso?
Se o pai lhe mostrara a arte de ver de frente
só o bonito?

E veio então a gloriosa, emocionante corrida
eleitoral,
pois onde a reconhecida capacidade
de advogar?
E foi eleito, fez lei, discursos e homenagens
ao pai famoso
que lhe deixara de herança a sua outra bagagem,
a de mentiroso.

Fez mais mal que a peste negra, que a peste branca,
que a peste,
tanto mal que a própria peste não viu um jeito
de ser-lhe fértil!
Fez gatunagens, subornos, negócios inconfessáveis,
com sede ao pote
Foi inimigo da  pátria, pois suas terras e águas
vendeu a lote.

1988










sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017






A AUTOCRACIA DA FIFA


A Fifa tomou uma resolução monocrática e reescreve a história à sua moda ao considerar inválidos todos títulos dos campeões mundiais de clubes desde 1960 até 2004, validando apenas aqueles obtidos sob a sua chancela a partir de 2000 (na prática 2005).
Assim, os títulos conquistados por Milan, Real Madrid, Peñarol, Boca Juniors e Nacional outros vão para o arquivo do esquecimento, num verdadeiro desrespeito à biografia desses clubes.
A Fifa age como se ela tivesse inventado o futebol, e risca dos registros da entidade tudo aquilo que embora tenha acontecido e faça parte da história, é por ela considerado ficcional.
Foi por causa da sua absoluta ausência e do seu total desinteresse em regulamentar um torneio que representasse qual clube seria o “campeão do mundo” da temporada que a UEFA e a Conmebol começaram a realizar em 1960 uma competição que colocaria frente a frente os seus campeões continentais, considerando portanto apenas a Europa e a América do Sul.   
Na época não existia um futebol minimamente competitivo na Ásia, África, Oceania ou América do Norte/Central e nem fazia sentido técnica ou financeiramente um torneio com a presença desses times.
A Fifa nunca se interessou e sempre deu liberdade para a sua organização.
Por dezenove anos (entre 1960 e 1979) o torneio foi chamado Copa Intercontinental e era disputado em duas partidas, uma na casa de cada participante, cabendo uma terceira partida no local do jogo da volta caso fosse necessário um desempate. Em 1973 houve apenas uma partida, pois a Juventus de Turim, derrotada em casa pelo Independiente da Argentina se recusou a ir para Buenos Aires para o segundo jogo.
Essa logística, aliada a uma verdadeira guerra dos torcedores provocou a mudança no regulamento para que a partida fosse disputada em campo neutro num só jogo. Foi eleito o Japão como país anfitrião – primeiro Tóquio, depois Yokohama – e o nome foi alterado para Copa Toyota, patrocinador que bancava o evento. Sempre com as bênçãos e o desinteresse da Fifa.
De repente, porém, a Fifa farejou que o torneio por ela rejeitado era uma mina de ouro, o que a fez realizar em 2000 um torneio experimental no Brasil para tentar definir um novo formato, contando com campeões de outros continentes e um clube convidado do país anfitrião, tendo o Corinthians conquistado o título. No mesmo ano, a Copa Toyota era conquistada pelo Boca Juniors, o que gerou a excrescência de dois campeões mundiais de clubes no mesmo ano.
Em 2005, a Fifa proibiu a continuação da Copa Toyota e iniciou então o seu próprio torneio, que em treze edições continuou na prática sendo vencido por um representante europeu ou sul-americano (apenas em três ocasiões o vice-campeão veio de outro continente – dois africanos e um japonês).
Ai deixar de declarar campeões mundiais igualmente os dezenove campeões da Copa Intercontinental e os vinte e quatro da Copa Toyota, colocando-os no mesmo patamar dos treze vencedores da sua Copa do Mundo de Clubes, a Fifa perde uma ocasião histórica de corrigir a sua incompetência e de admitir falta de visão para realizar um torneio de tal envergadura naquela época – meados do século 20 – bastante complicada em termos de visibilidade e patrocínio, posto que delegou às Confederações da Europa e da América do Sul o direito de fazê-lo.
A atitude da Fifa merece alguns comentários.
Em 1960 o presidente era o inglês Stanley Rous, que mais interessado em costurar detalhes para a Copa de 1966 que seria realizada nas Ilha Britânicas, não chegou a discutir seriamente a proposta da UEFA para a realização do Intercontinental, mas colocou alguns vetos e disse considerar que a competição deveria ter um caráter de amistoso.
Seu sucessor, João Havelange preocupou-se em promover o futebol dos países do terceiro mundo, mas também deu início a uma era mercantilista que aos poucos foi fazendo com que a imagem da Fifa fosse contaminada, o que acabou sacramentado pelo seu sucessor Joseph Blatter, hoje expurgado no meio a muitas denúncias de corrupção e desvios.
Agora vem Gianni Infantino, o atual presidente, e mantém a arrogância dos seus antecessores ao não reconhecer a importância que a Copa Intercontinental e a Copa Toyota tiveram no desenvolvimento do futebol em termos de técnica e divulgação, relegando-as a simples jogos amistosos.  

    


(Artigo publicado no caderno de esportes do jornal O Imparcial de 03/02/2017)





MAL MAIOR

Você gosta de mim, esqueça
Eu não sou tanto assim, esqueça
Ouça o conselho
De quem sabe onde essa vida vai levar
Antes que um mal maior aconteça

Pense que o mundo
Tem milhões de coisas boas pra lhe dar
E que em cada segundo
Tudo pode melhorar
Não deixe o coração falar mais alto que a razão
Antes que a solidão aconteça

Pense que a vida
Tem razões que a própria vida vai negar
No fundo são mistérios
Que ninguém sabe explicar
Não deixe o coração ficar doente de paixão
Ou que a desolação aconteça

1979










I am your mother...

Six-thirty, early evening.
I’m sitting in my favorite corner in this quiet and lonely bar which has the suggestive name of “Fernando’s Hideaway”.
Whether because customers are scarce or because he wants to retain originality, Fernando does without waiters. He himself writes the order, replaces the glasses and brings the bill. And cleans the tables.
The clatter of crockery from behind the scenes reveals the presence of another person, hidden, as the name of the bar suggests, wandering anonymously through the steam of the pots, the sizzling sound of the frying pan and the flow of water through the drain of the sink.
The time is still quiet, because only after eight the customers will begin to show up. Most of them are clandestine couples whispering mysteriously to the sound of a song that is actually the half-languid and half-amorphous syrup that one usually hears in the waiting rooms of doctors’ offices amid tense and worried faces.
To escape this comparison, Fernando would need a recycling, both in music and decoration, although deep inside I like this peace of graveyard and this pasteurized sound.
As I am not a man of large crowds I retire to this favorite cloister at the end of every working day, which matches the amorphous environment of the government department I work as a single public servant attendant, what the Russian poets would call a “bureaucrat of the system”.
So, at a certain nightfall, when all the cats become greyish and all anonymous bureaucrats can be taken as accountants, managers or even somebody in a higher ranking, I was sipping a locally made Underberg on the rocks – the third of a regular quantity of five doses – when I started to listen to a conversation taking place at the next table, no more than two yards distant from mine.
They were not a couple, but two male friends exchanging family confidences.
The relative silence of the bar – located on a quiet side street three blocks away from the main avenue – and the shrill voice of the speaker (the other only heard and nodded) made it easier for me to hear.
I didn’t feel indiscreet, because after all I was there before they arrived, and having nothing else to do I paid attention to the colloquy, in fact an almost monologue.
The talking guy was commenting on someone that I soon realized was his daughter named Annie, “who is only two years old, but very smart and talkative!”
The man praised the beauty and intelligence of the child, descending to details that only interest to parents, while the other guy only heard between uninterested and annoyed and issued one or another interlocution.
“Everyone says my daughter is a lot like her grandma – my mother. I especially have noticed some very particular tricks that remind my mother, like tilting her  neck to the left when she was intrigued by something or squeezing the tip of her nose when she was upset”.
The other man nodded as if he were really paying attention, but at the same time called Fernando and ordered another beer.
The first man kept on talking.
“My mother died six years ago but I still live in the same house we used to live because it’s a family property and because I am an only child. I still feel her presence in the room as if she were there, in the same place, watching television, or even in the evenings in front of what used to be her bedroom.
My wife says she doesn’t believe in these things and that I should stop being silly. She even changed the furniture and transformed my mother’s room in a larder and wine cellar.
She also says that there is a lot of exaggeration when I refer to her similarity to little Annie.
‘A child looks like another child, not like a seventy-year oldie’ – she said.
I felt indignant by the way she meant my mother but I kept quiet to avoid other hassles.
But my wife had her reasons because she barely had time to meet my mother who died only a few weeks after we met, and she faces life with modernity, which prevents her from admitting the ghosts I dare to see and feel.
Another day little Annie was misbehaving in a way that parents can tolerate for a while and the bystanders feel like giving a spanking. ‘Throwing a tantrum’ – psychologists would say, ‘plain acting’ – grandparents would comment.
But Annie’s misbehavior began to get insistent and I began to lose the patience. After all, I had an education that, if not too severe was at least very firm and this education did not allow arguments with my parents about who was right and who was wrong.
So, because of the misbehavior and the attempt to defeat me by gestures and grunts I began to reprimand her, first affectionately as it should be with a two-year old child. Then, as the misbehaving increased I tried to reason and finally used my authority, maybe too incisively, given the age of the girl.
I spoke to her in a very harsh way, raising my voice and brandishing my index finger – ‘Annie darling, you should respect me because I am your father!’
There was a heavy silence and I feared the consequence of my sudden explosion – an expression of sadness or a convulsive cry.
But she remained static for a moment then looked seriously at me, pressed the tip of her little nose, bent her neck aside and said in a voice that was not childlike:
‘…and I am your mother!...’
I shut up, not without first having felt a wave of heat and cold raising up my spine.
My wife watched everything, gaping and staring, leaning against the doorframe.”


quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017




O POLÍTICO – I

E ali estava o velho político.
Morto, e além do mais, convicto.
O peito, que antes estufava de elogios e medalhas,
agora estufa de vermes
e de moscas na mortalha.
A boca, que bradava enérgica contra os inimigos,
agora está fria e roxa,
e os lábios colados como casca de ostra.

A mão, que fazia o ambiente tenso,
agora segura um terço.
No lugar do carro almofadado (de luxo)
agora o caixão apertado (de luxo).

Antes, da multidão o delírio;
agora o silêncio vazio.





domingo, 29 de janeiro de 2017





Mais um poema composto sobre melodia de Renato Winkler

AMOR ANTIGO

Meu amor antigo
Mora na saudade
De um tempo feliz
Que ficou tão longe
Tão perdido e ido
Lá no meu passado
Da menina que olhava
Dentro dos meus olhos
Da primeira namorada
Do primeiro sonho

Hoje estou cansado
De não mais amar
De não encontrar
Entre os meus caminhos
O do amor antigo
Que está na saudade
Da primeira namorada
Que o amor sentia
Mas, de medo, não falava
Medo de acordar

Hoje tão sozinho
Sigo ainda à procura
Desse meu desvelo
Pela criatura
Que vive a meu lado

E mora na saudade