A SÃO PAULO DE ADONIRAN BARBOSA
Parte 1
(Publicado no site da Academia Poética Brasileira)
“Meu São Paulo
foi da garoa, tempo frio que já mudou.
Cantada pelo filho do italiano
está mais quente a cada ano,
é o samba urbano que chegou.
Bexiga, Barra Funda, Lapa e Mooca,
e a maloca que, saudosa,
hoje não existe mais,
porém a caravana colorida
evolui na avenida
evocando os bons tempos do Brás
Com empolgação,
meu São Paulo é um poema
de Malvina, Adoniran,
Mato Grosso e Iracema.
Trem das onze,
as mariposas vão sambando na estação,
lembrando da moçada o sacrifício,
a derrubada do edifício,
o antigo Albion.
Acende o candeeiro de mansinho,
traz de volta o cavaquinho
pra encantar meu bem querer.
Cidade de trabalho e de progresso,
seu poeta e seu sucesso
nós vamos cantar outra vez...”
(“A São Paulo De Adoniran Barbosa” – de Augusto Pellegrini)
Esta é a letra de um samba que eu fiz em homenagem a Adoniran Barbosa no ano de 1975 para concorrer à escolha do samba-enredo para o carnaval de 1976 pela G.R.E.S. Pérola Negra, Vila Madalena, São Paulo, cujo tema era exatamente “A São Paulo de Adoniran Barbosa”. A música concorreu, não ganhou, mas eu me senti premiado por ter convivido com o poeta, ainda que por breves instantes, pois isso enriqueceu a minha alma.
Gostaria de ter absorvido mais um pouco da sensibilidade de Adoniran, mas o nosso tempo foi muito curto. Enfim, como ele mesmo dizia – “mas isso num faz mal, num tem ‘portança’...”
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Desde muito jovem a música sempre me encantou.
Talvez por isso eu gostasse de exercitar o meu lado compositor, na maioria das vezes fazendo sozinho a letra e a melodia da música, mesmo não conhecendo coisa alguma sobre teoria musical nem tendo a prática de executar qualquer instrumento.
A música era produzida dentro da minha cabeça e, na ausência de um gravador, eu tinha que a cantarolar dezenas de vezes para não esquecer a linha melódica. Enquanto isso, o arranjo e a orquestração – violão, violinos, metais, piano, percussão – iam tomando sua forma definitiva, mas sempre dentro da minha cabeça.
Os compositores leigos, como eu, sabem do que eu estou falando.
Isto causava sérios problemas quando eu queria cantar as minhas composições acompanhado por algum instrumentista, pois evidentemente a harmonia que ele extraía do instrumento era bem diferente daquela que eu havia concebido.
Quando comecei as minhas tentativas, fui influenciado pela música brasileira da época – coisas de Dolores Duran, Tito Madi, Antônio Maria, Alberto Ribeiro, Fernando Cesar, Klécius Caldas, Armando Cavalcante, Henrique Lobo e Luiz Bittencourt, todos autores de sambas-canções que tinham como intérpretes cantores como a mesma Dolores, o próprio Tito Madi, e também Nora Ney, Agostinho dos Santos, Dóris Monteiro, Lucio Alves, Cauby Peixoto, Dick Farney e alguns outros tantos.
Mesmo assim, a minha música não possuía as características específicas do samba-canção e não obedecia à configuração tradicional dos seus versos, uma sequência simples de primeira estrofe-segunda estrofe, pois o samba-canção convencional quase não utiliza refrãos.
Além do mais, eu “quebrava” a melodia às vezes de forma inusitada, coisa típica – de acordo com a opinião de músicos e especialistas – de quem não é engessado pela teoria e sente mais liberdade para simplesmente expor seus sentimentos.
“Sozinho pela madrugada
não procuro amigos,
só procuro paz.
Partiu, não me disse nada,
não deixou resposta, não,
isso não se faz...
Eu tenho um pressentimento que me fala
mais alto que o desalento que em mim cala.
Nunca mais encontrarei quem me consola,
e dos sonhos que sonhei eu vivo agora...
Sozinho pela madrugada,
não procuro amigos,
só procuro paz.
É muito fácil compreender,
mas é difícil resistir.
Sozinho pela madrugada,
vou ficando triste,
vou ficando só...”
(“Sozinho Pela Madrugada” – de Augusto Pellegrini)
Mas logo chegou a bossa nova, e eu incorporei o estilo às minhas composições, sem abandonar o jeito da canção e do samba-canção. E continuei distante daquilo que João Gilberto chamava de “samba autêntico” – tipo Ary Barroso, Assis Valente, Ataulfo Alves, Dênis Brean – como também do samba-canção tipo deprê, conhecido por “dor-de-cotovelo” – músicas de Lupicínio Rodrigues, Fernando Lobo, Herivelto Martins, Jair Amorim – que abordava o romantismo de forma dramática, como o tango, e dos quais eu até gostava, mas não me identificava a ponto de compor coisas do gênero.
A bossa nova me mostrou que a gente podia fazer poesia com as coisas mais simples do dia-a-dia e da natureza, sem necessidade de utilizar parnasianismos ou erudição nas palavras.
“Descanso,
é gostoso de ver
as nuvens brincando,
e figuras formando
bem alto, no alto do céu,
não penso,
quero fugir da vida
como o dia perdido
no qual eu fugi de ti.
Morreu o sol,
escurece depressa
igual ao momento
em que escureceu
o dia sem luz que eu vivi.
Desperto,
meu descanso não era,
era sonho, quimera,
eu não fujo, eu não posso fugir...”
(“Descanso” – de Augusto Pellegrini)
SEGUE