sábado, 6 de fevereiro de 2016






O CARNAVAL DOS OUTROS
                                                             Segunda parte

Em alguns lugares deste imenso território verde-amarelo – tomemos, por exemplo, a cidade de Salvador – o calendário oficial que demarca o carnaval não é seguido à risca, pois a festa começa com a passagem do ano e termina bem além da Quarta Feira de Cinzas.
Parece até conversa de brasileiro, mas o Carnaval do Rio de Janeiro é tido realmente como o mais sensacional do mundo, “um teatro a céu aberto”, “uma febre de luzes e cores”, “uma ópera popular contagiante” ou “um espetáculo de música e alegria” como o descrevem nossos ufanos jornalistas.
O fato é que o Rio conseguiu exportar seu modelo de carros alegóricos, adereços e bateria para Tóquio e – pasmem! – até para Helsinque; também mandou a alegria dos blocos de rua para Nova York e Buenos Aires, e se mantém absoluto neste quesito, eis que o Livro Guiness de Recordes aponta o Galo da Madrugada, de Recife, como o maior bloco carnavalesco do mundo (o bloco mais antigo, ainda em explosiva atividade,  seria o Cordão do Bola Preta, fundado em 1918, mas o Galo continua cantando mais alto, pelo menos no Livro).
Apesar da pujança do Carnaval carioca, muito antes do Zé Pereira sair batendo a sua lata nas ruas do Rio Antigo e dar o ponta-pé inicial no Entrudo, outros países já faziam os seus Carnavais do seu próprio jeito, com motivos, fantasias, música e desfiles que em muito diferem da alegria e dos pecados encontrados no sul do equador.
Em Veneza, as festividades começaram no século 17, e têm seu ponto alto nas máscaras que os nobres usavam para poder sair às ruas e se misturar com o povo sem serem reconhecidos. As máscaras até os dias de hoje são muito sérias e não remetem à folia, preferindo se referir ao drama e à comédia do teatro grego.
O Carnaval de Veneza nasceu nas ruas sob a inspiração dos personagens da Commedia Dell’Arte – Arlecchino, Pantalone, Colombina, e outros – e passou também para os salões, sendo festejado durante dez dias a fio.
A sua música é baseada no folclore italiano, e apesar de alegre e vibrante, não chegaria a contagiar o folião brasileiro, que iria sentir falta de um ritmo mais marcante.
O Carnaval de Paris talvez não seja tão conhecido, mas faz parte do calendário oficial da cidade desde o século 16.
Ao contrário do Carnaval de Veneza, o de Paris nasceu por conta dos trabalhadores, o que fez com que, historicamente, ele possuísse menos glamour e riqueza. Além do mais, ele foi descontinuado entre os anos 1950 e 1993, o que faz com que muitos parisienses não lhe dêem atualmente muita importância.
O Carnaval de Paris marca, porém, um ponto decisivo na história dos folguedos, pois influenciou na existência do Mardi Gras, como é chamado o Carnaval de Nova Orleans.
Existem outros carnavais pelo mundo afora que reúnem turistas de todas as nacionalidades, desde o Carnaval de Inverno de Quebec-Canadá até o de Colônia-Alemanha, passando por Barranquilla-Colômbia e Basiléia-Suiça.
Excetuando o Rio de Janeiro e possivelmente Salvador, o Mardi Gras – expressão francesa que significa Terça-Feira Gorda – é o carnaval mais procurado pelos turistas, chegando a reunir na temporada momesca mais de 4 milhões de pessoas na cidade de Nova Orleans.
Os festejos começam a esquentar já no mês de janeiro, mas dez dias antes da terça-feira gorda a coisa realmente pega fogo, com muita gente participando do clima musical-gastronômico proporcionado pela cidade.
Músicos tocam nas esquinas e, é claro, nos bares e restaurantes. No French Quarter, o bairro mais famoso da cidade, rolam desfiles com carros alegóricos tocando Dixieland – a marca registrada da Louisiana – e também o blues e outras músicas, sejam elas caribenhas ou de origem crèole, que é uma afro-mistura da música européia com a música feita pelos negros no século 19.
Talvez a diferença fundamental entre os Carnavais de Nova Orleans e do Brasil seja a dança. Enquanto no Brasil – Rio, Salvador, Recife, Olinda ou onde quer que seja – os participantes dos desfiles e aqueles que assistem aos desfiles dançam ao som da bateria que batuca incessantemente ou da charanga que entoa as músicas populares, na Louisiana os músicos tocam, os participantes desfilam e o povo escuta, no máximo acompanhando o ritmo com os pés batendo no chão. 
As marcas registradas do Mardi Gras são os desfiles com jeito de banda militar, as máscaras de gesso, as cheerleaders (garotas uniformizadas que fazem evolução à frente dos carros alegóricos a exemplo do que fazem nos intervalos das grandes competições esportivas americanas), negros trajando um figurino utilizado há mais de cem anos evoluindo por entre os carros, e algumas moças, na maioria universitárias, mostrando instantaneamente os seios em troca de ganharem colares de contas para cobri-los novamente.
E haja camelôs para vender colares...   







PRIMEIRA LIGA A PERIGO

 
Em quase todos os países do mundo onde se pratica um futebol de competição os torneios e campeonatos são administrados por uma liga que representa os clubes, e não pela confederação nacional, que existe apenas para cuidar dos negócios das suas seleções.
O Brasil é então uma honrosa exceção, posto que a CBF não quer perder o controle da situação – que lhe rende, aliás, além de muita influência política, também uma polpuda soma de dinheiro – e não tem jeito de desocupar a mata.
Historicamente, a CBF mantém o domínio da situação e mantém os clubes na palma da mão, sempre usando da brasileiríssima prática do “toma lá, dá cá”, tratando os presidentes das agremiações de maneira paternalista e aparelhando devidamente toda a máquina do futebol a seu bel prazer.
Para tanto, mantém sob rédea curta o Supremo Tribunal de Justiça Desportiva e a Comissão de Arbitragem, duas entidades que podem admitir dois pesos e duas medidas dependendo de para onde o vento da CBF soprar.
Mantém também sob controle todas as Federações do país e, por extensão, os presidentes de clubes de todas as divisões nacionais.
Em alguns momentos da história alguns poucos dirigentes tentaram fundar a sua própria liga e trabalhar na organização dos eventos de futebol entre os próprios clubes, mas a falta de união entre os representantes sempre fez naufragar as ideias e a administração continuou concentrada na CBD ou na CBF.
Acomodados com a situação, dirigentes dos clubes se baseiam em exemplos malsucedidos, como a cisão que enfraqueceu a seleção nacional em 1930 e 1934 e a necessidade de ser fazer um torneio alternativo em 2000 – a Copa João Havelange – que criou um impasse na realização do Campeonato Brasileiro. Preferem, portanto, deixar a coisa como está.
O problema gerado em 2000 fez surgir o Clube dos 13, cujo nome oficial é União dos Grandes Clubes do Futebol Brasileiro, e que na prática funciona apenas para negociar cotas de patrocínio com as emissoras de televisão. Por causa dessa disfunção, o Clube dos 13 perdeu as características iniciais e não demorou em congregar 20 clubes, que foram escolhidos tendo como base um ranking apresentado pela CBF, o que de per si já é um imenso contrassenso para quem queria ser independente.
Enquanto os clubes parecem ser dirigidos por trapalhões – e só essa possibilidade justifica a penúria por que passa a maioria deles – a CBF é muito rica e dirigida por delinquentes, e isto fica claro considerando a prisão do seu ex-presidente e as investigações em outros dirigentes do mesmo quilate.
Evidentemente algo precisa ser feito para dar qualidade, credibilidade e conforto financeiro para os clubes brasileiros que disputam alguns dos mais importantes torneios do mundo. A fundação de uma liga sólida, bem dirigida e isenta pode ser um bom começo. 
Assim surgiu a Primeira Liga, uma rebelião encabeçada pelo Coritiba que contou com a adesão do Atlético Paranaense e de alguns clubes do Rio, Minas, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, começando com a disputa da Copa Sul-Minas-Rio entre 27 de janeiro e 31 de março deste ano.
O torneio começou cheio de gás, mas não se sabe se irá terminar.
A Primeira Liga foi considerada irregular pela CBF por invadir as datas do seu calendário a partir de fevereiro. A CBF diz tratar os jogos até aqui realizados como simples amistosos e ameaça recorrer à Fifa caso os clubes fundadores da liga resolvam ir adiante, prometendo punições seríssimas se eles insistirem no assunto.
A Confederação aceita a ideia de uma liga independente gerir torneios independentes, mas prefere que isto aconteça a partir de 2017, pois acha que o assunto foi tratado de forma intempestiva e que merece um estudo mais aprofundado, inclusive no que diz respeito às taxas de arbitragem, taxas de administração dos estádios onde ocorrerem as partidas, taxas disso, taxas daquilo e a importante cerimônia do beija-mão.
Em outras palavras, a CBF quer uma liga autônoma que conte com o seu consentimento.
Está mesmo na hora de os clubes formarem uma liga para gerir seus próprios destinos, mas o assunto é complexo e na realidade merece um estudo mais detalhado para que uma cisão abrupta não venha a entornar de vez o caldo já ralo e sem sabor em que está se transformando o futebol tupiniquim.
                                                                                                   
 (Artigo publicado no caderno SuperEsportes do jornal O Imparcial de 05/02//2016)
 

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016








O CARNAVAL DOS OUTROS
Primeira parte

O carnaval brasileiro é o mais famoso do mundo, dizem as boas e más línguas.
Não chega a haver controvérsias, inclusive pela opinião das autoridades no assunto, cronistas mundanos e turismólogos em geral, mas é bom a gente saber, do alto da nossa proverbial verdade, que existem outros Carnavais que não estes cantados pelos sambas de enredo, pelas marchas-rancho, pelas marchinhas, pelos sambas de carnaval, pelo frevo e pelo maracatu, e atualmente pelos ritmos baianos, gostem-se deles ou não.
Enquanto as escolas de samba invadem as madrugadas rasgando as passarelas do Rio de Janeiro, São Paulo e outras capitais brasileiras, e enquanto animados blocos desorganizados vão arrebanhando foliões avulsos pelas esquinas movimentadas das grandes metrópoles ao som de uma charanga improvisada, outras partes do mundo vão fazendo a sua parte.
Afinal, é Carnaval, uma festa que dizem ter seu nome originado no latim “carnis levale”, “adeus à carne”, ou seja, “adeus aos prazeres da carne”, ironicamente produzida num período de cinco dias onde a carne (sem trocadilho) abunda.
Apesar de o nome ser derivado do latim, historiadores acham que o evento começou a ser festejado na Grécia entre 600 e 520 a.C., nos cultos onde se agradecia aos deuses pela fertilidade da terra, isto é, gandaia não é coisa dos nossos dias.
Nas grandes confraternizações populares da Grécia daquela época, aí incluindo os Jogos Olímpicos, os protagonistas participavam totalmente nus, vindo talvez daí o feitio dos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro – aquilo que a televisão não mostra.
A tradição do carnaval grego se espalhou pelo mundo e cada povo passou a festejar de acordo com os seus próprios costumes. A Igreja Católica autorizou a comemoração pagã nos dias que antecediam a quaresma, quando as coisas seriam recolocadas nos eixos. Ao que tudo indica isso aconteceu ao redor de 590 d.C.
De acordo com a tradição, depois do período da orgia deve haver um período de abstinência, jejum e meditação – que no Brasil é usado para começar a temporada de carnavais fora de época.
O carnaval, proposto em diferentes formas, faz parte da comemoração de diversos países. Alguns tipos de Carnaval são claramente baseados nos festejos do Rio de Janeiro, é certo, mas outros se baseiam em origens próprias e diferem em forma e conteúdo.
O que existe de semelhante em todos eles é a data da celebração, baseada na quaresma, que marca quarenta dias de jejum – período que Cristo passou jejuando no deserto, antecedendo o domingo de Páscoa, cuja data é fixada como o primeiro domingo depois do aparecimento da primeira lua cheia na primavera do hemisfério norte (confuso, não?).
Apesar dos relatos históricos que atestam a origem grega dos festejos, a história moderna situa o início das festividades a partir da implantação da Semana Santa pela Igreja Católica no século 11, antecedidas pelos quarenta dias de jejum, a chamada quaresma.
Assim, “carnis levale” significava um adeus temporário aos prazeres deste mundo durante quarenta dias de jejum e abstinência, e para tanto os homens faziam grandes “festas de despedida”, evidentemente com muita esbórnia e salve-se-quem-puder.
O carnaval da antiguidade durava uma semana e era marcado por grandes festas onde se dançava, comia e participava de alegres libações. Os escravos ganhavam uma semana de licença para fazerem o que bem entendessem e o próprio rei entrava na farra junto com a patuléia – daí surgindo possivelmente a figura do Rei Momo.
Hoje, pelo menos pelo que se observa no Brasil, aquele rei é representado por alguns governantes e algumas celebridades que evitam o contato direto com o povo e preferem se isolar nos camarotes especiais das cervejarias ou frequentar bailes de gala isolados, cuja participação se restringe a convidados especiais.
Mas os “escravos” continuam tendo a sua semana de folga.  






O IDIOTA

O que leva algumas pessoas a cometer certas tolices impensáveis e impensadas, podendo causar problemas tão sérios que às vezes se tornam impossíveis de resolver?
Será que o velho aforismo de que “todos nós temos na vida cinco minutos de bobeira” se aplica a isso?
Há idiotas que num lance único põem a perder a reputação, o emprego ou uma fortuna adquirida (e até a vida, como não?), porque não pensaram antes na tolice que iriam cometer.
Cabem aqui vários exemplos dispersos de idiotice momentânea, como um voto consagrado ao político errado, a traição conjugal mal disfarçada, uma frase dita na hora errada, uma palavra mal colocada numa entrevista de emprego ou até a negativa de participar do bolão do escritório por não querer gastar cinquenta dinheiros e agora ter que se conformar em ver todos os seus companheiros de trabalho ricos e continuar pobre e objeto de chacotas.
Na semana passada o futebol brasileiro foi brindado com o que há de supremo em termos de idiotice, com a participação especial do supervisor (agora ex-supervisor) de futebol do Cruzeiro, Benecy Queiroz.
Benecy provavelmente será aclamado o “O contista do Ano”, um eufemismo que encontramos para denominar “O Idiota do Ano”, pela sua facilidade de inventar e desinventar histórias. Isso, sem prejuízo do que lhe possa acontecer na justiça desportiva.
O senhor Benecy contou uma história rocambolesca envolvendo até o nome do antigo treinador Ênio Andrade, que por já ter falecido não terá oportunidade de dar a sua versão do caso.
Numa entrevista dada a um programa da Rede Minas de Televisão, o contista, querendo provar a sua tese de que existem resultados fabricados no futebol, jactou-se de ter participado da operação da compra de um resultado numa partida do Cruzeiro, sendo que o árbitro que teria recebido o dinheiro acabou não cumprindo com o combinado, deixando de assinalar um pênalti prometido. Com isso, Benecy comprometeu o seu nome, o nome póstumo de Ênio Andrade, o seu clube – o Cruzeiro – e o árbitro que faz parte do elenco, caso eventuais investigações policiais consigam identificá-lo. 
No seu relato, Benecy Queiroz citou alguns detalhes como o nome de um jogador – o goleiro Vitor – e a forma como o árbitro conduziu a partida, marcando faltas no meio do campo e impedindo a equipe adversária (de nome ainda desconhecido) de se lançar ao ataque. Mas não marcou a penalidade que daria a vitória do clube celeste.
É claro que não faltou pressão quando a falação terminou: pressão da diretoria do Cruzeiro, de amigos e familiares, de atleticanos querendo mostrar como as coisas funcionam no lado do rival e da própria imprensa, ávida por mais detalhes para fazer subir o nível de audiência dos seus programas neste início de ano meio morno.
É claro que também não faltou a curiosidade do Tribunal de Justiça Desportiva, que quer tirar tudo isso em pratos limpos, prometendo ir a fundo em cima do Benecy e do próprio Cruzeiro, conforme prega a legislação.
Quando caiu a ficha, Benecy viu que havia cometido o ato mais idiota da sua vida, tremeu na base e voltou à Rede Minas de Televisão para desmentir a história, dizendo constrangido que tudo não havia passado de invenção da sua parte.
O dirigente, que atua no clube celeste há 45 anos, lamentou muito que tivesse feito tal brincadeira, se desculpou com a imprensa e com a torcida do Cruzeiro e prometeu “desacelerar” suas funções por orientação médica – obviamente um eufemismo para justificar a sua demissão do cargo.
Voltamos então à primeira pergunta: o que teria levado um dirigente tão antigo e aparentemente equilibrado fazer uma declaração tão esdrúxula? Quem, em sã consciência vai à televisão relatar um crime – ou um projeto criminoso – do qual participou, antecipando nomes, época e detalhes para depois ter a necessidade de desmentir tudo?
Só mesmo um grandíssimo idiota...     


    

(artigo publicado no caderno Super Esportes do jornal O Imparcial de 29/01/2016)