quinta-feira, 26 de dezembro de 2013





UMA AVENTURA DE NATAL

 

Nem bem tinha fechado os olhos quando o relógio o despertou.
Dez da noite.
O sono lhe fora pesado e curto.
Os dias de tensão, as noites de vigília, a semana inteira ordenando as idéias, cigarro após cigarro pensando na noite de Natal, na importância da noite de Natal, no presente de Papai Noel.
O tilintar do relógio despertador lhe pareceu o badalar de sinos dentro da caixa craniana, o sobressalto lhe assaltando, a adrenalina concentrada, os nervos em pandarecos.
Mas tinha que se controlar. Não era hora de ficar nervoso, o Natal está a poucas horas, a vestimenta de Papai Noel lhe está sorrindo, acenando e pedindo calma.
Pensou em ficar ainda mais um pouco deitado, dormitando, bem agora que o corpo havia encontrado a posição ideal, nenhum mosquito pra incomodar, aquela preguiça, aquela lassidão.
Mas não podia, queria mas não podia, o dever gritava nos seus ouvidos – hoje é noite de Papai Noel!
Ergueu-se como uma mola.
Se continuasse deitado iria dormir de novo, iria perder a hora e então, adeus sonho, adeus Papai Noel.
No canto, amarfanhada, a roupa vermelha e a ridícula barba branca.
Pensou se não teria sido mais fácil ter deixado crescer a própria barba, embora negra e hirsuta, e depois pintá-la ou passar água oxigenada nos pelos grossos, mas a idéia lhe foi repugnante.
Dentro da cabeça a expectativa crescendo, tremendo, fremindo, nesta noite de pura emoção. Outro cigarro aceso.
Lá fora, a grande noite, o céu estrelado, o vento brando, alguns foguetes espocando aqui e ali, prenúncio de uma grande noite de Natal.
Aqui, a túnica vermelha com alguns fios esgarçados pelo uso, os apliques brancos, a bota preta precisando de uma demão de graxa. No canto, dependurada num prego na parede, a barba branca continuava sorrindo aquele sorriso sem boca, aquele sorriso de Papai Noel.
Aos trinta e dois anos, mais do que nunca, acreditava em Papai Noel.
E nunca Papai Noel lhe fora tão importante, nunca marcara sua vida com tanta tinta como nesta noite de Natal, como uma pintura impressionista.
Agora não era mais um simples e puro sonho de criança, aquele encanto de ficar acordado até que lhe aparecesse o presente, o pacote cheio de laços, a surpresa envolta em papel de seda e celofane crepitante, aquela bobagem de renas puxando o trenó, de chaminés, a meia dependurada na árvore e o sapato na janela.
Agora era real, era vestir a fantasia, colocar a barba, enfiar o capuz até o meio da testa, calçar as botas um número mais largas, apanhar o saco cheio de coisas e partir para a maior noite da sua vida.
Primeiro vestiu a calça fofa, depois enfiou as botas e os dedos dançaram naquele espaço imenso. Depois a túnica. Havia uma mancha de gordura bem do lado esquerdo, foi aquele Papai Noel da lanchonete da última quarta-feira, aquele menino gordinho que deixou cair maionese daquele maldito cachorro quente – onde já se viu comer cachorro quente com maionese?, isto é coisa de americano.
Foi ao espelho e, com muito cuidado começou a colocar a barba, amarrada de um lado e colada de outro, puxa, não sabia que isto era tão complicado!, o nariz parecendo mais vermelho e finalmente o sorriso branco, confiante e feliz.
Agora o capuz. Tomara que não vá atrapalhar, com aquele pom-pom grotesco balançando na ponta – ele continuava achando absurdo alguém usar este tipo de chapéu, nem o verdadeiro Papai Noel com seus mil e seiscentos anos de idade dirigindo seu trenó e suas renas pelas planícies geladas da Lapônia, nem o próprio Polichinelo.
Olhou as horas.
Analisou o conteúdo do saco. Tudo certo.
Olhou novamente para o relógio.
Onze e trinta e cinco. Lá fora um cachorro late, e surge um som ruidoso de canções de Natal com harpa paraguaia, meio fora de moda, gosto duvidoso.
Está na hora de sair.
Puxa o saco não tão pesado para os ombros, levanta os olhos para o teto como se mirasse a abóboda da Capela Sistina, como se pedisse aos céus que esta noite fosse, de fato, a noite mais feliz da sua existência.
Aproxima-se da porta.
Então, o vendaval.
A porta se abre para dentro com um estrondo, o mundo desabando sobre a sua cabeça, as estrelas da Sistina dançando ao seu redor, homens gritando, armas, mãos para o alto, “quieto, se não quiser morrer!”
Papai Noel com as mãos na parede, somente agora ele notou que tinha se esquecido de calçar as luvas, os olhos esbugalhados, o suor escorrendo por dentro da barba, o rim doendo pela pancada da coronha bem manejada, no rosto o ríctus doloroso.
“Tá preso, assaltante safado!”
O plano havia sido descoberto.
No chão, o saco revirado mostra algumas ferramentas, algumas folhas de jornais velhos, uma pistola trinta e oito, dois rolos de esparadrapo, uma bomba caseira de má fabricação e seu amuleto da sorte, uma ferradura de verdade com uma fita vermelha amarrada num dos furos.
O cachorro ainda late, mas agora se ouve o Messias de Haendel.
Bate a meia-noite na noite de Natal.
Sinos repicam marcando a hora da Missa do Galo, o movimento é pequeno, mas sente-se no ar um certo burburinho, como se estivéssemos dentro de uma garrafa de champanhe.  
Na esquina, próxima ao Banco imponente, todo revestido de mármore preto, um rapaz está encostado ao poste. Ajeita o boné para frente e enfia a mão no bolso, nervosamente. Olha para os lados atentamente, como um gato.
A uns cem metros, ao lado de uma placa de estacionamento proibido, junto ao meio-fio pintado de amarelo, dentro de um carro escuro, dois homens se questionam – “não está na hora? – e fumam impacientes, a fumaça toldando o espelho retrovisor.
Em frente ao Banco passa vagarosamente um outro rapaz, disfarçando alguma coisa, olhando para os lados, ansioso. Consulta o relógio sob a luz do poste, os sinos batem, os ponteiros se encontram.
Todos estão esperando por Papai Noel.
Ao longe, os sinos continuam repicando, se confundindo com o som da sirene que se aproxima.

 

 

 

 

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013


  

ET INTERPRETATIONEM IUSTICIAE

 

O futebol brasileiro termina o ano convulsionado, cheio de acusações, de ameaças e de direitos defendidos e contestados.
Tudo porque o regulamento do Campeonato Brasileiro, cujo texto foi produzido em comum acordo por todos os representantes dos clubes disputantes, parece que não foi escrito nem lido com atenção ou não foi corretamente compreendido por muitos dirigentes. Dirigente desatento – ou esperto demais – é prenúncio de confusão.
Não vou entrar em detalhes sobre um assunto que é de domínio público e que foi coberto durante boa parte da semana pelos jornais, rádios, emissoras de televisão e redes sociais, mas posso resumir que em princípio o Fluminense jamais reivindicou os pontos da Portuguesa – quem o fez, estranhamente, foi o procurador geral do STJD, Paulo Schmidt, assim que terminou a rodada.
Naquele instante, o Fluminense era só lágrimas e desespero.
A centelha de esperança veio quando o clube ficou sabendo da acusação do procurador, que de uma maneira inédita se antecipou a qualquer recurso e, considerando a sua posição, praticamente decretou o rebaixamento da Portuguesa para a Série B antes mesmo do julgamento. O resto – a votação unânime posterior – foi apenas uma consequência do seu posicionamento.
Ocorre que a CBF não publicou seu boletim em tempo hábil para que a Lusa tomasse conhecimento da penalidade de forma oficial – e a CBF é portanto coautora do delito. Ocorre também que a lei do STJD está em desacordo com o Estatuto do Torcedor (Lei Federal 12.299, de 15/05/2003) e um recurso impetrado pela Portuguesa evocando o texto do Estatuto pode tornar a decisão do STJD nula.
De acordo com juristas proeminentes, as leis esportivas podem regulamentar as competições, mas não são leis e não têm força de lei, devendo portanto, em caso de interpretações discordantes, se submeter à lei magna.
De acordo com informações colhidas aqui e ali, o Brasil é um dos países com o maior número de leis e medidas provisórias que acabam tendo força de lei. Existe uma Constituição Federal que á a mãe de todas as leis e, embora cada estado ou município possa promulgar as suas (que muitas vezes entram em choque com a lei maior), eles não podem passar por cima da Carta Magna.  
O mesmo acontece com aqueles que redigem regulamentos esportivos, regras de condomínios, estatutos de associações recreativas, e quejandos, mas como seus artigos são geralmente feitos em comum acordo entre dirigentes e associados, são poucas as vezes em que as decisões tomadas em função dessa lei menor são contestadas em nome da Constituição.
Eu, pessoalmente, sou avesso a recursos e a recursos sobre recursos no que diz respeito ao futebol, e acho que os resultados obtidos no campo não deveriam ser alterados a não ser que acontecesse um erro de direito, como por exemplo um time atuar com mais de onze atletas ou quando o árbitro toma decisões estapafúrdias por um total desconhecimento das regras.
Acredito que a punição mais correta, em nome da credibilidade do futebol e do respeito ao público torcedor, seria manter todos os resultados e pontos obtidos em campo, penalizando o clube declarado infrator com a perda de um determinado número de pontos quando do início do próximo torneio da mesma categoria.
Qualquer coisa que venha acontecer agora, quer favorecendo o Fluminense quer favorecendo a Portuguesa, já manchou indelevelmente o nome do Campeonato Brasileiro de 2013.

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Estarei de licença durante a época natalina e início do ano. Gol de Placa estará de volta no dia 27 de janeiro de 2014.
Desejo aos leitores e companheiros de O Imparcial, um Feliz Natal, Boas Festas e um ano novo de saúde, paz e prosperidade.  

                                                                                                 Augusto Pellegrini