Foto: Os Oito Batutas em 1922. Pixinguinha é o primeiro, em pé, à esquerda.
AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)
CAPÍTULO 19 - O BRASIL NA ERA DO SWING
(continuação)
Alguma coisa do jazz conseguiu chegar timidamente ao Brasil no início dos anos
1920 através de uns poucos discos dos estilos dixieland e chicago que
se concentraram principalmente no Rio de Janeiro – em algumas lojas e nãos mãos
de colecionadores – mas a invasão jazzista não evoluiu muito além disso. O impacto
causado pelo jazz no Brasil poderia ter sido maior, mas os intelectuais
brasileiros que frequentavam as altas rodas na Europa ou cursavam faculdades na
França e na Inglaterra, apesar de manterem um contato regular com a novidade
através do charleston, do jazz
tradicional e das orquestras que tocavam os primeiros acordes do swing, viam a música apenas como mais um
entretenimento social. A grande maioria destes intelectuais brasileiros não era
devotada à música, mas à medicina, à diplomacia, ao direito ou à literatura, e
os poucos músicos de referência eram mais voltados para a produção erudita.
Além do mais, ao
contrário da Europa, onde a música popular não se renovava havia séculos, a
música popular brasileira era quente e emergente, estava sendo praticamente descoberta
no início do século vinte e procurava formatar a sua própria identidade, o que
dificultava o seu atrelamento a um gênero musical vindo de fora das suas
fronteiras.
No entanto, é bom
que se frise que Alfredo da Rocha Vianna Filho, o Pixinguinha, esteve em Paris
com Os Oito Batutas em 1922, onde chegou a interagir com algum tipo de jazz.
Ele ficou por lá durante seis meses e levou um repertório composto de samba,
maxixe e choro, trazendo de volta na bagagem algum charleston, ragtime e shimmy (uma espécie de dança na qual a
pessoa mantinha o corpo ereto e apenas movia os ombros, famosa na época com a
música de Spencer Williams “Shim-Me-Sha-Wabble”, de onde provém o seu nome).
E, apesar da pouca
penetração que o jazz tinha nos ouvidos brasileiros, posto que no Brasil havia na
época uma profunda xenofobia que torcia o nariz para as artes externas (mais
tarde exacerbada pela Semana de Arte Moderna) existiam formações,
principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, que misturavam samba, maxixe e
músicas americanas e se autodenominavam “orquestras de jazz”, como a do
violinista Dante Zanni, a Jazz Manon, a Jazz Band do Batalhão Naval, a Jazz
Band Sul-Americano do saxofonista Romeu Silva, o Jazz Band Andreozá, o Jazz
Band República, o Jazz Band Salvans, a Jazz Band Imperador, a Orquestra Ragtime
Fuseflas e a Carlitos et Son Orchestre, do baterista Carlos Blassifera, que acabou
indo para a França, onde se radicou em 1926. Mas, mesmo com esta pequena troca
de experiências, o que no Brasil se chamaria de jazz se resumiu a algumas
poucas tentativas imitativas mais ou menos canhestras.
A nossa cultura
musical, assim como acontece com outros aspectos da cultura brasileira, se
apoiava em um tripé que tinha a origem no índio nativo, no negro escravo e no
português colonizador.
O índio foi o
responsável pela criação do instrumento percussivo básico; o negro nos brindou
com o canto, os semitons, a dança e a alma, a ginga e a malícia; e o português
nos trouxe da Corte os instrumentos musicais – piano, violão, violino, e
posteriormente os metais e as madeiras – e nos presenteou com a teoria musical
europeia.
Um país preocupado
em descobrir a sua própria musicalidade não parecia ser o local apropriado para
que uma outra música – já elaborada, recém-criada e absolutamente diferente de
quase todos os matizes que faziam parte da nossa identidade na época – pudesse
chegar e se desenvolver.
Dizemos “quase”
todos os matizes porque o legado que o negro escravo no Brasil deixou para a
música foi, em essência, o mesmo legado que a música americana recebeu do negro
escravo que para lá foi mandado.
A participação do
negro na música popular brasileira foi antiga e decisiva.
A exemplo dos hollers da América, no Brasil se
exercitavam os pregões (outra herança de Portugal), e em contraposição aos spirituals e gospels o Brasil respondeu com rituais de cunho religioso, de onde
surgiram congadas, maracatus e afoxés – que surpreendentemente deram origem a
uma cultura pagã ao desembocarem nas escolas de samba a partir de 1928.
Muitas pessoas do
povo, boa parte deles negros, se encontravam nas esquinas e nos quintais para
fazer música popular já durante os séculos dezoito e dezenove, antes mesmo que
os seus pares americanos se juntassem para organizar as suas spasm bands. Estes músicos deram início
à organização dos sons e dos ritmos populares, e sem dúvida anteciparam o que
viria a ser, no futuro, a música popular brasileira.
Estas bandas
incipientes eram compostas por “músicos” que utilizavam uma grande variedade de
instrumentos não oficiais, muitos deles totalmente fora de propósito – bambus,
folhas de metal retorcidas, troncos de árvores ocos, ossos, chifres, artefatos
de cerâmica, apitos e flautas rudimentares – que pouco a pouco foram sendo
substituídos por instrumentos de verdade, para chegarem às portas do século vinte
relativamente organizadas em forma de bandas.
Apesar da
participação do negro tanto lá como cá, a distância que separava a música americana
da música brasileira no início do século vinte não era só física, mas também
estrutural.
A música americana
tomou o caminho do jazz através de uma série de circunstâncias e de fatores
sociais, históricos e religiosos, como as work
songs (canto que cadenciava o trabalho dos escravos), o lamento profano do blues, a louvação religiosa dos spirituals, as marchas militares, o fim
da guerra civil e da escravidão e – finalmente – o ragtime e toda a influência cosmopolita de Nova Orleans. Ela também
foi influenciada sobremaneira pela a expressão vocal africana e sua escala
musical intuitiva.
Como no Brasil não
houve esta mesma diversidade de fatores, a influência maciça foi mesmo a dos
hábitos cultivados em Lisboa e no Rio de Janeiro, e da música introduzida pelos
portugueses, como a modinha e a polca. É claro que também houve a influência da
expressão musical africana, mas ela se fez principalmente na forma de ritmo e
pulsação.