sábado, 28 de novembro de 2020

 


RESSACA

 

                                            Ora levanto, ora deito
                                            Certas horas da manhã
                                            Que sinto dentro do peito
                                            O negror da vida chã

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

 


NOVOCABULÁRIO INGLÊS

(Copyright FluentU) 

(ver tradução após o texto) 

HOOKED 

If you’re HOOKED ON SOMETHING, or just HOOKED, it means that you’re addicted to something and you can’t get enough. You can be HOOKED on chocolate, basketball, a new TV show, a singer or even something more dangerous like smoking or taking drugs. It’s something you enjoy so much that you are unable to stop having, watching, doing or feeling. 

 

            “I love the new sitcom with James Franco. I’m HOOKED, already.”

 

            “You’re HOOKED ON that guy, and it’s not healthy. He is married, you know.”

           

            “I’m really HOOKED ON classical music!”                     

                          

 

TRADUÇÃO

 

VICIADO

Se você está VICIADO alguma coisa, isto significa que você está dependente de algo do qual você não consegue se livrar. Você pode estar VICIADO em chocolate, em basquetebol, num novo programa de televisão, num cantor, ou mesmo em algo mais perigoso como fumar ou consumir drogas. É alguma coisa que você gosta tanto, que você não consegue parar de ter, olhar, fazer ou sentir.”  

 

“Eu adoro o novo seriado com James Franco. Eu já estou VICIADO nele.”

“Você está DEPENDENTE daquele sujeito, e isso não é bom pra você. Você sabe que ele é casado.”

“Eu sou VICIADO em música clássica!”

 

 

   

 


AS CORES DO SWING
            (Livro de Augusto Pellegrini)

CAPÍTULO 19 - O BRASIL NA ERA DO SWING
            (continuação)

Foi dos portugueses que recebemos todo um embasamento harmônico e tonal, além dos instrumentos europeus populares mais característicos, como o piano, o bandolim (que derivou para o cavaquinho), o violão, e em menor escala o contrabaixo, o clarinete e o violino.

Dos portugueses também adquirimos a noção de síncope, harmonia e composição. Estes elementos, com a adição do pandeiro originário da Espanha e da percussão peculiar criada pela junção do índio e do negro, deram à nossa música popular a identidade que faltava, fazendo surgir a “música dos barbeiros” ou “dos alfaiates” – pontos onde os músicos se reuniam para tocar – o que seria responsável pelo aparecimento do choro.

Se o jazz baseava toda a sua sonoridade no blues (sua divisão particular, suas notas dissonantes e sua batida invertida com relação à marcha), a sonoridade da música brasileira composta no início do século vinte deve muito às modinhas, às canções romanescas e elegias, e às quadrinhas populares satíricas e maliciosas conhecidas por lundu.

A música que serviria como futura referência – o choro, ou chorinho – nasceu por volta de 1870, na mesma época em que o jazz começava a ser forjado para representar o que seria a música americana do novo século. O choro despontou como um jeito brejeiro de interpretar a música europeia dançante e acabou se impondo como o primeiro gênero musical genuinamente brasileiro.

O choro era composto e executado tanto por instrumentistas populares dotados de muita imaginação e virtuosismo (embora muitos deles não possuíssem educação musical formal) como por compositores eruditos de grande reconhecimento público, o que vem demonstrar a enorme abrangência que esta música teve entre os aficionados da arte musical.

A nossa primeira geração de chorões, ainda no século dezenove, inclui nomes como Joaquim Antônio da Silva Calado, Viriato Figueira da Silva e Luiz Virgílio da Silveira. Já o início do século vinte trouxe Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazareth, João Pernambuco, Anacleto Augusto de Medeiros, José Gomes “Zequinha” de Abreu e Alfredo da Rocha Vianna Filho, o Pixinguinha.

Apesar de os músicos brasileiros da época jamais terem rotulado a sua música como “jazz”, algumas bandas que interpretavam o choro – e também o samba, o lundu, a polca e o maxixe (que eufemisticamente era também chamado de “tango brasileiro” para fugir da má reputação que lhe era atribuída) – se autodenominavam “jazz bands”.

Estas “jazz bands” não possuíam uma noção muito exata do verdadeiro jazz que era tocado nos Estados Unidos, e para justificar a sua denominação, incluíam no seu repertório uma série de fox-trots e alguns sucessos do ragtime. Algumas das bandas chegaram a determinar também um lineup composto por clarinete, trombone e trompete, muito semelhante ao das bandas de jazz tradicional, sem, no entanto, apresentarem um resultado musical que fosse condizente com o jazz de Nova Orleans ou Chicago.

Como resultado, no final dos anos 1920, enquanto as jazz bands brasileiras ainda tentavam produzir um arremedo do jazz de Nova Orleans, os americanos já haviam passado esta etapa e vivenciavam a Era do Swing.

Este fenômeno está detalhado no livro “Jazz – Das Raízes ao Pós Bop” (2004, Editora Códex, São Paulo-SP), de minha autoria, conforme abaixo transcrito da página 348:

Também eram interpretadas outras músicas trazidas do cancioneiro norte-americano, mas que não podiam ser efetivamente traduzidas como música de jazz, da qual, na prática, continham apenas o nome, a origem e as blue notes.

Enquanto o jazz era produzido e consumido nos Estados Unidos e na Europa, e já havia percorrido alguns estágios, partindo dos estilos dixieland e chicago, e começava a sua iniciação no swing, o que se fazia no Brasil era apenas um reflexo distante desta última tendência”.

Por este e por outros motivos que deram origem a um nacionalismo crescente, como será visto adiante, o swing – mola propulsora do jazz durante a década de 1930 e boa parte da década de 1940, acabou jamais acontecendo no Brasil na mesma medida em que acontecia nos Estados Unidos ou na Europa.

Quando o Brasil abriu os olhos e os ouvidos para o jazz, o swing já havia cedido espaço para o bebop e suas consequências.

 

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

 

        Foto: Os Oito Batutas em 1922. Pixinguinha é o primeiro, em pé, à esquerda.

AS CORES DO SWING
            (Livro de Augusto Pellegrini)

CAPÍTULO 19 - O BRASIL NA ERA DO SWING
            (continuação)

Alguma coisa do jazz conseguiu chegar timidamente ao Brasil no início dos anos 1920 através de uns poucos discos dos estilos dixieland e chicago que se concentraram principalmente no Rio de Janeiro – em algumas lojas e nãos mãos de colecionadores – mas a invasão jazzista não evoluiu muito além disso. O impacto causado pelo jazz no Brasil poderia ter sido maior, mas os intelectuais brasileiros que frequentavam as altas rodas na Europa ou cursavam faculdades na França e na Inglaterra, apesar de manterem um contato regular com a novidade através do charleston, do jazz tradicional e das orquestras que tocavam os primeiros acordes do swing, viam a música apenas como mais um entretenimento social. A grande maioria destes intelectuais brasileiros não era devotada à música, mas à medicina, à diplomacia, ao direito ou à literatura, e os poucos músicos de referência eram mais voltados para a produção erudita.

Além do mais, ao contrário da Europa, onde a música popular não se renovava havia séculos, a música popular brasileira era quente e emergente, estava sendo praticamente descoberta no início do século vinte e procurava formatar a sua própria identidade, o que dificultava o seu atrelamento a um gênero musical vindo de fora das suas fronteiras.

No entanto, é bom que se frise que Alfredo da Rocha Vianna Filho, o Pixinguinha, esteve em Paris com Os Oito Batutas em 1922, onde chegou a interagir com algum tipo de jazz. Ele ficou por lá durante seis meses e levou um repertório composto de samba, maxixe e choro, trazendo de volta na bagagem algum charleston, ragtime e shimmy (uma espécie de dança na qual a pessoa mantinha o corpo ereto e apenas movia os ombros, famosa na época com a música de Spencer Williams “Shim-Me-Sha-Wabble”, de onde provém o seu nome).

E, apesar da pouca penetração que o jazz tinha nos ouvidos brasileiros, posto que no Brasil havia na época uma profunda xenofobia que torcia o nariz para as artes externas (mais tarde exacerbada pela Semana de Arte Moderna) existiam formações, principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, que misturavam samba, maxixe e músicas americanas e se autodenominavam “orquestras de jazz”, como a do violinista Dante Zanni, a Jazz Manon, a Jazz Band do Batalhão Naval, a Jazz Band Sul-Americano do saxofonista Romeu Silva, o Jazz Band Andreozá, o Jazz Band República, o Jazz Band Salvans, a Jazz Band Imperador, a Orquestra Ragtime Fuseflas e a Carlitos et Son Orchestre, do baterista Carlos Blassifera, que acabou indo para a França, onde se radicou em 1926. Mas, mesmo com esta pequena troca de experiências, o que no Brasil se chamaria de jazz se resumiu a algumas poucas tentativas imitativas mais ou menos canhestras.

A nossa cultura musical, assim como acontece com outros aspectos da cultura brasileira, se apoiava em um tripé que tinha a origem no índio nativo, no negro escravo e no português colonizador.

O índio foi o responsável pela criação do instrumento percussivo básico; o negro nos brindou com o canto, os semitons, a dança e a alma, a ginga e a malícia; e o português nos trouxe da Corte os instrumentos musicais – piano, violão, violino, e posteriormente os metais e as madeiras – e nos presenteou com a teoria musical europeia.

Um país preocupado em descobrir a sua própria musicalidade não parecia ser o local apropriado para que uma outra música – já elaborada, recém-criada e absolutamente diferente de quase todos os matizes que faziam parte da nossa identidade na época – pudesse chegar e se desenvolver.

Dizemos “quase” todos os matizes porque o legado que o negro escravo no Brasil deixou para a música foi, em essência, o mesmo legado que a música americana recebeu do negro escravo que para lá foi mandado.

A participação do negro na música popular brasileira foi antiga e decisiva.

A exemplo dos hollers da América, no Brasil se exercitavam os pregões (outra herança de Portugal), e em contraposição aos spirituals e gospels o Brasil respondeu com rituais de cunho religioso, de onde surgiram congadas, maracatus e afoxés – que surpreendentemente deram origem a uma cultura pagã ao desembocarem nas escolas de samba a partir de 1928.

Muitas pessoas do povo, boa parte deles negros, se encontravam nas esquinas e nos quintais para fazer música popular já durante os séculos dezoito e dezenove, antes mesmo que os seus pares americanos se juntassem para organizar as suas spasm bands. Estes músicos deram início à organização dos sons e dos ritmos populares, e sem dúvida anteciparam o que viria a ser, no futuro, a música popular brasileira.

Estas bandas incipientes eram compostas por “músicos” que utilizavam uma grande variedade de instrumentos não oficiais, muitos deles totalmente fora de propósito – bambus, folhas de metal retorcidas, troncos de árvores ocos, ossos, chifres, artefatos de cerâmica, apitos e flautas rudimentares – que pouco a pouco foram sendo substituídos por instrumentos de verdade, para chegarem às portas do século vinte relativamente organizadas em forma de bandas.

Apesar da participação do negro tanto lá como cá, a distância que separava a música americana da música brasileira no início do século vinte não era só física, mas também estrutural.

A música americana tomou o caminho do jazz através de uma série de circunstâncias e de fatores sociais, históricos e religiosos, como as work songs (canto que cadenciava o trabalho dos escravos), o lamento profano do blues, a louvação religiosa dos spirituals, as marchas militares, o fim da guerra civil e da escravidão e – finalmente – o ragtime e toda a influência cosmopolita de Nova Orleans. Ela também foi influenciada sobremaneira pela a expressão vocal africana e sua escala musical intuitiva.

Como no Brasil não houve esta mesma diversidade de fatores, a influência maciça foi mesmo a dos hábitos cultivados em Lisboa e no Rio de Janeiro, e da música introduzida pelos portugueses, como a modinha e a polca. É claro que também houve a influência da expressão musical africana, mas ela se fez principalmente na forma de ritmo e pulsação.

terça-feira, 24 de novembro de 2020

 


SCRATCH

ou, simplesmente

DOS NAUTAS E NAUFRÁGIOS

Conto originalmente publicado no livro “O Fantasma da FM” em 1992. 

 

Esta espécie de conto é uma elegia ao absurdo.

Quem quiser nele encontrar simbolismos, parábolas ou comparações com situações da vida real, normal, anormal ou mesmo paranormal, vai encontrar apenas um punhado de ilógica.

De lógico, apenas um fato incontestável – um balde que cai na água deve fazer “splash!”.

-0-

Cai um balde. Cai um balde vazio.

Vazio de líquido e de fluidos, porem repleto de surpresas.

“Scratch! Clang! clang!”

Vamos nos localizar no tempo e no espaço. O espaço é pequeno, embora o tempo seja eterno.

Estamos no convés de um brigue. Um bruto brigue flibusteiro, desses de assaltar passantes, caso haja passantes no mar.

Mar calmo. A brisa marinha sopra tranquila e salina, enquanto a proa da embarcação rasga a crista das ondas como num romance de Fenimore Cooper.

O marinheiro triste, mas com ares decididos, trajando blusa de malha listrada e lenço na cabeça, como nas sempiternas fantasias de pirata, fuma o seu cachimbo reto e se envolve em lilases nebulosas fazendo lembrar um barco a vapor. Ele funga e sopra, cospe de lado – porque na frente cai no pé – e – “swamp! chompp!” – joga o balde sobre as cordas que já enforcaram o enforcado.

Descanse o seu espírito (o espirito do enforcado) na mais santa e repousante paz e que seus ossos, seja no fundo do oceano ou no aparelho digestivo de um monstro qualquer, estejam leves. Amém.   

“Capitão! Capitão! Tem fantasmas neste navio!”

E vem o Barba Rubra, velho lobo do mar, surpreendentemente sem barba, seja ela rubra ou de qualquer outro matiz, e também sem tapa-olho, pois se lutas entre corsários ainda há, esperto é o comandante que delas se omite, dando lugar ao seu lugar-tenente, que de tantos lugares já está postiço e com a perna de pau.

Barba Rubra é um vivaldino, pois. Barba Rubra é apenas um codinome, quase um título, assim como o chefe Touro Sentado, pois nunca se teve notícias de que este célebre líder pele-vermelha tivesse um dia mugido. Barba Rubra é um biltre. O biltre bucaneiro do brigue flibusteiro.

“Que se ice a bujarrona!”

“Mas não se crê mais em cousa alguma! Pois não estou dizendo que há almas penadas por aqui!?”

E, de chofre, vem o vento. E, de súbito, ele sopra rijo. E, num relance, uiva pungente. E punge, uivante. E vem cada vez mais forte.

E, de chofre, vem a chuva. E, de súbito, ela bate rijo. Mas que chuva, que nada! Chuva foi a de ontem! A chuva de hoje é a enchente das enchentes, de encher o mar e o ar, de encher a terra e o céu, de encher o barco e o balde, de encher o saco!

E o balde se enche de água.

Alguém joga o balde na água, por cima do tombadilho tiritante.

Silêncio...

Não se ouve o esperado “splash” no mar.

Debalde.

Para a chuva, para o vento, cessam as vozes, o que é do barco?

Não há mais fantasmas. Nem balde. Nem bujarrona, nem mezena. Desapareceu a corda que enforcou o enforcado.

Cânticos de sereias assombram e deslizam sobre as gigantescas ondas de gotas grotescas.

Na imensidão do denso das águas, ansiando pela voragem do tráfego metropolitano, “bem que meu pai me aconselhava a jamais ser marinheiro...”, sonhando com o burburinho enquanto se equilibra num escaler de primeiros socorros, desejando pisar na terra que suja os pés – e que algum dia seus olhos deveria comer – divaga o sonhador.

Não há mais nada. Só o “schwahh...” das ondas colidindo com o chão de água.

E o marinheiro triste e seu cachimbo de lilases nebulosas.

 

 

 

segunda-feira, 23 de novembro de 2020

 


AS CORES DO SWING
          (Livro de Augusto Pellegrini)

CAPÍTULO 19 - O BRASIL NA ERA DO SWING

Ao mesmo tempo em que se consolidava nos Estados Unidos durante as primeiras décadas do século vinte, o jazz deu os seus primeiros passos rumo à internacionalização.

Por diversas razões sociais, culturais e históricas, o local escolhido para que o jazz estendesse as suas asas para fora do seu país de origem foi a Europa Ocidental.

Afinal, os norte-americanos eram descendentes diretos dos anglo-saxões e também experimentavam fortes influências de outros países do oeste europeu onde o idioma inglês também podia ser praticado, apesar de não ser a língua oficial desses lugares.

Esta caminhada rumo ao Velho Continente teve a sua missão facilitada pelas primeiras incursões de alguns músicos americanos que foram iniciadas em 1900 pelo banjoísta Vess L.Ossman, um especialista em marchas, cakewalks e rags, e pelo maestro John Philip Sousa, que visitou diversos países europeus como Inglaterra, França, Alemanha, Bélgica, Holanda, Rússia, Dinamarca e Boêmia (área localizada atualmente entre a Alemanha, a Polônia e a República Tcheca) entre 1900 e 1910.

Famoso pela composição e execução de marchas militares, Sousa acabou levando para a Europa não este tipo de música – o que provavelmente não se constituiria em nenhuma novidade – mas o ragtime, que se tornara na época extremamente popular nos Estados Unidos e havia sido um dos principais ingredientes para o nascimento do jazz no sul do país ao lado das próprias marchas militares, do blues e do gospel.

Ao final do século dezenove, a Europa era sem dúvida o principal palco da cultura musical em todo o mundo – Itália, França, Rússia e os países da Europa Central sempre se notabilizaram pelos seus brilhantes compositores. Por conta disso, a Europa abrigava em seu solo uma enorme quantidade de apreciadores dos mais diversos gêneros musicais, tanto populares quanto eruditos.

Mas a Europa era uma colcha de retalhos e cada país tecia a sua própria cultura, sendo os pedaços costurados com uma linha que, embora aparentasse tênue, era na verdade bastante forte.

Por isso, cada país – e às vezes cada região dentro do mesmo país – mantinha a sua própria cultura musical e as fronteiras eram geralmente fechadas para os gêneros e estilos vindos de fora.

Assim, em termos de música popular, a cultura de cada país era exclusivista. Em Portugal reinavam a cantiga, o fado, o vira e as danças típicas; na França a chanson e a gavotte, além das valsinhas tocadas ao som do acordeão; na Itália, a canzonetta e as peças populares de conotação lírica; a mazurca e a polca na Polônia; e na Espanha ainda se respirava o paso doble do século dezesseis e a influência do flamenco, uma antiga mistura originária da música cigana e da dominação mourisca.

Os países da Europa Central cultuavam uma música campestre adicionada às suas danças tradicionais, ao passo que a Grã-Bretanha se curvava ao folclore de cada região.

Este panorama musical durou muitos séculos, até que no início do século vinte as principais cidades, a começar por Paris e Londres, começaram a permitir a integração de uma novidade rítmica e harmônica vinda de um horizonte de além-mar. Esta integração começaria a colocar diferentes culturas, países e regiões no mesmo patamar musical.

Como esta nova música – o jazz – possuía uma linguagem universal que permitia ao executante de diferentes paragens dar vazão à sua criatividade, ela foi aceita sem maiores restrições, e o resultado final acabou ficando confortável para qualquer habitante continental musicalmente esclarecido.

Até que enfim músicos franceses, ingleses e holandeses podiam tocar juntos e sentirem o mesmo arrebatamento pela música que tocavam. O trompetista Wynton Marsalis comentou em uma entrevista para o cineasta e documentarista Ken Burns algo como – “se um músico chinês se encontrar com um músico norueguês e um músico panamenho num bar qualquer da Áustria, eles poderão conversar musicalmente na linguagem do jazz mesmo sem trocarem uma palavra sequer”.

Por outro lado, pensando em termos práticos, embora a língua francesa fosse na época o idioma universal, o inglês era também largamente praticado pelas pessoas que representavam a cultura e por profissionais do mundo artístico e dos negócios, o que facilitava bastante a exportação da música e dos músicos americanos, e era totalmente inimaginável admitir que a obra dos jazzistas americanos pudesse ser exportada para lugares que pouco ou nada tinham a ver com a história e a cultura dos Estados Unidos.

Nada foi exatamente planejado, mas países como o vizinho México ou aqueles localizados na mais distante América do Sul ou ainda na longínqua Ásia estavam definitivamente fora do plano de divulgação do novo gênero que começava a tomar conta da América do Norte.

A África, que participara com a principal matéria prima – o negro – era demasiadamente primitiva para dar-se ao luxo de ser palco de uma cultura musical que almejava teatros e salões, e o Caribe levaria mais duas décadas para se tornar um tradicional quintal turístico americano.

Utilizando um raciocínio semelhante, o Brasil não tinha motivo algum para estar no roteiro de viagem dos jazzistas americanos naquele início do século vinte.

Nas primeiras três décadas do chamado Século do Jazz, a Europa registrou a presença de diversos músicos americanos a partir da banda Harlem Hellfighters, formada por soldados negros, que se apresentou em Nantes, no noroeste da França, em 1917 – portanto durante a Primeira Guerra Mundial.  Antes desta banda de soldados, quem esteve na Europa foi o cantor e bandleader Noble Sissle (1915), abrindo caminho para o clarinetista e saxofonista-soprano Sidney Bechet (1919), a Original Dixieland Jass Band (também em 1919), a orquestra do bandleader Isham Jones (1924), o pianista e arranjador Claude Hopkins (1925), o trompetista Louis Armstrong (1932), o maestro e pianista Duke Ellington (1933) e o saxofonista-tenor Coleman Hawkins (1934) entre outros menos cotados – e a Europa aprendeu com eles. Nenhum destes artistas, porém, teve qualquer intenção de viajar para o lado de baixo da Linha do Equador a fim de mostrar o seu trabalho, que quando muito foi representado por uma ou outra gravação fonográfica, posto que o cinema falado – que poderia nos ter apresentado e reforçado a novidade – foi introduzido no Brasil apenas no início dos anos 1930.

domingo, 22 de novembro de 2020

 


TRÊS BARRAS 

1970

(Toada de Renato Winkler e Augusto Pellegrini)

 

Maria Marta vai pro portão

Da vida ingrata

Vai procurar um chão pra pisar

Um chão pra pisar


A mãe dá ordens – faça isso não

O pai nem fala

Preso no alçapão que criou

Irmão concordou

 

E todo dia

É um tormento pra pobre Maria

Pra suportar seu lugar

Terra bonita

Mil encantos, paisagem, luar

Mas sem razão pra ficar

 

Maria Marta vai pro portão

Deixar Três Barras

Mala e moral na mão, pra levar

Na mão pra levar


A mãe no quarto, o pai no quintal

O irmão saiu, já foi trabalhar

No bar do José

No bar do José

 

Pois veio o dia

Em que Maria começou a pensar

Devagar, seu lugar

E de vantagem

Mala e porta, vontade e coragem

Vai procurar seu lugar

 

Maria Marta vai pro portão

Da vida enjoada

Vai procurar um chão pra pisar

Um chão pra pisar 

 

 


SINOPSE DO PROGRAMA SEXTA JAZZ DE 03/08/2018
RÁDIO UNIVERSIDADE FM - 106.9 Mhz
São Luís - MA

VICTOR CASTRO - AÇOR

Quando Victor Castro residiu no Maranhão, nós nos tornamos muito amigos, unidos pela música, pela arte e pelo bom gosto. Juntos, navegamos muita música e excelentes momentos de convivência ao lado de outros amigos. Brilhante violonista clássico, Victor abdicou da cátedra para passear por estilos nunca dantes navegados como a música pop, o samba e os ritmos maranhenses, sempre entremeados por temas que expressavam o sentimento lusitano. Ao voltar para à sua Ilha Terceira, Victor Castro retornou também às suas origens geográficas e musicais, multiplicou o número de concertos tanto nas ilhas como no continente europeu, e acaba por nos brindar com um belíssimo CD recém-saído do forno, intitulado "Açor", nome que se dá à ave que aparece estampada na bandeira dos Açores. O álbum inclui composições suas e de outros violonistas/autores açorianos e portugueses e também recoleções de temas tradicionais e populares das Ilhas. Ouvir Victor Castro interpretando Açor leva a nossa alma para lugares muito especiais, como se estivéssemos vivendo um mundo de sonho.

Sexta Jazz, nesta sexta, oito da noite, produção e apresentação de Augusto Pellegrini

                                                                                                                                    

 

 


DERRADEIRA ESPERA 

(Augusto Pellegrini)

Desde a derradeira chuva
E a derradeira ideia
Desde o amargo travo
E desde a longa espera
Todo o desencanto
Se apossou de mim

Desde o derradeiro outono
E o derradeiro inverno
Desde o fim do ano
E do verão eterno
Esta longa espera
Vai doendo, sim

Desde o derradeiro dia
E a derradeira chama
Do primeiro canto
E da última trama
Desta noite o encanto
Já chegou ao fim 

Desde a derradeira noite
E a derradeira espera
Desde o inútil pranto
E desde a primavera
Desta noite o manto
Desce sobre mim

Junho 2018