sábado, 12 de agosto de 2017




ESQUEMAS TÁTICOS DO FUTEBOL – PARTE 1

Quando o futebol começou a ser praticado na metade final do século 19, a grande missão dos jogadores era colocar a bola dentro do gol adversário. A princípio não havia organização nem planejamento para que esse objetivo (“goal”, em inglês), fosse alcançado.
Os desenhos táticos eram inexistentes, mas pode-se dizer com certa precisão que o esquema adotado de 1863 até 1871 era o 1-1-8, isto é, apenas um “back” (à frente do goleiro), um “midfield” (fazendo a transição entre a defesa e o ataque) e oito “forwards” (atacantes) buscando a todo custo enfiar a bola por entre as traves adversárias.
Quando um time era atacado ele mantinha os dez jogadores na defesa, mas quando recuperava a posse de bola partia em massa para o contra-ataque, explorando a fragilidade de uma defesa composta apenas por um vigia no meio de campo e um zagueiro solitário lá atrás. Na verdade, o sistema provou ser pouco produtivo, pois o vai-e-vem de ataques e contra-ataques tornava a partida extremamente exaustiva, numa época em que não havia a marcação do impedimento, não se cogitava de preparo físico e o futebol estava ainda longe do profissionalismo.
A partir de então os times começaram a mudar o posicionamento dos jogadores, e alguns anos depois já se adotava um sistema 2-3-5, com isso mantendo a vocação ofensiva, reforçando a parte defensiva e fazendo com que três homens no meio de campo pudessem cadenciar melhor a velocidade da partida e servissem de anteparo aos ataques e contra-ataques. Este sistema era conhecido como “Pirâmide” ou “Sistema Clássico”, e foi muito utilizado até a Copa de 1938.
Com a mudança na lei do impedimento nos anos 1920, Herbert Chapman, treinador do Arsenal, inventou o WM (uma variação de 3-2-2-3 e 3-4-3).
Este sistema foi bastante explorado e originou muitas variações, mas alguns técnicos – principalmente na Itália e na Suíça – o consideravam bastante vulnerável e reforçaram a defesa com o sistema “Catenaccio” (“Ferrolho”) ou se valendo de um líbero, zagueiro que faz a cobertura das jogadas em toda a faixa da zaga, contando com a colaboração de um ala defensivo e de um meio-campo, como utilizado na Copa de 1962.
Na década de 1960 apareceu na Europa uma outra formação, criada pelo técnico inglês Alf Ramsey, e denominada 4-4-2, onde os quatro jogadores do meio-campo funcionavam como uma barreira protetora para os zagueiros ao mesmo tempo em que atacavam em bloco auxiliando os dois atacantes quando o time tinha a posse de bola. 
Outros sistemas se sucederam, alguns muito interessantes, mas difíceis de serem mantidos por exigirem jogadores muito especiais para que o encaixe desse certo. Como exemplo, temos o “Carrossel” ou “Futebol Total” holandês de 1974 criado pelo técnico Rinus Michels , onde os jogadores mantinham suas posições quando estavam defendendo, marcavam em bloco dificultando a saída de bola do adversário e não mantinham suas posições quando partiam em massa para o ataque.
Sepp Pionek, um técnico alemão que treinava a Dinamarca foi semifinalista na Eurocopa de 1984 inovando um esquema de três zagueiros que não era defensivo, pois eles saíam para o jogo quando o time estava com a posse da bola sob a proteção solitária de um volante. Este sistema foi muito usado na Europa nos anos 1990.
As variações táticas no posicionamento e nas funções dos dez jogadores de linha são numerosas e podem depender do adversário, do resultado pretendido, das características dos jogadores e da própria forma de jogar do adversário. Não existe uma fórmula mágica ou infalível, pois todas estão sujeitas ao antídoto que será aplicado pelo técnico adversário.
Como este é um assunto que não se esgota em um só artigo, daremos prosseguimento na próxima semana.          
         

 (Artigo publicado no caderno de Esportes do jornal O Imparcial de 12/08/2017)






sexta-feira, 11 de agosto de 2017





SINOPSE DO PROGRAMA SEXTA JAZZ DE 26/12/2014
RÁDIO UNIVERSIDADE FM - 106,9 Mhz
São Luís - MA

NAT KING COLE - THE ULTIMATE COLLECTION

Esta é a história de Nat King Cole, um excelente pianista de jazz que acabou se transformando em um cantor de standards dos mais admirados por fãs de todos os estilos. Ao mesmo tempo em que jamais se afastou da textura do jazz, quer na cadência, quer no acompanhamento pianístico, King Cole com a sua voz inconfundível e aveludada passeou através da música romântica e fez também incursões na música latina, cantando e gravando em espanhol e português. Neste programa, fazemos um resgate de algumas das suas preciosidades, como "Unforgettable", "Autumn Leaves", "Stardust", "Pretend", "Nature Boy" e outras.
 

Sexta, oito da noite, produção e apresentação de Augusto Pellegrini

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

                                     


                                     FROM THE OTHER SIDE OF THE MIRROR
                                                               Part Three

I try to concentrate somewhere in the past, but everything that comes to my mind is very remote, fragments of insignificant and meaningless things.
I make a mental effort to regroup ideas and bring them back to the mind to relive things I have done, the things I have not done, the things they have done to me and the things I have said, the things I did not say or the things they have told me.
I know that I am a professor of Philosophy and that I am currently through the Post-Socratic Period – skepticism, epicureanism, stoicism – in a public college and I also know that I hate inattentive and disinterested students. Who knows, perhaps, that this is not the reason for this ridiculous situation I am in?
Let’s see, Janus (this is the student’s name) deliberately – I believe – confused Marcus Aurelius, the sage with Marcus Aurelius, the emperor, who came to this world with a difference of two hundred years and a thousand different purposes! He heard the righteous outrages of me, who spent years on books or treatises, and had the guts to answer that “Philosophy is a science with which or without which the world continues as it is”.   
A real rascal, this Janus. I should have killed him on the spot.
It’s like telling a gardener that his bed of roses looks like a garden of cabbages or to the organist at the Milan Cathedral that his interpretation of Pachelbel sounds like a drunken accordionist in the Latin Quarter.
But warlike intentions or verbal offenses apart, I would never dare to lay a hand on him – even though he deserved it – for cherishing my job in college even with the meager remuneration that is rightfully mine and the poor recognition of the society, the students and even the director or the Department.
Or would it be the dentist I dared to trouble on a Saturday after midnight, probably already dressed in pajamas, socks and cap, that for vengeance extracted a molar that had the health of a horse’s tooth for not properly diagnosing a simple (simple!?) neuralgia in the trigeminal nerve?
The pain ceased on Sunday after the pharmacist on duty prescribed something based on carbamazepine, which sounds like a kind of pizza flavor but proved to be a potent painkiller.
I had the urge to go to the dentist’s office to tear out his gullet and I only did not do it because the hole left by the extracted tooth was still bleeding a lot as I stirred and also by the pleas if my wife. In fact, I do not remember now that I ever have done justice against that scoundrel.
It may also be the seller of life insurance policies that bothered me at lunch time two or three times a week during the pasture itself or – worse – during the traditional and therapeutic siesta.
I once told him for the thousandth time that I would not get any life insurance, since I did not think I would die so soon and he – maybe trying to be funny – said “This, we can handle…”
I do not remember if I lost my temper with all this, but surely my homicidal instincts came to mind.
The night now comes at once, and my interlocutor in the parlor has already vanished like the rest of the shadows. Now, some dim yellowish light shines on the ceiling, serving as a reference and helping me locate the chair where I sit exhausted and disoriented.
I hear behind me a key whirring in a medieval lock and then two totally white ghosts invade my loneliness, now they are three, then they are four, and they grab me brutally and immobilize me like a paramilitary group would do to some criminal.
Two of them hold me energetically, one of them stretches my arm forcefully and discourages me from wrestling while the fourth man in white sticks a needle in my arm causing a piercing pain that makes me roar like a bull being castrated.
A slight glance at the parlor shows an odd scene in the twilight of the room: my interlocutor is also grappling with some men in white who finally let him free at the same time that my executioners drop me prostrated in the chair.
Finally, I understand that the parlor is nothing more than a huge mirror and that my interlocutor is me.
I hear voices that resound as if it they were strokes from a bell inside my skull – one said “Leave him there so that he can calm down. Tomorrow we can transfer him to a room”, and another voice replied “But I recommend that he be tied with leather straps as he can become dangerous again…”
It becomes a heavy silence and before my consciousness dies away I picture myself strangling my neighbor who used to practice lyrical singing on Sundays early in the morning.


2013






DO OUTRO LADO DO ESPELHO

Parte Três

Tento fixar a minha mente em algum ponto do passado, mas tudo o que me vem à mente é remoto, são fragmentos de coisas insignificantes ou sem sentido.
Faço um esforço mental tentando reagrupar as ideias e trazer de volta à mente os últimos acontecimentos para reviver as coisas que eu fiz, as que eu não fiz e que me fizeram, as que eu disse, as que eu não disse ou que me disseram.
Sei que sou um professor de Filosofia, e atualmente estou transitando pelo Período Pós Socrático – ceticismo, epicurismo, estoicismo – em uma faculdade pública e sei também que detesto alunos desatentos e desinteressados. Quem sabe não venha daí a explicação para esta situação ridícula em que me encontro?
Janus, este o nome do aluno, confundiu – propositalmente, creio eu – o Marco Aurélio sábio com o Marco Aurélio imperador, que vieram a este mundo com duzentos anos e milhares de propósitos de diferença! Ele ouviu os justos desaforos de quem passou anos a fio sobre livros e tratados, e respondeu descaradamente que “filosofia é uma ciência com a qual ou sem a qual o mundo continua tal e qual”.
Um verdadeiro patife, esse Janus. Deveria tê-lo matado, no ato.
É como dizer a um jardineiro que seu canteiro de rosas parece uma horta de repolhos ou para o organista da Catedral de Milão que sua interpretação de Pachelbel soa como um acordeonista bêbado do Quartier Latin.
Mas, intenção belicosa e ofensas verbais à parte, eu jamais me atreveria a deitar-lhe a mão – muito embora ele bem o merecesse – por prezar o meu emprego na faculdade mesmo com a magra remuneração que me é de direito e com o parco reconhecimento da sociedade, dos alunos e até do diretor do Departamento. 
Ou seria o dentista que eu tive a ousadia de incomodar num sábado depois da meia-noite, ele provavelmente já vestido de pijama, meias e touca (pelo menos era o que recomendava a sua aparência quebradiça), que por vingança extraiu-me um molar com a saúde de um dente de cavalo por não diagnosticar adequadamente uma simples (simples?!) nevralgia do nervo trigêmeo mandibular, cuja dor cessou após o farmacêutico de plantão no domingo haver receitado qualquer coisa à base de carbamazepina, que parece nome de um tipo de pizza, mas provou ser um potente analgésico.
Tive o impulso de ir ao consultório do dentista na segunda-feira para arrancar-lhe o gorgomilo e acho que só não o fiz por conta do dente extraído que sangrava dentro da boca na medida em que eu me agitava, ou pelos rogos da minha mulher. Não sei bem qual foi a causa, qual foi o caso, nem me lembro agora se algum dia eu não cheguei a fazer justiça com as minhas próprias mãos contra aquele energúmeno.
Pode ser também o vendedor de apólices de seguro que me incomodava na hora do almoço duas ou três vezes por semana, fosse durante o pasto propriamente dito ou – pior – durante a sesta tradicional e terapêutica, principalmente quando eu lhe disse depois da milésima vez que não iria adquirir seguro de vida algum por achar que não morreria tão cedo e ele – talvez tentando ser engraçado – respondeu que “quanto a isso, a gente pode dar um jeito”.
Não me lembro de se saí do sério nem como, mas com certeza meus instintos homicidas – são vários – afloraram à pele, com consequências incertas e desconhecidas.
A noite agora chega de vez, e meu interlocutor no parlatório já se desvaneceu como de resto as sombras que tomaram conta da sala. Brilha agora no teto uma luz fraca e amarelada que me serve de referência e me ajuda a localizar a cadeira, na qual me sento, exausto e desorientado.
Ouço atrás de mim um ruído de chave girando numa fechadura dessas antigas, e então dois fantasmas totalmente brancos invadem a minha solidão, agora são três e então quatro, e me agarram com brutalidade, e me imobilizam como o faria um grupo paramilitar a um facínora qualquer.
Dois deles me seguram com energia, um terceiro estica meu braço que se distende à força e me desestimula a lutar enquanto o quarto homem de branco enfia uma agulha no meu braço causando uma dor lancinante que me faz urrar como um touro sendo castrado.
Uma ligeira olhada no parlatório ao lado mostra uma cena inusitada no lusco-fusco do vidro: meu interlocutor também está às voltas com homens de branco que finalmente o deixam livre, ao mesmo tempo em que meus algozes me largam prostrado na cadeira.
Finalmente entendo que o parlatório nada mais é do que um enorme espelho e que meu interlocutor sou eu mesmo.
Escuto uma voz que soa como se fossem badaladas de um sino no campanário da minha cabeça – “Vamos deixá-lo aí, para que se acalme de vez. Amanhã podemos transferi-lo para o quarto” – e outra voz, retrucando – “Mas recomende que seja amarrado com as tiras de couro, pois ele pode se tornar novamente perigoso...”.
Faz se o silêncio, e antes de apagar totalmente a consciência, me vejo estrangulando o vizinho que costumava praticar canto lírico nos domingos de manhã.



2013


terça-feira, 8 de agosto de 2017

                                
                                                                       


                                     FROM THE OTHER SIDE OF THE MIRROR
                                                               
                                                                Part Two

I feel anxious as if I were on death row, but at the same time resigned to whatever may my destiny be. I don’t know if what awaits me behind that closed door is punishment or mercy, pity or relief, agony or forgiveness.
The white toilet stands out in a corner of the room, immaculate and clean, since my digestive functions have been paralyzed since the day I was thrown into this dark, airless cell.
The metal door does not have an apparent latch, so it should open and lock only from the outside. There is however a tiny square hole where some curious eyes can peer at me and look at me and watch me with the curiosity of scientists or lunatics.
At the same time that I long for someone to open the damn door and finally break this spell that suffocates me and brings me to despair, I am horrified to know that probably through it will come, along with my condemnation, all the evil of the world, such as an inside out Pandora’s box.
It is as if I were taking a trip through the tunnel of time waiting for the arrival at that station to then get off the train and wander the unknown city in search of an angel to lead me to the truth.
On the other side of the parlor the man stares at me, looks at me, teases me and wears the same blue shirt I wear and has the same disheveled hair I have.
But on the other side it’s also night and no light is kept on so that gradually I begin to lose eye contact with my gestural interlocutor.
If what they do to me is torture, they should at least tell me why they do it.
As I recall, I did not kill anyone, nor did I steal or get involved with drug traffickers. I did not mistreat animals, I did not threaten any politician, I did not outrage religions or sects or machinate some plot to blackmail the mayor.
I did not ravish people or ideas, I did not practice ignominy, I did not violate tombs, I did not break open coffers and I did not piss in front of the church door.
The blow with a cudgel in the head of that perfidious thief was struck more than twenty years ago, and if I did it, it was because the damn scoundrel was robbing me while I was cutting a slice of bread to satiate his alleged hunger. And by Jove !, I would do it all over again, even after I had confessed to Father Jonathas and been reprimanded by the sheriff who did not send me to jail only because a lawyer friend of mine managed to convince him that I would have acted in self-defense.
The rascal did not die, he only disappeared from the neighborhood motivated by the stinging headache and by the dread of taking another blow that could lead him to the world of angels – or demons.
The behavior of my inquisitor on the other side of the parlor, looking at me the way he looks or looking away when I do too, displeases me to the extreme.
It’s strange to be sitting here waiting for everything or nothing to happen. The walls of the room in which I find myself alone remain immobile, and I only know the hours are passing because the tint of the painting is getting darker and darker as the night approaches and the clarity that passes through the window crevice is becoming increasingly weaker.
The darkening creates a frightening optical illusion, as I feel the walls approaching millimetrically and diminishing my living space which will at some point squeeze me like a tourniquet does with a ripe orange.
I notice its proximity and even dare to hear a screaking sound of hinges, as if a hidden device were effectively causing its movement and approach as it used to happen in medieval torture chambers.






DO OUTRO LADO DO ESPELHO
Parte Dois

Sinto-me ansioso como se estivesse no corredor da morte, mas ao mesmo tempo resignado com qualquer que seja o meu destino. Não sei se o que me aguarda por detrás daquela porta fechada é castigo ou misericórdia, pena ou alívio, agonia ou perdão.
O branco de um vaso sanitário se destaca no canto da cela, limpo e imaculado, pois minhas funções estão paralisadas desde o dia em que fui jogado nesta célula escura e sem ar.
A porta metálica não tem um trinco aparente, deve abrir e fechar apenas pelo lado de fora, mas possui um minúsculo buraco quadrado por onde algum olho curioso me perscruta e me analisa e me observa com a curiosidade dos cientistas ou dos lunáticos.
Ao mesmo tempo em que anseio para que alguém abra a maldita porta e finalmente quebre este encanto que me desespera e me sufoca, fico horrorizado por saber o que muito provavelmente por ela entrarão, junto com a minha condenação, todos os malefícios do mundo como uma caixa de Pandora ao avesso.
É como se eu estivesse fazendo um passeio através do túnel do tempo, aguardando a chegada naquela estação para então descer do trem e vagar pela cidade desconhecida em busca de um anjo que me conduza à verdade.
Do outro lado do parlatório o homem me encara, me contempla, me provoca, e veste a mesma camisa azul que eu visto, e tem o mesmo cabelo desalinhado que eu tenho.
Mas do lado de lá também se faz noite, e nenhuma luz é mantida acesa, de modo que pouco a pouco começo a perder o contato visual com o meu interlocutor.
Se o que fazem comigo é uma tortura, deviam pelo menos me dizer por que assim procedem. Que eu me lembre, não matei ninguém, não roubei nem me envolvi com traficantes de droga. Não maltratei animais, não ameacei nenhum político, não desanquei religiões ou seitas nem urdi alguma trama para chantagear o prefeito.
Não violentei pessoas nem ideias, não pratiquei o opróbio, não violei tumbas, não arrombei cofres nem mijei na porta da igreja.
A paulada que eu desferi na cabeça daquele pérfido ladrão aconteceu há mais de quinze anos, e se assim o fiz foi porque o maldito me roubava enquanto eu cortava uma fatia de pão para saciar sua alegada fome e, por Deus! faria tudo de novo, mesmo depois de ter confessado com o Padre Carmelo e ter sido repreendido pelo delegado, que só não me mandou pra cadeia porque um amigo advogado conseguiu convencê-lo que eu teria agido em legítima defesa.
Até porque o patife não morreu – infelizmente – apenas desapareceu das vizinhanças por uma temporada de férias, forçadas por uma robusta dor de cabeça e pelo pavor de levar outra cacholeta que, essa sim, deveria levá-lo para o mundo dos anjos – ou dos demônios.
A postura do meu inquisidor do outro lado do parlatório, olhando para mim do jeito que olha ou desviando o olhar quando eu também o faço, me desagrada ao extremo.
É estranho ficar aqui sentado esperando o tudo ou o nada acontecer. As paredes do quarto em que me encontro solitário continuam imóveis e só sei que as horas estão passando porque a tonalidade da pintura vai ficando cada vez mais escura com o aproximar da noite, e a claridade que passa pela fresta da janela vai se tornando cada vez mais fraca.

O escurecer cria uma ilusão de ótica aterradora, pois eu sinto as paredes se aproximando milimetricamente e diminuindo o meu espaço vital, o que irá em algum momento me espremer como faria um torniquete a uma laranja madura. Percebo a sua proximidade e até ouso ouvir um ranger de gonzos, como se um mecanismo escondido estivesse efetivamente promovendo a sua aproximação como acontecia nas câmaras de tortura medievais.  

segunda-feira, 7 de agosto de 2017





FROM THE OTHER SIDE OF THE MIRROR

Part One

With my eyes I go through the four cardinal points that surround me in this cubicle where I have lived for days, or years, or centuries, according to what the clock of my semi consciousness tells me.
I’m depressed, and the world around me is this miserable room with no light, from where I try to look through a gap of a closed window with the hope of glimpsing a flowery garden covered by the sun with butterflies moving here and there having a serene blue sky retouched by a few clouds of cotton as a background.
What I see, instead, is a filthy, dead-end alley with no way out, full of debris, with the bitter face of winter rising gloomy, and dead insects floating in puddles, making the landscape as daunting as my life.
The world stinks and the bad smell penetrates through the crack of the window as a poisonous gas that invades my nostrils.
I can’t find anyone to answer or satisfy my questions. I scream, and my clamor is lost in the echo of this empty and secluded place like the lament of a moribund inside a dungeon.
There’s a man in the parlor in the next room separated from the room where I am by a glass so thick that I cannot hear his voice or any sound. I have a feeling that I know him because his face is not strange to me but my torpor keeps me from connecting ideas.
He looks at me straight in the eyes and apparently says everything I say, imitates my gestures and, incredible as it may seem, also keeps in the face the same discouraged expression of those who have not slept for two weeks, like me. At least this is what it seems to me, since my notion of time is damaged by my derangement.
I’m not sure where I am or what I’m doing here, and exhaustion blunts my reasoning.
I must be dreaming, otherwise I would had found an explanation for this unusual and unsustainable situation – but I punch the metal door and my hand hurts, which confirms that I’m wide awake.
I have never been a brilliant person, capable of great discoveries or conclusions, but even an animal that acts only by instinct would have a reasonable notion of where he is. A rat, a cockroach, an insect, whatever, has the instinct of survival that helps him catch a glimpse of the size of the trouble he has gotten himself into. 
But unfortunately, I feel useless and aimless.
It seems that I’m in a cell and the only piece of furniture that fills this void is this hard white enameled metal chair where I take turns sitting and standing up, which leads me to think that I’m in a hospital or in the anteroom of an asylum, being psychologically tormented to confess some offense that I do not remember doing.





DO OUTRO LADO DO ESPELHO
Parte Um

Percorro com os olhos os quatro pontos cardeais que me cercam neste cubículo onde habito há dias, ou anos, ou séculos, pelo que me diz o relógio da minha semiconsciência.
Estou deprimido, e o mundo que me cerca é este miserável quarto sem luz, de onde tento olhar por uma fresta de janela fechada e vislumbrar um jardim florido e coberto pelo sol, com borboletas coriscando aqui e acolá tendo como fundo um céu de azul sereno retocado por algumas nuvens de algodão.
O que vejo, no entanto, é um beco imundo sem saída e cheio de detritos, com a face amarga do inverno se avolumando sombria e insetos mortos boiando em poças de água, tornando a paisagem desalentadora como a minha vida.
O mundo fede, e o mau cheiro penetra pela fresta da janela como um gás venenoso que me invade as narinas.
Não encontro ninguém para responder minhas perguntas nem para satisfazer meus questionamentos.
Grito, e o meu grito se perde no eco do local vazio e fechado, como o lamento de um moribundo dentro de uma masmorra.
Há um homem no parlatório na sala ao lado, separado de mim por uma parede de vidro tão espesso que não consigo ouvir a sua voz.
Tenho a impressão de que o conheço, seu rosto não me é estranho, mas meu torpor me impede de concatenar ideias.
Ele me olha fixamente nos olhos, e eu percebo que repete tudo o que eu digo, imita meus gestos e, por incrível que pareça, guarda no rosto a mesma expressão desanimada que estampo na cara macilenta de quem não dorme há duas semanas. Pelo menos é isto que me parece, já que a minha noção de tempo está prejudicada pelos meus desvarios.
Não sei ao certo onde estou nem o que estou fazendo aqui, e a exaustão embota o meu raciocínio.
Devo estar sonhando, pois de outra forma já teria encontrado uma explicação para esta situação insólita e insustentável – mas dou um murro na porta metálica e a mão dói, mostrando que estou bem acordado.
Nunca fui uma pessoa brilhante, capaz de grandes descobertas ou conclusões, mas até um animal que age apenas por instinto teria uma noção razoável de onde se encontra. Um rato, uma barata acuada, um inseto, que seja, tem no instinto de sobrevivência o vislumbre de perceber o tamanho do problema em que se meteu.
Eu, porém, me sinto desgraçadamente inútil e sem rumo.

Parece que estou numa cela, e o único móvel que preenche este vazio é esta dura cadeira na qual sento e levanto, feita de um duro metal branco e esmaltado, o que me leva a pensar que estou num hospital ou na antessala de um manicômio, sendo psicologicamente atormentado para confessar algum delito que não me lembro de ter cometido.



SINOPSE DO PROGRAMA SEXTA JAZZ DE 25/03/2016
RÁDIO UNIVERSIDADE FM - 106,9 Mhz
São Luís-MA

CEDAR WALTON 

Como muitos outros músicos de renome, o pianista Cedar Walton ganhou destaque no  mundo do jazz fazendo parte do grupo do baterista Art Blakey chamado Jazz Messengers, onde atuou de 1960 a 1964 quando saiu para formar o seu próprio grupo e investir na carreira solo. Esta era a época do hard bop, estilo que se seguiu ao bebop nos anos 1950 e dominou o cenário durante boa parte da segunda metade do século passado. Cedar Walton foi muito influente, impondo um estilo personalíssimo de tocar partindo da sonoridade do piano e enveredando pelas harmonias intrincadas dos músicos de sopro do período, como John Coltrane, Freddie Hubbard, e Jackie McLean. Aqui ele se faz acompanhar por baixo, bateria, e o saxofone de Vincent Herring em algumas faixas deste álbum chamado "Voices Deep Within", trazendo entre outras peças "Over The Rainbow", "Memories Of You" e "Naima".

Sexta Jazz, nesta sexta, oito da noite, produção e apresentação de Augusto Pellegrini