sábado, 12 de fevereiro de 2022

 


PONTOS DE VISTA
(Augusto Pellegrini)

Filinto Querubim, um político popular, mas no afã de ser ainda mais popular, se isolou nos cantões do Himalaia a fim de aprender com os antigos monges algumas práticas e filosofias que o pudessem diferenciar dos outros políticos.

Entre outras coisas transcendentais, ele aprendeu a levitar e a exercitar o antinatural e o ilógico.

Depois de um longo período de hibernação e isolamento, ele voltou para o seu país e se dedicou com afinco a disputar uma eleição importante na sua cidade, na verdade um lugarejo perdido a quatrocentos quilômetros da capital.

Como em todo período eleitoral, a troca de farpas entre os candidatos, os membros dos partidos dos candidatos e os simpatizantes dos candidatos e dos partidos dos candidatos era feroz.

Obedecendo a uma estratégia de marketing que ele aprendeu não com os monges, mas com os coaches ferozes em palestras sobre gestão de cargo político, Filinto resolveu chocar a patuleia e simplesmente caminhar sobre as águas do lago que adornava a praça!

Isto posto, convocou a imprensa, os correligionários e a populaça em geral para assistir a sua performance que seria executada às seis horas da tarde, depois das badaladas da Virgem Maria.

Dito e feito.

Logo depois das seis Filinto Querubim colocou um terno todo branco para melhor contrastar com o negrume do lago ao crepúsculo e – fantástico! – adentrou as águas e caminhou alguns metros sobre ela. Depois, girou nos calcanhares e voltou calmamente sem perder a concentração, galgando a terra firme sem maiores dificuldades ou sequer molhar a barra da calça, para começar o seu discurso messiânico.

Comoção geral! Isto não é possível, deve haver alguma artimanha circense, como aquelas usadas por prestidigitadores e ilusionistas – porém nada foi encontrado, nem uma corda. nem um arame, nem um tablado, nem um parceiro, nada que indicasse um ardil.

No dia seguinte, os jornais publicaram fotos e textos sobre o milagre, encimando a primeira página com manchetes do tipo “Incrível! Filinto Querubim caminha sobre as águas do lago” e “Candidato, Filinto Querubim cumpre o que promete” (essa, do diário que apoiava a sua campanha).  

O jornal da oposição simplesmente noticiou a seguinte manchete: “Querubim provou que não sabe nadar”.

Sem quaisquer fotos ou maiores comentários.

 

2019  

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

 


À MODA DA CASA 

(Marcha-Frevo de Augusto Pellegrini)

 

Silenciosamente eu saio à rua

A manhã flutua

E o nevoeiro da noite passada passou

Silenciosamente cuido de mim

Num botequim

Cerveja preta gelada

E um misto quente na chapa

Indiferente

À moda e à marca da casa

 

Silenciosamente no barulho

Milhões de embrulhos

Pacotes muitos, laços cor de rosa nas mãos

Silenciosamente sons musicais

Sons guturais

São discos tocando alto

E gente ganhando a nota

Indiferentes

À moda da casa

 

O grande sucesso do momento

É de ciúme, de queixume

Ou puro ardume de amor

Com azedume eu saio à rua

Com coragem

Não é fácil enfrentar monstro-motor

À moda da casa eu vejo o caso

Com descaso

Por acaso eu sou alguém?

Não sei

Então eu sigo à moda da casa

Esqueço o caso num silêncio

Até que eu faço muito bem

 

Perigosamente o povo vive

Mais uma crise, mais uma virgem

Pétala de rosa no chão

Naturalmente sempre os dramas existem

E as damas insistem

A convidar na calçada

Ao menos lá na avenida

Indiferentes

Às coisas da vida


1968

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

 


     PÁGINAS ESCOLHIDAS

O FANTASMA DA FM (1992)
(Augusto Pellegrini)

 CLICHÊS – A SAPATARIA

“Pois não?”
Vendedor-atendente de loja de calçados é a figura mais rápida e prestativa da face da terra, algo assim como um anjo da guarda do consumidor, um simpático atendente de ordens, um valete de copas.

A coisinha enxuta, saia com os joelhos à mostra, calçando sandália de tiras e usando uma blusinha arejada, se senta diante do espelho naquela posição geográfica na qual se sentam todas as coisinhas enxutas que vão comprar calçados – talvez por isso os vendedores não reclamam dos baixos salários nem da aporrinhação do chefe.

Vem a sandália vermelha – “não é bem esse tipo que eu queria” – e vem a cor havana – não gostei da cor, não combina com a minha pele” (qualquer cor, senhorita, combina com a sua pele) – e o vendedor alisa o pé da enxutinha (que dedos, meu Deus!), devolve a sandália para a Caixa e vai buscar outra analisando o tornozelo (que perfume, meu Deus!), vislumbra os seus joelhos e por aí vai.

E dá-lhe sandália – sandália de tira, sandália sem tira, sandália de todas as cores e feitios, enquanto as caixas vão se amontoando. A Cinderela enfim não encontra o sapatinho de cristal, se desculpa e vai embora, deixando no atendente um olhar de saudade.

Então vem a matrona que estava aguardando a vez, com o olhar austero e penetrante caindo de chofre no apatetado rapaz, interrompendo seus devaneios.
“Quer me atender, agora?”
“Pois não, madame, o que a senhora deseja?, com a disposição de quem vai para a guerra.
“Quero uma sandália que combine comigo!”

Então vem a vermelha – “não gostei” – vem a azul-escuro – “horrível, essa fivela!” – vem a prateada – “detestei esse modelo! – e vem a de tira preta…
O vendedor angustiado calça e descalça sandálias (que coisa, meu Deus, esse pé cheio de calos!), abre caixa e fecha caixa (que cheiro, meu Deus, liguem o ventilador!), olha para a cliente enquanto ajeita a tira para desviar do joanete (que cara, meu Deus, parece um buldogue remelento!), e vai por aí afora.

Vendedor-atendente de loja de calçados é também a figura mais infeliz da face da terra, algo assim como um segurador de alça de caixão, um lacaio de ordens, um dois de paus.  
           

(Aventuras e desventuras de um atendente de loja de calçados) 

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

 


SINOPSE DO PROGRAMA SEXTA JAZZ DE 14/02/2020
RÁDIO UNIVERSIDADE FM - 106,9 MHz
São Luís-MA

WYNTON MARSALIS – THE ALL AMERICAN HERO

Wynton Marsalis é um dos mais respeitados trompetistas da música americana. Conhecido como um músico comprometido e estudioso, ele toca com a mesma facilidade qualquer estilo de jazz e também executa com perfeição solos eruditos. Atualmente é uma espécie de embaixador da música americana em todo mundo, viajando constantemente a diversos países para apresentações, aulas e palestras, além de ser diretor do Lincoln Center, em Nova York, um renomado teatro e escola de música. Nesta gravação, feita em 1980 quando tinha apenas 19 anos, ao lado do consagrado grupo ArtBlakey’s Jazz Messengers, Wynton Marsalis mostra a sua competência e maturidade em músicas da primeira linha, como “My Funny Valentine” e “Round ‘Bout Midnight”. Uma viagem ao bebop e ao cool jazz, e principalmente a uma época muito especial que o jazz vivenciou nos Estados Unidos.

Sexta Jazz, nesta sexta, oito da noite, produção e apresentação de Augusto Pellegrini.

domingo, 6 de fevereiro de 2022

 

                                                            (Augusto Pellegrini) 

           O maitre do hotel de luxo em Belém (me refiro a Belém do Pará) apresentou o menu para as duas velhinhas que faziam uma excursão para desbravar a Amazônia, a seu modo. Na frente delas desfilavam os nomes dos pratos típicos, todos muito bem recomendados pelo maitre, com alguma explicação superficial sobre alguns deles.

Dona Antonieta achou muito sedutora a figura de um majestoso peixe frito que quase excedia as bordas da travessa e apontou com o dedinho magro, como que tomando a decisão sobre a iguaria que iria degustar.
          “Ah, uma excelente escolha, disse ele, as senhoras vão adorar! Um peixe delicioso! Pirarucu”.

Ao que dona Antonieta, muito velha, meio surda e não acostumada com a pronuncia local replicou, demonstrando satisfação e agradecimento, como soe acontecer com todas as velhinhas que fazem turismo em grupo:

“Ah, tiraram, é?”