sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

 


AS CORES DO SWING
           (Livro de Augusto Pellegrini)

BANDLEADERS E DISCOGRAFIA


CHARLES MINGUS (1922-1979) 

Nome completo – Charles Mingus, Jr.

Nascimento – Nogales-Arizona-EUA

Falecimento – Cuernavaca-México

Instrumento – baixo e piano

 

Comentário – Quer pela força e magnetismo emanados pelo seu contrabaixo acústico, quer pelos intrincados horizontes da sua obra, Charles Mingus é um dos mais comentados e controvertidos músicos da história do jazz. Baixista, pianista e compositor, ele também escreveu o seu nome como condutor de uma orquestra que foi construída para transmitir os seus anseios e frustrações. Quando criança, Charles cresceu dentro de padrões muito rígidos e era basicamente obrigado a ouvir apenas música religiosa. No entanto, ele não se furtava em escutar às escondidas discos de jazz, como os da orquestra de Duke Ellington. Esta duplicidade de gêneros acabou sendo responsável pela consolidação de um estilo emotivo e bluesístico que acompanhou Mingus durante toda a sua vida. Ele começou profissionalmente em 1943 tocando contrabaixo com o grupo de Louis Armstrong, passando em 1947 para Lionel Hampton e mais tarde, em 1950, para a banda de Red Norvo. Em 1955, Mingus criou um grupo que promovia workshops especializados em executar as suas músicas. Este grupo fazia um trabalho muito bem elaborado no qual misturava blues, rhythm & blues, gospel, música clássica moderna, música latina e bebop, e seria o embrião da sua futura orquestra. Como elemento regulador do seu som híbrido estava a música de Duke Ellington, que Mingus continuava a considerar o “agente motivador” das suas criações. Como contrabaixista Charlie Mingus foi um músico ímpar. Seu ritmo era muito marcante, e sua pulsação tão forte que o som do seu instrumento se sobressaía do restante da orquestra. Como pessoa, ele era imprevisível, alternando instantes de grande lirismo e ternura com momentos de intensa angústia e irritação, e esta alteração de humor acabou fazendo parte da sua música. Até pouco antes de morrer, vítima de uma esclerose paralisante, ele conduziu a sua orquestra elaborando arranjos surpreendentes que fugiam do convencional e extraíam sonoridades diferentes das usuais.  Charles Mingus se manteve musicalmente ativo por cerca de quarenta anos.

 

Algumas gravações 

A Colloquial Dream (Scenes In The City) (Charles Mingus)

Cumbia & Jazz Fusion (Charles Mingus)

East Coasting (Charles Mingus)

Fables Of Faubus (Charles Mingus)

Good-Bye, Pork Pie Hat (Charles Mingus)

Meditation On Inner Peace (Charles Mingus)

Mingus Fingers (Charles Mingus)

Moanin’ (Bobby Timmons)

Mood Indigo (Irving Mills-Barney Bigard-Duke Ellington)

My Jelly Roll Soul (Charles Mingus)

Orange Was The Color Of Her Dress, Then Silk Blues (Charles Mingus)

Peggy’s Blue Skylight (Charles Mingus)

Pithecanthropus Erectus (Charles Mingus)

So Long, Eric (Charles Mingus)

Three Or Four Shades Of Blues (Charles Mingus)

Ysabel’s Table Dance (Charles Mingus)

 

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

 


O VASO ROXO
(Augusto Pellegrini)


          Leocádia veio do nada, como uma lufada de ar que entra por uma fresta de janela sem se fazer notar. Surgiu como um fantasma inoportuno e fechou ruidosamente o guarda-chuva gotejante. Era representante comercial de uma fábrica de teodolitos.
          Quando ela chegou, os sinos tilintaram na cabeça de Giovanni – engenheiro e dono do escritório – como num passe de mágica, como se ele estivesse sob efeito de uma poção de feitiçaria. E tilintaram tão alto, que quase dava para a gente ouvir do lado de fora.
          Assim, quer seja por falarem o mesmo idioma tecnográfico, quer seja por prometerem comungar esquisitices em comum ou ainda por compartilharem o mesmo padrão de pouca beleza – se é que assim pode ser dito – acabou pairando no ar um clima romântico que prometia grandes jornadas amorosas, ornamentada por senos obscenos, cossenos e hipotenusas.
          E fotocópias em profusão.
          Giovanni e Leocádia contraíram núpcias dali a um ano, com as devidas bênçãos do padre e a competente autorização do juiz de paz.


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          A aparência de Leocádia piorara sensivelmente desde quando eu a tinha visto pela última vez.
          Estava lívida e envelhecida, com a expressão sombria, e o seu semblante mostrava algo além da sua proverbial antipatia, revelando um profundo pesar e cansaço e talvez uma dispepsia crônica. Parecia uma mulher atormentada.
          Provavelmente a chama que iluminava aquele ambiente se fora embora com Giovanni e talvez, desde a sua morte, as cortinas não mais se abriram mesmo que fosse para deixar entrar o ar poluído da cidade.
          Leocádia caminhou em direção ao quarto e logo depois reapareceu com um pacote embalado em um papel de presente bastante amarelado pelo tempo. Recebi o pacote, um presente que me fora comprado pelo finado Giovanni, agradeci pela atenção e me despedi.
          Chegando em casa, abri o pacote. Tratava-se de um imponente vaso de cristal lapidado, de um roxo intenso que chegava a brilhar quando refletia a luz. O vaso foi colocado na mesinha de centro da sala, ao lado de um cinzeiro de cristal de Murano e de um pequeno enfeite de mesa em forma de elefante, também de cristal, que teve a tromba quebrada e agora se assemelhava a um porco.


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          O vaso roxo era uma peça muito estranha. Eu tinha a impressão que à noite, mesmo quando a sala estava às escuras, ele ainda brilhava como se armazenasse luz no seu interior ou como se o cristal tivesse minúsculas partículas fosforescentes na sua estrutura.
          Eu achava estranho e espantoso, mas gostava do interessante fenômeno. Minha mulher, no entanto, começou a sentir-se incomodada e cismou que o bendito vaso tinha alguma coisa de sobrenatural e quis se livrar dele.
          Assim, o vaso roxo foi dado de presente para um amigo, que carregou com ele, desta vez dentro de uma sacola de uma loja de grife.
          Depois disso, nunca mais voltei a ouvir qualquer comentário sobre o luminescente objeto.


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          Certo dia, anos depois, fui ao funeral de um parente distante.
          Terminada a cerimônia, saio serpenteando pelos canteiros do cemitério, e entre o curioso e o distraído vou lendo os nomes dos inquilinos dos jazigos, gravados em baixo relevo ou pintados de dourado junto com as datas de nascimento e morte, ao lado de flores murchas, velas apagadas e retratos de outros tempos. Aremildo Boaventura Gatto, Concita da Purificação Valadares, Zaqueu Tremolim – parece que os mortos sempre têm nomes estranhos e fora de moda – neste aqui um jarro de porcelana, naquele outro a estátua de um anjo, tudo como convém a um bom cemitério.    
          Eis que me deparo com uma surpresa de tirar o fôlego, pois logo depois de um Antenor Belderagas Cruz, surge um túmulo cujo titular tinha muito a ver com o meu passado: lá estava, gravado em granito escuro, mas perfeitamente legível mesmo à luz do fim da tarde que tornava o crepúsculo acinzentado, o nome Giovanni Amedeo Minotti.
          Na foto amarronzada sobre porcelana, estava impressa a sua careca luzidia e a sua expressão de pândego. Ao seu lado havia uma outra foto, de aparência mais antiga, mas que eu obviamente sabia ser bem mais recente, retratando uma mulher que portava na face uma expressão vampiresca. E um nome, escrito com letras menores: Leocádia Efigênia Bustamante Minotti.
          Sobre o túmulo, iridescente sob o fulgor da última claridade do dia, estava o meu antigo vaso roxo.

2013

 

 

terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

 


AS CORES DO SWING
           (Livro de Augusto Pellegrini)

BANDLEADERS E DISCOGRAFIA


CARLA BLEY (1938-      ) 

Nome completo – Carla Borg

Nascimento – Oakland-Califórnia-EUA

Instrumento – piano e órgão

 

Comentário – Ao contrário da maioria dos músicos de jazz que iniciaram a sua vida profissional ainda adolescentes, Carla Bley somente se interessou pela música aos vinte anos, quando trabalhava em clubes de jazz de Nova York como vendedora de cigarros. Ela possuia, no entanto, alguma formação musical, pois quando criança tocava piano e havia cantado no coro de uma igreja de cristãos fundamentalistas. Até aquele momento ela não havia tentado a música como profissão até que começou a prestar atenção no jazz que rolava nos seus locais de trabalho. Carla se apaixonou pelo bebop e pelo pianista canadense Paul Bley, com quem se casou em 1957, florescendo então o enorme talento de uma pianista-compositora praticamente autodidata, que iria se transformar numa das peças fundamentais do jazz post-bop. Mais ela tarde se interessou pelo free-jazz de Ornette Coleman, de quem passou a adotar o estilo. Além de tocar piano, Carla também escrevia arranjos, realizando interessantes trabalhos para Paul Bley, George Russell e Jimmy Giuffre. Em 1964 Carla se casou com o trompetista Michael Mantler, com o qual formou inicialmente a Jazz Composers Guild Orchestra, que um ano mais tarde teria o nome simplificado para Jazz Composers Orchestra. Dois anos depois, Carla e Mantler fundaram uma associação destinada a apresentar, divulgar e produzir formas não convencionais de jazz, a JCOA – Jazz Composer’s Orchestra Association. O grande público veio finalmente conhecer o trabalho de Carla Bley quando o quarteto do vibrafonista Gary Burton gravou uma seqüência de suas músicas num álbum intitulado “A Genuine Tong Funeral”. Em 1969, Carla Bley compôs e arranjou para a Liberation Music Orchestra, de Charlie Haden, e em 1971 ela cimentou a sua reputação com uma grande obra, a ópera-jazz “Escalator Over The Hill”. Durante os anos 1970 e 1980, Carla Bley continuou dirigindo a sua associação e a compor e gravar para o seu próprio selo, chamado Watt. Nos últimos anos ela também manteve ativa a sua Jazz Composers Orchestra, com a qual faz diversas turnês e gravações e tem trabalhado com o baixista Steve Swallow, com quem é casada atualmente. Aos oitenta e três anos, Carla Bley segue trabalhando com arranjos, composição e apresentações eventuais. Mesmo para quem começou tarde, ela já enfileira mais de cinquenta anos de uma carreira que teve uma enorme influência na modernização do jazz orquestrado.

 

Algumas gravações 

All Fall Down (Carla Bley)

Birds Of Paradise (Carla Bley)

Exaltation / Religious Experience / Major (Carl Spaque Ruggles)

Fresh Impression (Carla Bley)

Goodbye Pork Pie Hat (Charles Mingus)

Heavy Heart (Carla Bley)

Masquerade In Three Parts (Carnation / Dark Glasses / Mustache) (Steve Swallow)

Misterioso (Thelonious Monk)

On The Stage In Cages (Carla Bley)

Peau Douce (Steve Swallow)

Reactionary Tango (Steve Swallow)

Sidewinders In Paradise (Carla Bley)

Strange Arrangement (Carla Bley)

Tijuana Traffic (Carla Bley)

United States (Carla Bley)

Who Will Rescue You? (Carla Bley)

 

domingo, 14 de fevereiro de 2021

 


AS CORES DO SWING
           (Livro de Augusto Pellegrini)

BANDLEADERS E DISCOGRAFIA


Bunny Berigan (1908-1942) 

Nome completo – Rowland Bernard Berigan

Nascimento – Hilbert-Wisconsin-EUA

Falecimento – Nova York-New York-EUA

Instrumento – trompete e vocal

 

Comentário – A história musical de Bunny Berigan como bandleader foi bastante curta, e durou praticamente apenas a década de 1930. Durante este período, porém, ele se tornou tão famoso que chegou a rivalizar com Louis Armstrong e Roy Elgridge na preferência do público pelos trompetistas. Seu sopro, forte, límpido e cristalino, serviu como referência e modelo para Harry James, que apareceria alguns anos depois. Berigan começou tocando trompete em algumas orquestras durante os anos 1920, passando pelas formações de Hal Kemp, Paul Whiteman, Abe Lyman, Benny Goodman e Freddie Rich até os primeiros anos da década de 1930. Fez diversas gravações tocando nas orquestras de Tommy Dorsey e de Glenn Miller, e em 1935 resolveu formar a sua própria banda. No entanto, apesar de ser um excelente trompetista, Berigan não tinha o talento necessário como maestro, nem a firmeza de comando sobre os músicos e tampouco o tino comercial para dirigir uma orquestra. Por conta dessas deficiências, ele acabou indo à falência em 1940. Ficou alguns meses à deriva, e foi então convencido pelo baterista Gene Krupa a voltar para a banda de Benny Goodman em 1941. Mas Bunny Berigan vivia uma vida irregular e bebia muito, e seus insucessos como empreendedor o haviam conduzido a um alcoolismo irreversível. Com a idade de trinta e três anos, depois de uma internação por pneumonia, Bunny Berigan morria de cirrose hepática, após uma curta, embora brilhante, carreira como músico. A sua história pode ser comparada à de Bix Beiderbecke, outro trompetista brilhante que morrera onze anos antes, também vítima de uma luta desigual contra o alcoolismo. Bunny Berigan poderia ter ido mais longe, mas sucumbiu diante da sua fraqueza. Ele se manteve ativo desde meados dos anos 1920 até a sua morte, em 1942.

 

Algumas gravações 

A Study In Brown (Larry Clinton)

Ain’t She Sweet? (Milton Ager-Jack Yellen)

Blue Lou (Edgar Sampson-Irving Mills)

Blues (Bunny Berigan)

Chicken And Waffles (Bunny Berigan)

I Can’t Get Started (Vernon Duke-Ira Gershwin)

I Got It Bad (And That Ain’t Good) (Duke Ellington-Paul Francis Webster)

In The Dark (Bix Beiderbecke)

Jazz Me Blues (Tom Delaney)

Little Gate’s Special (Ray Conniff)

Me And My Melinda (Irving Berlin)

Night Song (Juan Tizol)

Peg O’ My Heart (Fred Fisher-Alfred Bryan)

Skylark (Hoagland “Hoagy” Carmichael-Johnny Mercer)

Stardust (Hoagland “Hoagy” Carmichael- Mitchell Parish)

Walkin’ The Dog (Shelton Brooks)