terça-feira, 18 de fevereiro de 2020







SÓ VOCÊ CHEGAR 

(canção de Renato Winkler e Augusto Pellegrini - 1970)

Só você chegar, meu coração ficou feliz
Só de lhe encontrar eu vi tudo o que sempre quis
Só deixar passar o tempo e ver que dá pra dois
Somente abraçar, pois tudo é bom demais, demais

Nunca nuvem, nada mau
Nenhum nó, notar ninguém
Beijos, risos, nada mais
Nem nunca mais sofrer

Custou tanto pra chegar
Tanto quanto quem não vem
Diz agora, o encanto faz
Especialmente alguém
Ser feliz, ser também







ACONTECEU EM BRABADINA   
(Excerto II)

Face a face, Elijah e o estranho se sentaram a uma mesa no fundo da taverna e pediram água, conhaque e algumas nozes para comer. “Precisamos conversar” – tinha-lhe dito o homem.
O silêncio era pesado, então Elijah se apresentou, mais a título de iniciar um assunto qualquer.
“Muito bem, aqui estamos. Eu me chamo Elijah Matael” – disse ele ainda intrigado com a repentina abordagem do desconhecido.
“Eu sei...” – respondeu o segundo, placidamente, e continuou depois de uma pausa – “...eu sei que tu te chamas Elijah Matael, e sei também que moras no Beco da Travessa com tua mãe e duas irmãs desprovidas de beleza, que trabalhas como escriturário junto ao notário e que tens incontáveis dívidas a saldar” – completou ele, com toda a tranquilidade.
Elijah se sentiu vulnerável.
“Eu sei de tudo” – prosseguiu o estranho. “Eu conheço o passado e o futuro, o bem e o mal, os defeitos e as virtudes, a vida e a morte...”
“Mas... quem é você? De onde veio?”
O homem sorriu um sorriso de superioridade e balançou levemente a cabeça como se fosse dar uma explicação lógica para uma criança. Depois, ficou sério e olhou fixamente nos olhos de Matael como a serpente o faz com o pássaro indefeso.
“Tu vais ficar surpreso, Elijah Matael, e deverias ficar muito orgulhoso, pois entre muitos mortais tu foste escolhido para me render os teus serviços”.
O estranho fez outra pausa histriônica e então concluiu com uma voz soturna, enquanto acariciava a enorme pedra iridescente que lhe adornava o dedo anular – “... eu sou o Diabo, Matael. Eu vim de lugar nenhum e estou em qualquer lugar...”
Matael emudeceu, os olhos arregalados. A mão trêmula, que segurava a taça, fez respingar um pouco de conhaque sobre a toalha da mesa.
Um silencio sepulcral baixou sobre a mesa, quebrado ao longe pelo barulho de pratos sendo lavados e pelas imprecações do cozinheiro. Um aroma de alho temperado pairava no ar.
“Eu posso torná-lo, rico, se desejar...” continuou o Diabo, sem maiores reticências.
“Fazer-me ficar rico? E você, o que ganharia em troca?”
“Contentar-me-ei com a tua fidelidade...”
Elijah Matael arrepiou-se, horrorizado. “A minha alma!!! Você quer a minha alma!!!
O estranho abriu a boca numa gargalhada sonora e metálica.
“A tua alma!!! Essa é boa! O que eu iria fazer com esse traste...?” e deu uma larga golada na taça de conhaque.
Ficou muito sério, agarrou o interlocutor pele braço e olhou bem dentro dos seus olhos. “Eu quero a tua fidelidade, já disse! A tua alma não vale coisa alguma, nem os ratos iriam querê-la”
Sua voz se tornou mais grave.
“Eu preciso da tua fidelidade, assim como preciso da fidelidade de todos os homens e mulheres do mundo, pois somente assim terei alimento para a minha existência”.
E sem esperar uma resposta, levantou-se abruptamente e sentenciou – “Voltarei em breve para continuarmos a conversa”.
E desapareceu pela porta da taverna no meio da noite.