AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)
CAPÍTULO 17 - O HOMEM POR DETRÁS DO TRONO
(continuação)
Enquanto dirigia a parte
musical da Black Swan, Fletcher Henderson gravou as suas primeiras composições,
“Chime Blues” e “The Unknown
Blues”, ambas feitas em 1921.
Foi quando ele
conheceu Ethel Waters, uma das mais consideradas atrizes e cantoras de blues da época. Durante um intervalo de
gravação, Henderson sugeriu a Ethel que subisse o tom de uma canção a fim de
torná-la mais confortável para a altura e o timbre da sua voz. Ethel adorou a
sugestão e se encantou com a simplicidade e a musicalidade do jovem pianista;
três meses depois ela o convidou para fazer parte do seu grupo numa pequena
turnê pelo centro-oeste.
Foi uma decisão
difícil de ser tomada por Henderson, pois ele ainda não estava preparado para
“pegar a estrada”, e de certa forma devia favores a Harry Pace. Pace, no
entanto, por entender que o futuro de Henderson necessitava de um horizonte
mais amplo do que o serviço quase burocrático que ele executava na gravadora, o
liberou sem maiores dificuldades, deixando as portas abertas para um possível
retorno no futuro, o que acabou jamais acontecendo.
A
excursão com Ethel Waters foi realmente o primeiro impulso na sua carreira.
Henderson começou a entender melhor como funcionava uma banda, quais as
dificuldades e os imprevistos que poderia encontrar pela frente e como lidar
com um público que vaiava ou aplaudia com a mesma intensidade, dependendo do
teor alcoólico consumido e das canções apresentadas. Aprendeu também a
trabalhar em grupo e a suplantar as dificuldades naturais de um relacionamento
heterogêneo com músicos e empresários.
A
turnê rendeu a Fletcher Henderson um bom dinheiro, muitos elogios e o reconhecimento
de muitos músicos de Nova York. Com isso, apareceu a oportunidade de acompanhar
ao piano outras cantoras de talento, como Trixie Smith, Mamie Smith e Ma
Rainey, e de gravar duas músicas – “Nobody’s
Blues But Mine” e “The World’s
Greatest Blues Singer” –
com a famosa Bessie Smith.
No
início de 1924, Fletcher conseguiu um emprego à noite para tocar no Little
Club, um bar perto da Broadway, onde travou conhecimento com diversos músicos
de orquestra, entre eles um saxofonista chamado Don Redman, que se diferenciava
do restante do grupo por possuir algumas ideias musicais bastante arrojadas.
Don Redman era um
músico de West Virginia, recém-desligado da Billy Paige’s Broadway Syncopators,
e tocava clarinete, sax-alto e oboé com muita desenvoltura, extraindo destes
instrumentos sons considerados “de vanguarda” para aquela época dominada pelas
orquestras de salão e pelo dixieland.
Redman começara
recentemente a tocar com a banda do Little Club e, devido aos seus arranjos
modernos, havia adquirido uma certa liderança junto aos músicos, que
respeitavam o seu conhecimento e a sua técnica avançada. Acostumado a tocar com
pessoas de qualidade não mais do que mediana, ele ficou feliz ao conhecer
Fletcher Henderson, percebendo nele um pianista que poderia compartilhar das
suas convicções musicais, pois Henderson desenvolvia no teclado algumas
estruturas também diferentes e incomuns.
Juntos, eles
começaram a reconstruir o som da banda do clube e bastaram algumas semanas para
que Redman indicasse Fletcher Henderson para ser o novo líder, “porque ele
tinha modos refinados, tocava piano com estilo, e demonstrara ser um
aglutinador, com sua fala macia e bem educada”.
Henderson se
revelou um autêntico bandleader, e começou por colocar no repertório
alguns dos novos arranjos produzidos por Redman, ao lado de algumas músicas de
sua autoria, como “Doo Doodle Blues”,
“Down South Blues”, “Old Black Joe’s Blues” e “Dicty Blues”, todas compostas em 1923.
Uma novidade inventada por Don Redman – a presença de um naipe de três
clarinetes – dava aos arranjos uma sonoridade toda especial e absolutamente
única.
A orquestra
alcançou uma projeção rápida e surpreendente, e passou a se apresentar no Club
Alabam, que era mais movimentado e mais conceituado do que o Little Club. Em
pouco tempo, a Henderson’s Dance Orchestra, que passara a ser conhecida como
Henderson’s Club Alabam Orchestra, foi contratada para se apresentar no
Roseland Ballroom, um dos mais famosos salões de baile de Nova York, em
substituição à orquestra de Armand J. Piron, que decidira voltar para Nova
Orleans. O contrato com o Roseland Ballroom previa um período de quatro anos,
mas acabou durando dez.
Naquela época,
1924, sua orquestra – agora rebatizada como Henderson’s Dixie Stompers – já
conseguia rivalizar com a famosa Paul Whiteman Orchestra e com a orquestra de
Duke Ellington, que se exibia no Cotton Club.
Mesmo, porém, com os
arranjos de Don Redman, o repertório da orquestra ainda incluía tangos, valsas
e outras músicas populares feitas para dançar. Tanto Henderson quanto Redman
queriam evoluir, mas havia uma certa acomodação no comportamento dos músicos –
a rigor, apenas o saxofonista Coleman Hawkins e o pianista e arranjador Horace
Henderson, irmão mais novo do maestro, compartilhavam com a necessidade de
jazzificar o estilo.
Foi quando Fletcher
Henderson se encontrou com o contrabaixista Bill Johnson, que tocava em Chicago
na Creole Jazz Band de King Oliver, para um ocasional bate papo num dos
intervalos do Roseland.
Henderson
estava tomando um refrigerante – ele não tinha o hábito de beber, coisa rara
entre os músicos que tocavam na noite – quando Johnson se sentou à sua mesa.
Johnson já estava um pouco “alto” por conta de meia dúzia de coquetéis de
frutas temperados com gim que havia ingerido durante o show e começou a falar
sobre as atribulações que King Oliver estava enfrentando em Chicago, com a
perspectiva de perder dois ou três músicos – inclusive ele, Bill Johnson.
Bill Johnson
mencionou “en passant”, que o trompetista Louis Armstrong, cuja fama já
extrapolava de Chicago para Nova York, estaria propenso a deixar a Creole Band
para tocar na quase desconhecida Ollie Powers’ Syncopators. O motivo, dizia
Johnson, é que a esposa de Armstrong, a pianista Lilian Hardin, era
extremamente ambiciosa e não se conformava em ver seu marido, com o enorme
talento que Deus lhe havia dado, se apresentar como o segundo trompetista de
Oliver.
“Dê o fora da
banda de Oliver e procure mostrar sua cara como solista, pois você é muito
melhor do que ele”, insistia ela, ao que Armstrong retorquia que tal
procedimento seria deselegante, pois King Oliver sempre fora o seu mestre e
ele, Louis, lhe devia muitos favores.
Armstrong
se lembrava dos tempos de Nova Orleans, quando King Oliver, a quem Armstrong
chamava de “Papa” Oliver, lhe ensinara pacientemente os segredos da corneta e
do trompete. Ele sentia um pouco de remorso ao saber que a sua saída do grupo
poderia dar início a uma debandada geral, pois os músicos, na sua maioria, estavam
fascinados com a possibilidade de mostrar o seu trabalho em diferentes casas
noturnas de Chicago ou mesmo de Nova York. Além do mais, conjeturava Armstrong,
Oliver estava doente e precisava mais do que nunca do apoio dos amigos para
conseguir levar sua orquestra adiante.
Fletcher Henderson
entendeu o lado humanista da coisa, mas a conversa com Bill Johnson mexeu com a
sua cabeça.
Ele tinha uma boa
índole, e doía na sua consciência a ideia de desfalcar King Oliver do seu
músico mais promissor, mas havia uma grande necessidade de injetar um pouco de
oxigênio na sua própria orquestra, e parecia que, de qualquer maneira,
Armstrong estava mesmo se desligando da Creole.