quarta-feira, 24 de dezembro de 2014


 
 
RIO ANTIGO
Quero um bate-papo na esquina
Eu quero o Rio antigo com crianças na calçada
Brincando sem perigo
Sem metrô e sem frescão

O ontem no amanhã...”
(Rio Antigo – Nonato Buzar e Chico Anysio)
De repente o poeta surgiu do nada.
Não me conhecia, foi-me apresentado – “este é Augusto Pellegrini, faz um programa de jazz aqui na rádio” – e parece que não prestou muita atenção.
Aliás, a rigor parecia que ele nunca prestava atenção em nada, pois seus sentidos estavam mais ligados no irreal, no surreal, no abstrato, de onde lapidava as suas frases, seus pensamentos e os seus acordes.
Sua filosofia de vida.
O poeta estava triste, havia morrido seu irmão, me contaram, e ele deixara o habitat que escolhera, cidade do Rio de Janeiro, para cumprir com seus deveres fúnebres em São Luís e, depois de fazê-lo, resolveu procurar os amigos. Como era dia, foi a uma emissora de rádio e às ruas do Centro velho; fosse à noite, talvez procurasse pelos bares das quebradas.
O poeta não era só poeta.
Cantor, compositor e produtor musical, nascido no interior do Maranhão na pequena Itapecuru-Mirim em 1932 (naquele tempo, muito pequena), Raimundo Nonato Buzar foi brilhar no Rio, para onde viajou aos 21 anos num verdadeiro mergulho no meio do desconhecido.
Fez seu debut nas noites cariocas cantando e tocando as suas composições nos bares da moda – Bottle’s e Little Club – e logo teve o seu talento reconhecido por dezenas de artistas e frequentadores da noite, entre eles donos de casas noturnas, diretores de gravadores e produtores artísticos.
Compôs um total de 162 canções, tanto solo como ao lado de parceiros como Paulo Sérgio Valle, Ronaldo Bôscoli, Carlos Imperial, Chico Anysio, Chico Feitosa, Torquato Neto, Nelson Motta, Paulinho Tapajós, Roberto Menescal, Rosinha de Valença, Orlandivo, Tibério Garpar, João Nogueira, Nosly, Gerude, Rogeryo du Maranhão, e muitos outros. 
Maysa, Elis Regina, Elizeth Cardoso, Nana Caymmi, Cauby Peixoto, Jair Rodrigues, MPB4, Wilson Simonal, Silvio César, Erasmo Carlos, Nelson Gonçalves e Ithamara Koorax, entre outros, gravaram canções suas e ajudaram a imortalizar o seu nome.
Nonato Buzar também atacou de produtor, sendo responsável na RCA Victor por discos de Jair Rodrigues, Wilson Simonal, Turma da Pilantragem, Regininha e Jimmy Cliff e também por um álbum do Festival Internacional da Canção, um concurso de músicas criado por Augusto Marzagão para a TV Globo que durou de 1966 a 1972.
Chegou às paradas europeias com “Vesti Azul” e compôs um punhado de músicas para novelas de televisão – “Irmãos Coragem” (com Paulinho Tapajós), “Verão Vermelho”, “O Homem Que Deve Morrer” (com Torquato Neto) e trilhas para outros programas de tevê e filmes diversos.
O poeta, simples como um detalhe da natureza, não era pouca coisa não, mas não vivia sobre seus louros.  
Sujeito estranho, mas simpático, desdenhava completamente a aura do sucesso obtido principalmente quando estava no Maranhão, seu feudo, onde cultivava amigos e novos amigos com o mesmo desprendimento e a mesma afeição.
Depois de cinco minutos de conversa, ele me confidenciou que devido ao seu luto familiar não se sentia tentado a cair na farra durante a noite e sabia que se encontrasse a turma da boemia nos bares da vida, a coisa iria inexoravelmente descambar para tal.
Então, pediu meu endereço e prometeu me fazer uma visita, para espairecer um pouco, posto que tinha passagem marcada de volta para o Rio na manhã seguinte.
Passei o endereço e as referências – aquela rua do supermercado, na esquina do posto de gasolina, depois de um muro amarelo cheio de pichações – e ele anotando tudo na mente privilegiada.
Veio a noite, eu estou com a televisão ligada falando para as paredes enquanto leio um delicioso romance de Campos de Carvalho – “A Lua Vem Da Ásia” – quando ouço palmas no portão.
Da porta da sala vislumbro a silhueta do meu novo amigo-poeta, faço-lhe a devida vênia e carrego com ele para a sala de jantar, onde meu filho e seu amigo confabulam sobre uma nova composição para a banda em que tocam.
Nonato Buzar é universalista.
Para ele não existem jovens nem velhos, e as suas músicas que mesclam irreverência, força e ternura tanto podem ser apreciadas e tocadas por um grupo de menestréis setentistas como por uma banda de rock inconformista.
Ele pede uma dose de uísque e um violão.
Tudo à mão, é atendido com reverência e tem a seu dispor uma plateia composta por três pessoas. Bebe a primeira dose como um retirante sedento e a segunda com um pouco menos de sofreguidão. Só então se lembra do gelo.
O uísque é de boa procedência – Chivas Regal 12 anos – e ainda não havia sido inaugurado.
Entre um gole e outro, sucedem-se as canções, sob o silêncio respeitoso e o olhar de quem flerta com o inesperado.
“...Eu estou no céu ou estou no carrossel
De pé pro ar, sou barquinho de papel
À beira-mar, sou criança outra vez...

(Dez Pras Seis – Nonato Buzar e Paulo Sérgio Valle)
“...Dizendo que eu devia vestir azul
Que azul é cor do céu e seu olhar também
Então o seu pedido me incentivou...

(Vesti Azul – Nonato Buzar)
“...Nada pra fazer, apenas ver
Que a paixão chegou por causa de
você
Quando se descobre ser capaz de amar assim...
 
(Coração Na Voz – Nonato Buzar, Nosly e Gerude)
“...Num dia igual a qualquer um
Eu despertei dentro de mim
Se fez manhã no meu viver
Se fez igual a terra e o céu...

(Assim Na Terra Como No Céu – Nonato Buzar, Paulinho Tapajós e Roberto Menescal)
...Manhã despontando lá fora
Manhã, já é sol, já é hora
E os campos se abrindo em flor
Que é preciso coragem
Que a vida é viagem
Destino do amor...

(Irmãos Coragem – Nonato Buzar e Paulinho Tapajós)
 “...Camisa verde-claro, calça Saint Tropez
Combinando com o carango, todo mundo vê
Ninguém sabe o duro que dei
Pra ter fon-fon trabalhei, trabalhei...

(O Carango – Nonato Buzar e Carlos Imperial)
“...Vem pra roda, me dê a mão
Traz o seu olhar
Vou girando na roda
Vou cantando à sua espera
Quem me dera um dia ter seus olhos
Cor da primavera...

(Menininha Do Portão – Nonato Buzar e Paulinho Tapajós) 
“...Um pregão de garrafeiro
Zizinho no gramado, eu quero um samba sincopado
Taioba, bagageiro, e o desafinado
Que o Jobim sacou...”
(Rio Antigo – Nonato Buzar e Chico Anysio)
No silêncio da noite, entre goles e canções, apenas meia dúzia de palavras pronunciadas, embora o mestre falasse para si mesmo, os ouvintes não ousando quebrar o encanto da audição.
As palavras vinham com a música.
Fim de uísque, início de madrugada, o poeta se levanta, o semblante tranquilo embora aparentando cansaço, e me agradece com um abraço e um cálido “boa noite”.
E vai de encontro ao alvorecer, seu parceiro de vida.
 
 
 

 
 
 

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014





FELIZ NATAL 

(ARTIGO PUBLICADO NO CADERNO “SUPER ESPORTES” DO JORNAL “O IMPARCIAL” DE 22/12/2014) 

Fim de ano.
Hora de a torcida deixar de lado as emoções vividas em 2014 e recarregar as energias para 2015, que vem fervendo, cheio de expectativas e promessas.
É claro que eu estou me referindo ao futebol e ao esporte em geral, pois esta é a praia desta coluna, mas esta previsão vale para as torcidas de qualquer atividade que possamos exercer.
Quanto ao futebol, para quem tem o saudável vício de assistir a eventos esportivos, felizmente sempre existem os jogos dos campeonatos europeus que as tevês por assinatura transmitem durante as pausas dos nossos campeonatos, e os espetáculos acabam se constituindo em um bom pretexto para uma cervejinha com queijo gorgonzola, de preferência com algum amigo que curte o riscado, embora ninguém empunhe a bandeira do time que está jogando nem ofenda a mãe do juiz porque ele marcou um pênalti inexistente.
É fim de ano.
Na falta de atualidades, os cronistas esportivos concentram a sua atenção na montagem das equipes para o ano próximo, na análise sobre o que deu certo e o que deu errado. Discute-se a tradicional dança das cadeiras dos treinadores, a renovação de contratos de alguns jogadores, a liberação de outros tantos e a inevitável contratação de novos reforços.
Ninguém mais fala em táticas e estratégias para as partidas, nas deficiências técnicas das equipes ou na tomada de decisão dos treinadores para tentar virar o jogo. Isto, no momento, é passado. E também é futuro.
As diretorias dos clubes começam a planejar, mas vão além do planejamento. Fazem promessas que sabem não serão cumpridas, procuram alinhavar contratos vantajosos com patrocinadores de porte para aliviar o fardo financeiro que pesa às suas costas e contam com a ajuda de algum Mecenas para trazer jogadores que consigam trazer público para os estádios, mesmo que seja para uma única temporada.
Afinal, isso aconteceu com o fenômeno Ronaldo, com Ronaldinho Gaúcho, com Seedorf, e mais recentemente com Kaká, e de certa forma deu certo, pois aumentou a presença de público e trouxe bons resultados para os clubes que apostaram na fórmula – Corinthians, Flamengo (depois Atlético Mineiro), Botafogo e São Paulo – durante o período em que os craques importados vestiram as suas camisas.
É fim de ano, e talvez o momento seja de reflexão.
É preciso repensar o pagamento de salários fora do contexto para técnicos que ganham entre 500 e 700 mil reais por mês (cerca de 20 mil reais por dia ou 8 milhões e meio por ano), num país como o Brasil.
É preciso também repensar um piso salarial para jogadores, levando em conta um plano de análise de eficiência, comprometimento e resultados, pois uma empresa só consegue dar certo quando as receitas superam as despesas, gerando lucros para reinvestimentos.
É preciso repensar o calendário procurando aprimorar as tabelas dos jogos para aproveitar melhor as viagens longas, levando-se em conta as distâncias deste enorme Brasil.
É preciso que os clubes dispensem mais atenção às suas divisões de base e que as federações procurem fortalecer o futebol do interior, antigo e eficiente celeiro de craques.
É, enfim, hora de valorizar mais o torcedor e trazê-lo de volta aos estádios através de promoções, campanhas de sócio-torcedor e atrativos para tornar os preços dos ingressos menos abusivos.
É hora de desejar Feliz Natal a todos os leitores, e um Ano Novo cheio de coisas boas.