terça-feira, 20 de setembro de 2016





A TECNOLOGIA E A DISCIPLINA

Na maioria dos esportes coletivos existe um enorme descompasso entre os praticantes – no caso os jogadores e os técnicos – e os que fazem cumprir o regulamento – no caso a arbitragem.
O futebol parece ser o recordista de mostras de indisciplina e, independentemente da importância do jogo, todos os vinte e dois jogadores, o banco de reservas e a comissão técnica já entram no campo da luta predispostos a reclamar, insultar e discordar das medidas tomadas pelo mediador, sejam elas certas ou erradas.
Muitas vezes o técnico perde um precioso tempo que poderia ser usado para analisar erros, corrigir defeitos ou orientar seus jogadores a adotar uma postura diferente. Esse tempo é usado para massacrar o árbitro, se agitando o tempo todo e gritando palavras de ordem (ou de desordem, no caso dos palavrões).
É interessante que o que é aceitável e válido para o seu time – faltas violentas sem aplicação de cartões, malandragem, cera, cotoveladas veladas, bola na mão e mão na bola – é visto como um crime passível de pena de morte se for praticado pelo adversário.
A cada falta – recurso permitido dentro da partida e sujeito à interpretação a critério do apitador – todo o time cerca o juiz com o dedo em riste, fazendo gestos pouco corteses e carrancas pouco amistosas enquanto tecem palavras nada elogiosas que numa situação normal do dia a dia provocaria uma imediata reação física por parte do ofendido.
O mesmo ocorre no catimbado basquete e até no educado voleibol, onde a conduta do árbitro é facilitada pela falta de contato físico entre os atletas.
É claro que o árbitro não é nenhum anjo, e já foi aqui criticado diversas vezes por assinalações duvidosas que mostram despreparo técnico, desconhecimento de regras (não é a mesma coisa), falta de condição física, interpretação errada, má orientação dos auxiliares, covardia e medo de enfrentar a ira da torcida ou até pura e simples desonestidade.
Talvez esta falta de critério e a inexistência de um comando firme de uma Comissão de Arbitragem ou de uma Federação tenha levado torcedores, dirigentes, técnicos e jogadores a este estado de descrédito que provoca o linchamento moral destes homens que têm a função de arbitrar dúvidas e demandas e de mediar conflitos.
No futebol, são 15 as regras que administram a sua prática, desde as que determinam as dimensões do campo de jogo e as características da bola até aquelas cuja aplicação pode efetivamente irritar os envolvidos, e que dizem respeito à bola em jogo e fora de jogo, gol marcado, impedimento, faltas e incorreções, tiros livres, tiro penal, arremesso lateral, tiro de meta e tiro de canto. E à aplicação de cartões.
É claro que a missão dos árbitros poderia ser facilitada se a Fifa adotasse a tecnologia como ponto de apoio, mas seus dirigentes continuam virando as costas para estas conquistas.
Perguntado sobre isso ainda durante o seu mandato, João Havelange disse que “o futebol perderia a sua graça se a tecnologia fosse adotada, pois uma das coisas que encantam no jogo é exatamente a apaixonante discussão sobre a dúvida” (sic!).
Seu sucessor Joseph Blatter deu outra explicação: para ele não faria sentido implantar uma regra tecnológica que iria beneficiar apenas os grandes centros ou os grandes espetáculos e deixar em aberto as partidas de menor expressão. É mais ou menos como tirar o policiamento de alguma região crítica porque a polícia não tem efetivo suficiente para abranger outras áreas da cidade, ou como privar um pronto-socorro de um equipamento de ponta porque outros congêneres não poderiam tê-lo.
É interessante notar que o esporte favorito dos americanos, o American Football, tido como viril e violento pela visão latino-americana, é dirigido e disciplinado por sete árbitros  que anunciam as suas decisões por meio de 47 gestos diferentes feitos para todos os presentes no estádio, e os jogadores não fazem nenhum motim para contestar a marcação. A tecnologia lá também é utilizada há muito tempo e segue sendo aperfeiçoada.
Fosse no Brasil e teríamos uma revolução a cada jogo.    
    


 (Artigo publicado no caderno de Esportes do jornal O Imparcial de 16/09/2016)