sábado, 5 de dezembro de 2020

 


AS CORES DO SWING
            (Livro de Augusto Pellegrini)

CAPÍTULO 20 - O PÓS-SWING
            (continuação)


Outro trompetista, Shorty Rogers, produziu uma espécie de “jazz-a-la-Basie” com uma forte concepção de west coast e muita inventividade. Rogers contava com os arranjos inteligentes de Quincy Jones e com a qualidade do contrabaixista Oscar Pettiford, do trombonista Urbie Green e do trompetista Herb Pomeroy.

Quincy Jones também resolveu montar a sua própria orquestra, e contratou um time de respeito – Art Farmer (trompete), Lucky Thompson e Zoot Sims (sax-tenor), Phil Woods (sax-alto), Herbie Mann e Jerome Richardson (flauta), Jimmy Cleveland (trombone), Milt Jackson (vibrafone), Hank Jones e Billy Taylor (piano), Charles Mingus e Paul Chambers (contrabaixo).

Quincy Jones nunca foi um instrumentista brilhante, mas era um gênio da orquestração e tinha um faro especial para ressaltar o ponto alto de cada solista, produzindo um som às vezes tão perfeito que os jazzistas começaram a considerá-lo artificial. Por essas e outras razões Jones acabou se aborrecendo e deixou o “pure jazz” de lado, ingressando com tudo no mundo mágico do entretenimento. Ele passou a compor e produzir temas de filmes e seriados de televisão, jingles comerciais e peças musicais, se transformando no “músico de jazz” mais bem remunerado do planeta.

No mesmo gênero de Quincy Jones também surgiu a orquestra do pianista argentino Lalo Schifrin, que fora parceiro de Dizzy Gillespie por algum tempo em diversas incursões jazzistas, como em “Gillespiana” (1958) e “The New Continent” (1962). Mais tarde, Schifrin se especializaria em compor música para cinema e televisão.

Outra orquestra que se baseou no universo de Count Basie foi a do sax-barítono Gerry Mulligan. Com seus arranjos corajosos e precisos, Mulligan criou uma sonoridade bastante sofisticada. Foi o suficiente para ser acusado de – a exemplo de Quincy Jones – estar superproduzindo o som do jazz. Na opinião de muitos críticos, a música de Mulligan não incluía a alegria e a simplicidade do swing, nem a singeleza do blues autêntico, nem a estruturação intelectual do bebop.

Algum tempo depois, Mulligan desfez a orquestra e começou a liderar pequenos combos e praticar execuções como solista, o que fez com maestria durante o resto da sua vida.

Os anos 1950 trouxeram para o cenário orquestral um músico que realmente revolucionou o contexto de big band: Gil Evans.

Evans trabalhou como arranjador da orquestra de Claude Thornhill, colaborando para o seu som modernista, e mais tarde foi um parceiro constante do trompetista Miles Davis, desde o tempo em que este comandava a Miles Davis’ Capitol Band.

É à influência de Gil Evans que Miles Davis deve o timbre impressionista do seu trompete post-cool, um sopro oco e sofrido que parecia vir das entranhas de uma caverna no deserto em uma noite de chuva.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

 


NOVOCABULÁRIO INGLÊS

(Copyright EFEducation) 

(ver tradução após o texto)

 

UPVOTE / DOWNVOTE 

If you’re an avid online commenter, you’ve probably UPVOTED or DOWNVOTED many kinds of posts. UPVOTING means to agree and DOWNVOTING means to disagree – both can be done with the push of an icon of your cell-phone or computer, usually a thumb up or down.

 

            “I’m not going to lie: my self-esteem is closely linked to the number of UPVOTES I get on social pages.” 

            “Every UPVOTE is equivalent to 2 to 5 visitors.”           

            “If you post this, many people will probably disagree and DOWNVOTE.”                      

                          

 

TRADUÇÃO

 

CURTIR / DESCURTIR

Se você é ligado em comentários online, você provavelmente já CURTIU ou DESCURTIU muitas postagens. CURTIR significa “estar de acordo, apreciar o que foi postado”, e DESCURTIR significa “não estar de acordo, odiar uma postagem” – e as duas opções podem ser feitas simplesmente clicando um ícone na tela do seu celular ou computador, que pode ser um polegar voltado para cima ou para baixo.”  

 

“Eu não vou mentir: minha autoestima está intimamente ligada ao número de CURTIDAS que eu recebo nas redes sociais.”

“Cada CURTIDA é equivalente a 2 a 5 visitantes.”

“Se você postar isso, muita gente vai provavelmente discordar e DESCURTIR.”  

 

 

 

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

 

                                Foto: Stan Kenton (piano) e seus músicos

AS CORES DO SWING
            (Livro de Augusto Pellegrini)

CAPÍTULO 20 - O PÓS-SWING
            (continuação)

A orquestra de Dizzy Gillespie começara a ser montada e formatada no verão de 1945, exatamente quando o presidente Truman alertava os japoneses que, caso não houvesse uma rendição incondicional, uma potente bomba atômica seria utilizada contra as suas principais cidades (o que veio a acontecer em Hiroshima e Nagasaki).

A orquestra conduzida por Gillespie utilizou um simbolismo decorrente deste infausto acontecimento com a inclusão no repertório de algumas músicas que continham um fraseado irriquieto e uma mensagem embutida e mística, como “Things To Come” (“Coisas que irão acontecer”), de Gillespie, e “Apocalypse In Jazz” (“Apocalipse em Jazz”), de Gil Fuller.

Mais tarde, Gillespie deixou este impressionismo e o bebop de lado e se concentrou em músicas com temas mais alegres e extrovertidos, fazendo jus ao seu temperamento. No final da década de 1940, Gillespie liderou um movimento da música afro-cubana, incluindo a salsa no seu repertório, com a gravação de diversas músicas, como “Manteca”, “Tin Tin Deo” e “Con Alma”.

O modelo free do jazz orquestrado de Gillespie, cheio de nuances futuristas serviu de base para as experiências de outras orquestras, cuja concepção jazzística era diametralmente oposta à do swing.

Esta transição deu origem a um outro estilo, conhecido como progressive jazz, que dava um verniz erudito ao swing, e fazia com que ele perdesse de vez a sua característica dançante. O progressive jazz teve entre os seus cultores alguns dos mais importantes nomes da música de orquestra, todos com fortes conotações vanguardistas e intelectualizadas.

Claude Thornhill, por exemplo, colocava o seu piano numa atmosfera intimista – caso da fantástica música “Portrait Of A Guinea Farm” – servindo de inspiração para as futuras incursões de Miles Davis na Miles Davis’ Capitol Orchestra, já no final dos anos 1940.

Elliot Lawrence inovou com arranjos feitos sob encomenda por Gerry Mulligan, Tiny Kahn e Johnny Mandel, que produziam uma música orquestral forte e cheia de dissonâncias, indo desembarcar no west coast jazz.

Boyd Raeburn organizou uma orquestra para tocar um jazz erudito, moderno e cheio de firulas, semelhante ao executado pelo também inovador Stan Kenton. Um bom exemplo do seu trabalho personalista são as obras “March Of The Boyds”, “Little Boyd Blues” e “Boyd Meets Stravinsky”.

Stan Kenton foi possivelmente a marca registrada deste estilo. Auxiliado pelos arranjos de Pete Rugolo, ele se notabilizou ao fazer uma vigorosa fusão entre o jazz e a música erudita contemporânea e exerceu uma profunda influência sobre muitos músicos. Suas peças “Artistry In Rhythm” e “Intermission Riff” são verdadeiras obras sinfônicas.

Mas as orquestras não viviam apenas dos sons exóticos do progressive jazz.

No início dos anos 1950, a orquestra de Count Basie, na época mais influente do que as de Duke Ellington ou Benny Goodman, se manteve em alta incentivando seus músicos a experimentarem o que eles chamavam de “Basie clacissism”, que levava o som orquestral de volta às origens do blues, dominado pelo seu piano econômico, e permitia lânguidos solos instrumentais entrecortados por intervenções agressivas dos naipes de metais.

É interessante notar que quando Basie direcionou a sua música para essa espécie de swing lento e cheio de blues, o qual recebeu o nome de kansas city style, outras orquestras tentaram executar o mesmo trabalho sem, no entanto, conseguirem utilizar o blues como elemento estrutural básico com a mesma perfeição.

Por consequência, o trabalho destas orquestras acabou soando mais experimental e modernista. Podemos citar como exemplo a orquestra do trompetista “estratosférico” Maynard Ferguson, que surgiu em 1953 saído da orquestra de Stan Kenton. Ferguson contava com os arranjos dos saxofonistas Jimmy Giuffre e Bill Holman, do trompetista Ernie Wilkins e do trombonista Slide Hampton, todos eminentes inovadores, mas era no som do seu trompete – no qual ele emitia registros altíssimos – que residia toda a sonoridade da orquestra.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

 


SINOPSE DO PROGRAMA SEXTA JAZZ DE 23/03/2018
RÁDIO UNIVERSIDADE 106,9 Mhz
São Luís-MA

GEORGE BENSON SPECIAL

George Benson á uma lenda viva do chamado "jazz guitar". Com mais de 60 anos de atividade, ele personifica o smooth jazz, o rhythm 'n' blues, o jazz fusion e o jazz funk como nenhum outro. Além de exímio guitarrista, George Benson também se apresenta como cantor, especializado no pop e na soul music e com isso agrega um outro público ao seu público cativo de jazz. Neste programa, ele será apresentado tocando faixas de diferentes álbuns gravados entre 1969 e 2009. Entre elas, "Affirmation", de José Feliciano. "Take Five", de Paul Desmond, "Something", de George Harrison, "I Remember Wes", de sua autoria, homenageando uma das suas influências, Wes Montgomery, "Stella By Starlight", de Victor Young e Ned Washington, e a formidável "This Masquerade", de Leon Russell, onde ele exercita o seu talento vocal.

   

Sexta Jazz, nesta sexta, oito da noite, produção e apresentação de Augusto Pellegrini

                                                                                                                                    

 

 

 

 

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

 


LÁ VEM MARIA 

1968

(samba de Augusto Pellegrini)

 

Olha, lá vem Maria

Linda, lá vem Maria

Seus cabelos negros balançam

Combinando com a tarde morena

O sol vai espiar no decote

Demora, e a sombra faz véu

Olha, lá vem Maria

 

Sua bênção

Deus do amor que nos guia

Sol, poesia, calçada, Maria

Sua bênção

Deus do amor que nos guia

Sol, poesia, calçada, Maria

Seu mundo valia

O que vale hoje em dia?

 

Olha, lá vem Maria

Linda, lá vem Maria

Com seu passo livre e sem cuidado

Caminhando pro bar onde o João

Esquece no copo suado

Problemas sem solução

Olha, lá vem Maria

 

 


AS CORES DO SWING
          (Livro de Augusto Pellegrini)

          CAPÍTULO 29 - O PÓS-SWING


A história da música – especialmente no que diz respeito ao jazz – nos tem mostrado que um determinado movimento ou estilo tende a permanecer em alta durante um certo período, quando naturalmente começa a perder espaço para um novo estilo ou movimento que começa a surgir. Este novo estilo geralmente nada mais é do que uma consequência lógica ou uma continuidade natural do antigo estilo em termos de estrutura musical e harmonia, embora apresente uma considerável diferença nos detalhes.

Quando aconteceu o inevitável, ou seja, quando o swing começou a dar sinais de que estava entrando na sua trajetória final, alguns músicos de Nova York já estavam sentindo que havia chegado a hora de procurar um novo caminho para dar sequência ao seu trabalho, fazendo com que o jazz desse um passo adiante com a introdução de uma novidade que foi batizada como bebop.

Com o surgimento do bebop no início da década de 1940, as big bands de swing começaram a experimentar uma ligeira queda de popularidade. Não que o movimento do swing estivesse a ponto de se dar totalmente por encerrado, mas as centenas de orquestras que haviam aproveitado o bom momento da década anterior começaram a ser depuradas e algumas delas foram desaparecendo, numa seleção natural. Outras foram sendo reduzidas porque alguns dos seus integrantes se renderam ao novo estilo e começaram a se reunir em pequenos grupos, dando força, ênfase e credibilidade à novidade, e colaborando desta forma para o encolhimento do swing.

As orquestras que utilizavam o swing apenas como um modismo ou para fazer dinheiro (cujos músicos pouco ou nada acrescentavam ao jazz) tiveram que encerrar as atividades por absoluta falta de horizonte. Elas foram desativadas também em função da economia de guerra que dominava o país, da aceitação pública do novo movimento que surgia e da falta de comprometimento dos seus músicos com o próprio jazz.

Evidentemente, as orquestras de qualidade, como as de Benny Goodman, Duke Ellington, Count Basie ou Harry James, permaneceram no mercado como se a situação estivesse inalterada e enfrentaram os anos 1940 a 1960 sem maiores preocupações, mantendo vivo o mesmo estilo, sem emendas ou rasuras, por mais de quarenta anos.

Como as inovações no campo da música são consideradas uma consequência normal da própria história, o bebop surgia como uma revolução inexorável e silenciosa, impondo ao jazz um novo conceito de estética e filosofia.

O bebop era mais econômico, pois congregava um número menor de músicos e podia ser apresentado em locais de espaço reduzido; era minimalista, pois diminuía a quantidade de sons, por eliminar os naipes de instrumentos e proporcionar arranjos mais enxutos, embora mais arrojados; era um desafio à capacidade de interpretação (e no jazz os músicos estão a cada momento em busca de um novo desafio e de uma nova proposta); e também dava vazão, em larga escala, ao poder de improvisação de cada um.

Tudo o que um músico de bebop precisava era absorver o tema e ter uma quantidade suficiente de compassos para desenvolver a sua criatividade em termos de improvisos e modulações a fim de costurar os seus fraseados com os outros músicos. Chet Baker, um trompetista cool egresso das influências do bebop, por exemplo, não gostava de ler partituras e não precisava conhecer a música que estava tocando para fazer solos e improvisos maravilhosos. De acordo com suas próprias palavras, bastava ele saber o tom da música e ouvir a linha melódica uma única vez.

Os temas do bebop, curtos e cheios de acidentes harmônicos e rítmicos eram completamente diferentes dos temas melódicos do swing, que além de longos eram musicalmente padronizados, com “choruses” distintos e estruturalmente não muito complexos.

O bebop modificou a organização instrumental do jazz, o que não impediu que se produzissem arranjos de extrema qualidade. No entanto, esta interpretação impunha à música uma certa intelectualidade e sisudez, o que tolhia a possibilidade de o ouvinte dar asas à vontade de participar, inerente às big bands.

Mas a música das grandes orquestras conseguiu sobreviver mesmo com o bebop começando lenta e consistentemente a tomar o seu lugar, mesmo com a revolução promovida pelos pequenos conjuntos e mesmo com a invasão do rock and roll. Assim como as big bands que mantinham o estilo “puro swing” com o seu fraseado característico do final dos anos 1930, outras orquestras foram surgindo, algumas deixando clara e evidente a influência harmônica do bebop, outras não. Elas executavam um tipo de música menos dançante, mas ainda mantinham os naipes instrumentais e o brilho extraído pelo som alegre das bandas da década anterior.

Este período viu florescer a orquestra de Earl “Fatha” Hines, pianista que se notabilizara ao lado de Louis Armstrong, com quem manteve a partir de 1928 uma durável parceria na época do estilo new orleans-chicago fazendo parte dos grupos de jazz tradicional denominados Hot Five e Hot Seven. Surpreendentemente, Hines, que nunca chegara a ter uma maior afinidade com o swing, criou uma música orquestral que misturava a estrutura do swing com a do bebop e provou, enquanto gingava no banquinho do piano, que o som negro do “harlem jump” podia ser perfeitamente adaptado ao clima do bebop sem perder a essência do velho blues de Nova Orleans.

Ex-integrante da orquestra de Hines, o cantor Billy Eckstine formou uma banda semelhante em 1944, fundindo elementos de swing com a harmonia do bebop e aproveitando sua própria característica como cantor. Eckstine contratou a cantora Sarah Vaughan, uma espécie de seu alter ego feminino, para vocalizar o bebop com perfeição e dar um colorido diferente à orquestração. Na sua formação, Eckstine contou com músicos do primeiro escalão do jazz – caso dos trompetistas Dizzy Gillespie, Fats Navarro e Miles Davis, dos saxofonistas Charlie Parker, Gene Ammons, Dexter Gordon e Leo Parker e do baterista Art Blakey.

Quando a orquestra de Billy Eckstine se desfez em 1947, Dizzy Gillespie, que acumulava as funções de músico e arranjador, utilizou a base do grupo para formar a sua própria orquestra, deixando de lado pouco a pouco o compasso peculiar do swing e a intelectualidade do bebop e criando uma verdadeira big band, que iria a marcar o jazz orquestrado dali pra frente.

domingo, 29 de novembro de 2020

 



A AVAREZA

(Augusto Pellegrini)

 

A coisa mais bela que já se escreveu sobre a avareza, se é que pode ser considerada bela uma narrativa sobre tão grave defeito, foi feita por Charles Dickens, no seu Conto de Natal.

A sovinice do velho Scrooge, o fantasma do seu sócio Morley, as visagens dos Natais passados, a premonição do próximo Natal e o espectro dos Natais futuros dão uma dimensão de ternura e horror poucas vezes vista na literatura universal como se, num relance, casássemos Poe com Grimm.

Assim, qualquer tentativa de discorrer sobre este pecado capital será uma mera aproximação do impacto já conseguido por Dickens, além do fato incontestável de que a avareza hoje em dia já não representa tantas maledicências divinas como nos ensinou a Santa Madre Igreja.

O próprio Estado cultua e aconselha a avareza na sua forma mais pura – a poupança. Administradores e economistas são unânimes em afirmar que uma usurazinha bem planejada não faz mal a ninguém e talvez possa servir de antídoto a um eventual e inesperado dissabor financeiro.

O vício capital não seria a usura em si, mas os juros que temos que pagar aos bancos, às casas de crédito, aos agiotas e a outros credores e entidades, que deveriam por isso ser castigados com pesadas correntes amarradas ao pulso ou condenados ao fogo do inferno.

De certa forma, a avareza em si fica isenta de culpa, porque os seus efeitos maléficos dependem do avarento. Como o avarento não gasta, não empresta e não dá, ele pode se transformar num ser absolutamente inofensivo, desde que você passe ao largo dele sem pedir nada. Basta deixá-lo sossegado dentro do seu cofre contando as suas moedas que ele não o ameaçará de inadimplência nem buscará executar a sua dívida.

O avarento cuida do que é dele, não reparte com ninguém nem o seu sorriso e a sua alegria, e anda escondido como um doente contagioso.

No entanto, tenha muito cuidado com o usurário. Ele chama o incauto como o faz uma sereia com o seu canto, hipnotizando-o como faz a aranha à mosca e oferece ajuda para mais tarde poder arrancar até o couro do infeliz que caiu nas suas malhas.

Avarentos, usurários, sovinas e mãos-de-vaca, apressai-vos em mudar o seu modo de vida!

Estejam atentos para o Dia do Juízo, já que o dia da falta de juízo são todos os dias!

 

                                               Foto: "Pierrete", obra de Di Cavalcanti, 1922


AS CORES DO SWING
            (Livro de Augusto Pellegrini)

CAPÍTULO 19 - O BRASIL NA ERA DO SWING
            (final)

Em termos de cultura, a década de 1920 começara quente e promissora no Brasil. O poeta Oswald de Andrade dizia que “no ano da independência, os intelectuais deveriam fazer ver que a independência não é somente política, ela é acima de tudo uma independência mental e moral”.

Assim, em 1922, quando a independência do Brasil completava cem anos, um grupo de intelectuais composto por Menotti del Picchia, Mario de Andrade, Manoel Bandeira, Guilherme de Almeida, Sérgio Milliet, Graça Aranha e Ronald de Carvalho, influenciados pelas ideias modernistas de Oswald de Andrade e do pintor Di Cavalcanti, provocou um evento que, a partir de um aspecto predominantemente literário, acabou por ter a adesão das artes plásticas, da música e da intelectualidade em geral.

O movimento durou três semanas e foi realizado no Teatro Municipal de São Paulo, apresentando novas propostas artísticas e utilizando para tal somente temas brasileiros, dentro de uma forma e de um contexto revolucionário – poesia por meio de declamações, música através de concertos e uma nova arte plástica exibida em telas, esculturas e maquetes de arquitetura.

Embasado na necessidade de uma renovação da linguagem na busca de uma experimentação criativa e de uma total ruptura com o passado, músicos como Heitor Villa-Lobos e Guiomar Novaes, escultores como Victor Brecheret (“nosso”, mas nascido na Itália) e pintores como Anita Malfatti e Di Cavalcanti se engajaram na aventura e ajudaram a provocar a maior revolução artística de curto prazo da qual já se teve notícia no Brasil, a “Semana de Arte Moderna”. Estranhamente, apesar do seu cunho nacionalista, o evento teve a adesão e aceitação de artistas estrangeiros, como os arquitetos Georg Przyrembel (polonês) e Antonio Garcia Moya (espanhol), o pintor suíço John Graz e o escultor alemão Wilhelm Haarberg. Tarsila do Amaral estava em Paris, e portanto não participaria da Semana.

A ideia de produzir um evento nacionalista tinha muito que ver com a xenofobia que durante algum tempo dominou boa parte da intelectualidade brasileira, que repudiava qualquer tipo de “invasão alienígena” na arte musical tupiniquim. Para que se tenha uma ideia do tamanho desta xenofobia e da sua influência atemporal, quarenta anos depois, nos anos 1960, intelectuais de respeito como o historiador e crítico José Ramos Tinhorão e o escritor Ariano Suassuna espinafravam Tom Jobim e toda a turma da bossa nova, e davam seu aval a uma campanha feita pela apresentadora de televisão Xênia Bier, dizendo que a nova música popular brasileira estava ficando “americanalhada” (não “americanizada”, como recomendaria uma crítica elegante).

O movimento da Semana de Arte Moderna foi a princípio contestado pela maioria dos críticos e também pelo público, mas ganhou força com a adesão dos artistas e acabou por se tornar uma alavanca nacionalista sem precedentes, tendo com certeza influenciado as décadas seguintes no que diz respeito à arte brasileira como um todo.

Assim, as artes da década de 1930 respiravam uma forte influência dos brasileirismos que iam desde o Manunaíma de Mario de Andrade e do Trenzinho do Caipira das Bachianas de Villa-Lobos até as Mulatas de Di Cavalcanti.

O clima político e social também vivia um momento de mudanças, com a população dos grandes centros envolvida numa complicada burocracia civil e militar. Se por um lado, a industrialização se intensificava, por outro lado eram tramados os mais rocambolescos golpes de estado, transformando o período numa ansiosa busca pelo equilíbrio.

As décadas de 1920 a 1940 mostram um período conturbado e marcado por convulsões, tentativas de golpes institucionais e revoluções. Nos anos 1920 instalou-se no Brasil um movimento que não propunha nenhuma ideologia, mas estimulava a insubordinação e a desordem por parte de oficiais rasos do Exército Brasileiro insatisfeitos com a política vigente. A insurreição, conhecida como Movimento Tenentista, foi responsável pela revolta do Forte Copacabana em 1922 e pela Revolução de 1924.

Apesar de confuso e desordenado, este movimento ocasionou em 1930 uma formidável crise na República Velha, possibilitando a ascensão de Getúlio Vargas ao poder. Depois, vieram a revolução constitucionalista de 1932, a intentona comunista de 1935 liderada por Luís Carlos Prestes, o golpe de estado de 1937 e a fundação do Estado Novo.

Todos estes movimentos políticos tinham um inegável cunho nacionalista, que influenciava sobremaneira o comportamento do cidadão brasileiro, quer por engajamento quer por receio de contrariar o status vigente.

Getúlio Vargas não se imiscuía na política internacional, mas seus atos denotavam ideias que mais se afinavam com o totalitarismo do Eixo do que com a democracia norte-americana.

Considerando todos estes entraves históricos – arte independente, política nacionalista e transformações sociais – o swing só podia mesmo ser ignorado, ou pelo menos não levado muito a sério no Brasil dos anos 1930 e 1940, e começou a ser realmente divulgado apenas alguns anos mais tarde através do trabalho de alguns bandleaders nativos como Severino Filho e sua Orquestra Tabajara, mais voltada para o samba e o choro, mas com muita pegada de big band, Aristides Zacarias com a Orquestra Zacarias, que privilegiava o frevo, além de algumas orquestras formadas para abrilhantar festas e bailes de formatura.

Considerando o tamanho do Brasil e a sua importância musical, é muito pequeno o número de big bands de jazz que existem no momento, mas é fundamental que se mencione a Banda Mantiqueira (fundada em 1985), a Big Band Jazz Sinfônica (1990), a Soundscape Big Band (1999) e a Orquestra Imperial (2002), além da Orquestra Ouro Negro, da Orquestra Atlântica, da Letieres Leite & Orkestra Rumpilezz, da UFRJ Jazz Ensemble, da Baixada Jazz Big Band e da Spok Frevo Orquestra.

É também importante que se mencione que apesar da concepção de big band e da sua ligação com o jazz, estas orquestras têm o repertório amplamente voltado para a música brasileira e suas raízes.