O
FANTASMA DA FM (1992)
(Augusto Pellegrini)
VIDA DE ARTISTA
A caminhonete ia aos solavancos pela estrada estreita,
tortuosa e esburacada. A chuva, que desabara numa curta, embora forte pancada,
já fora quase que totalmente absorvida pelo terreno arenoso, mas algumas poças
d’água renitentes ainda se mantinham apresadas com uma boa porção de lama
líquida que vez por outra borrifava o para-brisa.
A estrada coleava como serpente, rasgando o chão sem acostamento e cercada por
uma densa mata que adivinhava pássaros e insetos, e quem sabe macacos e outros
animais de pequeno porte.
Na entrada da cidade-acampamento havia um portal de madeira e uma guarita com sujeitos
exibindo cara de poucos amigos que faziam uma inspeção superficial, anotavam a
placa do veículo, horário e nome do motorista e me mediam de alto a baixo como
o fariam todos os delegados e inspetores policiais deste mundo.
A informação passada pela empresa não mencionava nenhum campo de concentração como
isto aqui parece ser, apenas falava de um pequeno núcleo habitacional com
hospital, cinema e supermercado, as casas dos engenheiros de um lado e as dos
empregados sem patente do outro, assim como se separam os tomates bons dos
tomates podres. Lá no fundo, o canteiro de obras emergia da terra como uma
plataforma espacial em processo de montagem.
O prospecto da empresa, impresso em caríssimo papel “couché”, só não mencionava
os botecos e a zona de meretrício que se formava ao longo de uma avenida que
nascera do lado de fora da cerca e que era a única diversão dos peões nas suas
horas de folga.
Foi esse o palco em que recitei meus primeiros papéis nesta vida de pioneiro de
grandes implantações industriais nos quatro cantos do país. A plateia e a
produção do espetáculo variavam com a latitude do empreendimento, mas o script
era praticamente sempre o mesmo.
(Recordações dos tempos de peão de
trecho, uma homenagem a todos aqueles que enfrentaram essa delícia de guerra)