sábado, 11 de fevereiro de 2017



TRUMPETADAS

Uma das maiores zebras do futebol aconteceu no longínquo ano de 1950, em plena Copa do Mundo disputada no Brasil, quando uma seleção norte-americana meia-boca derrotou a poderosa Inglaterra no Estádio Independência, em Belo Horizonte, com um gol solitário de Joe Gaetjens, um imigrante haitiano que trabalhava como lavador de pratos.
A história do jogo não é pródiga em detalhes, mas pelo nome dos jogadores americanos – Borghi, Maca, Souza, Colombo, Pariani – dá para perceber que Gaetjens não era o único imigrante da equipe.
Na Olimpíada de Londres de 2012, portanto mais de 60 anos depois, 38 atletas americanos eram imigrantes que haviam adotado a cidadania americana, entre eles alguns medalhistas que ajudaram o país a conquistar o maior número de medalhas dos Jogos – 104 – sendo 46 de ouro.
Contar com uma força-tarefa de imigrantes sempre se constituiu num fato corriqueiro em um país que teve uma formação baseada em estrangeiros de diversas raças que participaram da sua colonização desde o início do século XVI quando os primeiros exploradores europeus desembarcaram em várias diferentes regiões.  
Entre os medalhistas de 2012 não nascidos nos EUA podemos registrar os nomes da corredora Sanya Richard-Ross, ouro nos 400 metros rasos e no revezamento 4x400 (nascida na Jamaica), da remadora Susan Francia, ouro no time de remo (nascida na Hungria), do corredor Leo Manzano, medalha de prata nos 1.500 metros (nascido no México) e do ginasta  Danell Levya, que conquistou o bronze na competição individual (nascido em Cuba).
Todos os 38 atletas puderam competir defendendo os Estados Unidos porque foram beneficiados pelas leis de imigração vigentes no país.
No Rio de Janeiro, em 2016, a quantidade de atletas imigrantes defendendo os Estados Unidos subiu para 47, entre eles novamente o ginasta Danell Levya, o maratonista Meb Khallezighi (nascido na Eritrea), o judoca Nick Delpopolo (nascido na Servia e Montenegro), o corredor Paul Kipkemoi Chelimo (nascido no Quênia) e Kyrie Irving, jogador da equipe de basquete (nascido na Austrália).
Eu poderia desfilar aqui uma série de americanos bem sucedidos que elevaram o nome do país em áreas científicas, jurídicas ou educacionais, mas vamos por enquanto nos ater ao esporte, objeto da nossa coluna no jornal.
O esporte já foi vítima de situações políticas que empanaram o brilho de algumas competições, prejudicando profissionais que passaram anos se preparando para ver o seu sonho desfeito pelo mau humor dos governantes.
Posicionamentos políticos e tentativas de desestabilização visando o poder ideológico do mundo provocaram crises intensas principalmente entre os Estados Unidos e a União Soviética com desdobramentos fatais que acabaram atingindo o esporte.
Em 1980 um bloco de países liderados pelos Estados Unidos boicotou a Olimpíada de Moscou como retaliação à invasão do Afeganistão pela União Soviética. Mais de 60 países se recusaram a competir, entre eles a Alemanha Ocidental, a China, o Canadá e o Japão, enquanto a Grã Bretanha, a França, Portugal e a Espanha mandaram delegações reduzidas a alguns atletas que fizeram questão de estar presentes.
Como resposta, quatro anos depois a União Soviética declarou que não enviaria atletas para a Olimpíada de Atlanta, no que foi seguida por Cuba, pela Alemanha Oriental e pela maioria dos países da Cortina de Ferro.  
Não apenas no esporte, mas também em outros campos muitos americanos ilustres eram imigrantes ou filhos de imigrantes europeus – alemães, eslavos, italianos e outros – que ajudaram a forjar um país cuja liderança foi crescendo a partir do final da Primeira Guerra Mundial (1918) até os dias de hoje.
A atual seleção de futebol dos Estados Unidos conta com três jogadores nascidos em outros países que se naturalizaram americanos e que poderão eventualmente encontrar dificuldades se tiverem que viajar a serviço, isto é, ir o exterior com seus times ou pela seleção para partidas internacionais. São eles Benny Feilhaber, volante do Sporting Kansas City nascido no Rio de Janeiro, Darlington Nagbe, meio-campista do Portland Timbers nascido na Nigéria e Juan Sebastián Agudelo, atacante do New England Revolution nascido na Colômbia.
A América é a pátria do mundo, e não será uma canetada presidencial que irá mudar a  história do país, que mantém parte do seu carisma também devido a algumas personalidades já consagradas: a atriz Natalie Portman (cujo nome real é Natalie Hershlag) nasceu em Jerusalém; o ator Joaquin Phoenix nasceu em Porto Rico; o ator Keanu Reeves nasceu em Beirute, no Líbano; Arnold Schwarzenegger nasceu numa cidadezinha da Áustria e chegou a ser governador da Califórnia; e Henry Kissinger, um dos maiores diplomatas produzidos pelo país, nasceu na Alemanha.    
Independentemente, porém, das trumpetadas atuais, que é possivelmente o assunto mais comentado em todo o mundo, superando as guerras, os atentados e as incertezas políticas e geopolíticas,  a premiação do Oscar e o Carnaval do Rio de Janeiro, a vida segue em frente e a situação de uma forma ou de outra acabará se acomodando.
Com as bênçãos do Supremo Tribunal.
.
   

(Artigo publicado no caderno de Esportes do jornal O Imparcial de 10/02/2017)





quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017





O POLÍTICO - III

Ali estava o velho político,
morto, e além do mais, convicto.
Porém não tão convicto quanto deveria estar,
pois morto é morto, e não tem o direito de se levantar.

Ressureição, paz e anjos!
Será que este velho é santo?
Se não, que mistério é esse,
o que vejo é certo aqui deste canto?

Já me disseram que a morte
não é tão morte, nem clínica,
já me disseram um dia.
Mas pra deixar de ser morte
depois de frio o defunto,
só sendo catalepsia.

Mas estas portas fechadas,
estas janelas de grades
e este pavor no meu estômago
fazem-me saber de pronto
que se não há ainda um morto,
haverá logo um, de emborco.

Além da fome e do engano,
da peste e da baioneta,
também mata e fere o medo,
mata ou muda a consciência.

Não é correto nem justo
que os bons permaneçam mortos
e que este patife defunto
se levante e à vida volte.

Compreendo que não estava morto,
apenas fingindo estava,
talvez pra sentir o gosto
de saber quem o odiava.

E percebeu, nesse dia,
muito embora já o soubesse,
que no velório não havia
um cristão que o conviesse.

Nem lágrimas, nem soluços,
nem adeuses, lenços brancos.
Só eu, curioso inconsciente,
me encontro aqui neste canto.

1988


terça-feira, 7 de fevereiro de 2017






Letra composta sobre "Choro Negro", música instrumental de Paulinho da Viola 

CHORO NEGRO 
     
Há quanto tempo este momento eu esperei
Mas gostaria de fugir, e o porquê não sei
O camarim guarda o silêncio que antecede o show
Lá fora vozes sussurrando sob a luz em meio tom

Olho no espelho que reflete o que há em mim
Eu gostaria de sentir felicidade, enfim
Escolho a face que usarei para enfrentar
Esta plateia colorida que me assusta e faz chorar

Na solidão deste monólogo cruel sinto na boca um gosto fel
E o coração parece então acelerar
Sigo em silêncio em direção ao meu destino
Caminho ao som de um violino que me empurra para o palco

E as cortinas de veludo ao descerrarem mostram tudo
Rosas vermelhas no cenário e aplausos quentes como a luz
A emoção me faz chorar um choro negro
Que faz parte deste enredo que fascina e me seduz


(2008)