TRUMPETADAS
Uma
das maiores zebras do futebol aconteceu no longínquo ano de 1950, em plena Copa
do Mundo disputada no Brasil, quando uma seleção norte-americana meia-boca
derrotou a poderosa Inglaterra no Estádio Independência, em Belo Horizonte, com
um gol solitário de Joe Gaetjens, um imigrante haitiano que trabalhava como
lavador de pratos.
A
história do jogo não é pródiga em detalhes, mas pelo nome dos jogadores
americanos – Borghi, Maca, Souza, Colombo, Pariani – dá para perceber que
Gaetjens não era o único imigrante da equipe.
Na
Olimpíada de Londres de 2012, portanto mais de 60 anos depois, 38 atletas
americanos eram imigrantes que haviam adotado a cidadania americana, entre eles
alguns medalhistas que ajudaram o país a conquistar o maior número de medalhas
dos Jogos – 104 – sendo 46 de ouro.
Contar
com uma força-tarefa de imigrantes sempre se constituiu num fato corriqueiro em
um país que teve uma formação baseada em estrangeiros de diversas raças que
participaram da sua colonização desde o início do século XVI quando os
primeiros exploradores europeus desembarcaram em várias diferentes regiões.
Entre
os medalhistas de 2012 não nascidos nos EUA podemos registrar os nomes da
corredora Sanya Richard-Ross, ouro nos 400 metros rasos e no revezamento 4x400
(nascida na Jamaica), da remadora Susan Francia, ouro no time de remo (nascida
na Hungria), do corredor Leo Manzano, medalha de prata nos 1.500 metros
(nascido no México) e do ginasta Danell
Levya, que conquistou o bronze na competição individual (nascido em Cuba).
Todos
os 38 atletas puderam competir defendendo os Estados Unidos porque foram
beneficiados pelas leis de imigração vigentes no país.
No
Rio de Janeiro, em 2016, a quantidade de atletas imigrantes defendendo os
Estados Unidos subiu para 47, entre eles novamente o ginasta Danell Levya, o
maratonista Meb Khallezighi (nascido na Eritrea), o judoca Nick Delpopolo (nascido
na Servia e Montenegro), o corredor Paul Kipkemoi Chelimo (nascido no Quênia) e
Kyrie Irving, jogador da equipe de basquete (nascido na Austrália).
Eu
poderia desfilar aqui uma série de americanos bem sucedidos que elevaram o nome
do país em áreas científicas, jurídicas ou educacionais, mas vamos por enquanto
nos ater ao esporte, objeto da nossa coluna no jornal.
O
esporte já foi vítima de situações políticas que empanaram o brilho de algumas competições,
prejudicando profissionais que passaram anos se preparando para ver o seu sonho
desfeito pelo mau humor dos governantes.
Posicionamentos
políticos e tentativas de desestabilização visando o poder ideológico do mundo
provocaram crises intensas principalmente entre os Estados Unidos e a União
Soviética com desdobramentos fatais que acabaram atingindo o esporte.
Em
1980 um bloco de países liderados pelos Estados Unidos boicotou a Olimpíada de
Moscou como retaliação à invasão do Afeganistão pela União Soviética. Mais de
60 países se recusaram a competir, entre eles a Alemanha Ocidental, a China, o
Canadá e o Japão, enquanto a Grã Bretanha, a França, Portugal e a Espanha
mandaram delegações reduzidas a alguns atletas que fizeram questão de estar
presentes.
Como
resposta, quatro anos depois a União Soviética declarou que não enviaria
atletas para a Olimpíada de Atlanta, no que foi seguida por Cuba, pela Alemanha
Oriental e pela maioria dos países da Cortina de Ferro.
Não
apenas no esporte, mas também em outros campos muitos americanos ilustres eram
imigrantes ou filhos de imigrantes europeus – alemães, eslavos, italianos e
outros – que ajudaram a forjar um país cuja liderança foi crescendo a partir do
final da Primeira Guerra Mundial (1918) até os dias de hoje.
A
atual seleção de futebol dos Estados Unidos conta com três jogadores nascidos
em outros países que se naturalizaram americanos e que poderão eventualmente
encontrar dificuldades se tiverem que viajar a serviço, isto é, ir o exterior
com seus times ou pela seleção para partidas internacionais. São eles Benny
Feilhaber, volante do Sporting Kansas City nascido no Rio de Janeiro,
Darlington Nagbe, meio-campista do Portland Timbers nascido na Nigéria e Juan
Sebastián Agudelo, atacante do New England Revolution nascido na Colômbia.
A
América é a pátria do mundo, e não será uma canetada presidencial que irá mudar
a história do país, que mantém parte do
seu carisma também devido a algumas personalidades já consagradas: a atriz
Natalie Portman (cujo nome real é Natalie Hershlag) nasceu em Jerusalém; o ator
Joaquin Phoenix nasceu em Porto Rico; o ator Keanu Reeves nasceu em Beirute, no
Líbano; Arnold Schwarzenegger nasceu numa cidadezinha da Áustria e chegou a ser
governador da Califórnia; e Henry Kissinger, um dos maiores diplomatas
produzidos pelo país, nasceu na Alemanha.
Independentemente,
porém, das trumpetadas atuais, que é possivelmente o assunto mais comentado em
todo o mundo, superando as guerras, os atentados e as incertezas políticas e
geopolíticas, a premiação do Oscar e o
Carnaval do Rio de Janeiro, a vida segue em frente e a situação de uma forma ou
de outra acabará se acomodando.
Com
as bênçãos do Supremo Tribunal.
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(Artigo
publicado no caderno de Esportes do jornal O Imparcial de 10/02/2017)