Charles Mingus, no contrabaixo.
AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)
CAPÍTULO 20 - O PÓS-SWING
(final)
O
crítico de jazz
Paulo Santos escreveu na contracapa do álbum “Jazz, The Best Of, Volume 2”
(CBS-220007/8), ao comentar a interpretação de Miles Davis na música “Aos Pés
Da Cruz” (Marino Pinto e Zé da Zilda), que uma menina de nove anos, após ter
ouvido a gravação, teria reconhecido o som do trompetista “porque é como a voz de um garoto que ficou preso do lado de fora e deseja entrar”.
-0-0-0-
Outros músicos
também participaram do grupo orquestral de Gil Evans e também se beneficiaram
do seu impressionismo musical, como o trompetista Johnny Coles e o guitarrista
Kenny Burrell, mas nenhum deles assimilou tanto a essência introspectiva do
maestro como Miles Davis.
O modelo de Gil
Evans era revolucionário porque, ao contrário da maioria dos músicos de jazz,
que consideravam o rock como um
subproduto desprezível do blues, ele
deu a devida importância ao movimento underground,
inseriu na sua música o sentimento das composições e da interpretação
distorcida do guitarrista Jimi Hendrix, e povoou os seus arranjos com o som e
os meios-tons que ocupavam uma extensão que ia do agressivo ao melancólico, sem
jamais cair no convencional.
Evans era um
arranjador respeitável. Com frequência, dentro do próprio estúdio de gravação,
ele modificava substancialmente os seus arranjos já elaborados, retirando
elementos que pareciam não estar dentro do espírito harmônico ou adicionando
intervenções que impactavam profundamente no resultado final.
Por este motivo,
para que pudesse trabalhar na sua orquestra o músico precisava ser totalmente
desprendido, não convencional e muito criativo, pois não raro era exigido a
fazer parte do processo de mudanças.
Outro arranjador
que transformou o conceito de jazz orquestrado foi George Russell, que deu
início ao seu trabalho revolucionário ainda na década de 1940. Russell rompeu
com aquela harmonia originada pela música orquestral europeia dos primeiros anos
do século vinte e se fixou apenas nos elementos sugeridos pelo jazz, criando
improvisações baseadas no que ele chamou de “Lydian Chromatic Concept of Tonal Organization” (Conceito Cromático
Lídio de Organização Tonal), usado em escalas musicais medievais (sendo que
Lídio se refere à Lídia, antigo país localizado próximo à Grécia e à atual
Turquia, na Ásia Menor).
Este conceito
cromático abriu a cabeça de muitos músicos que vanguardizaram o jazz nos anos
1950 e 1960, entre outros o próprio Miles Davis e o saxofonista John Coltrane.
Com base nos
experimentos de Gil Evans e George Russell e na eclosão do free-jazz, alguns músicos formaram orquestras às quais denominaram
“free big bands”, uma transição
significativa entre aquilo que restara do swing
para uma absoluta liberdade tonal que sugeria uma grande desordem, mas continha
elementos interessantes que aguçavam a intelectualidade dos jazzófilos.
O jazz inaugurava definitivamente
uma fase diferente, onde pausas e acordes não ortodoxos e até ruídos estrategicamente
colocados falavam mais alto de que o ritmo e o balanço, dentro de uma harmonia
quebrada e de uma linha melódica indefinida.
E isso em menos de
dez anos depois que o entusiasmo do swing
começou a arrefecer!
A música às vezes
soava contemplativa e outras vezes cacofônica e agressiva, sofrendo uma
evidente influência de John Cage, um misto de pintor, escritor, poeta e músico
experimentalista, que entre outras coisas compôs em 1952 uma peça chamada “4:33”,
correspondendo a quatro minutos e meio de absoluto silêncio, com o pianista
sentado ao piano sem emitir um único som!!!
Uma das “free big bands” mais representativas da
época foi aquela comandada pelo compositor e contrabaixista Charles Mingus,
onde a improvisação coletiva se constituía no “tour de force” de uma orquestração que exaltava fortes e curtas
passagens de solistas, aí incluindo o próprio Mingus.
Charles Mingus
tinha o orgulho obsessivo de ser um músico de jazz diferenciado e de ser um
cidadão negro “que não se curvava diante
das constantes atribulações que a cor
da pele lhe causava”.
Ele tinha a
própria definição para o que considerava ser jazz: “Jazz is black classical music”
(“Jazz é música clássica negra”),
opinião compartilhada por quem entendia dos dois lados – jazz e erudito – como
o maestro e pianista Leonard Bernstein.
Mingus na verdade
era um músico de hard-bop que havia
se antecipado ao movimento free, e
por isso não se identificava muito com os principais representantes do free-jazz, como Ornette Coleman, Archie
Shepp, ou mesmo John Coltrane.
Ele exaltava os
músicos que haviam contribuído para que o jazz se tornasse a arte do
intérprete, desde o pianista Art Tatum até o saxofonista Charlie Parker,
passando pelo pianista Bud Powell, pelo baterista Max Roach, pelo saxofonista
Sonny Rollins e pelo seu favorito, o maestro Duke Ellington.
O estilo “avant-garde” de Charles Mingus
produziria no futuro outras orquestras de contexto mais arrojado, como a Jazz
Composers Orchestra, comandada pela pianista Carla Bley e pelo trompetista Mike
Mantler, que se arriscava em incursões que chegavam até ao mundo da ópera, e a
mirabolante Sun Ra Cosmic Arkestra, que misturava o som robusto extraído de
Count Basie e Duke Ellington com fortes pinceladas cênicas, como recitação,
teatro e balé, numa espécie de happening experimental.
O som de vanguarda
desaguou no final dos anos 1970 com grandes orquestras que praticavam uma
experimentação tonal explorando os naipes de instrumentos com pequenas doses de
swing. Entre as diversas orquestras
que ingressaram neste estilo, vale um destaque especial para a Thad Jones-Mel
Lewis Orchestra, a Akyioshi-Tabackin Big Band e a Clarke-Bolland Big Band,
curiosamente, todas lideradas por dois músicos.
Parecia que o swing propriamente dito dificilmente
voltaria a se reerguer, apesar da força experimentada pelas orquestras nos
últimos anos do século vinte.
Manter bandas de dixieland em locais específicos para um
público específico era fácil, considerando a quantidade de músicos e o custo de
manutenção envolvido, mas fazer o revival
do swing parecia uma tarefa
impossível.
Parecia, mas não
foi.
A necessidade de
reviver antigos sucessos de Benny Goodman, Count Basie e outros band leaders do passado, e
principalmente a necessidade de produzir música como entretenimento para dança,
fez surgir um novo swing, talvez um
pouco diferente, mas que trazia na sua essência uma proposta que fazia lembrar
os anos 1930.
O neo-swing estava na praça.