ESTE FUTEBOL MARAVILHOSO
A
taxa de desemprego no Brasil já atingiu a marca dos 11,2%, a maior já registrada
desde março de 2002 – na época ela chegou a 12,9%. Mas como naquele ano a
população era cerca de 6% menor, estima-se que nunca, jamais, em tempo algum,
tantos brasileiros tiveram tantos problemas para sustentar as suas famílias
como estão tendo agora, junho de 2016.
Esta
taxa se situa entre as oito mais altas do mundo (o Brasil está atrás da
Bósnia-Herzegóvina e da Grécia, que lideram com 42,4% e 24,1% respectivamente e
também da Croácia, Itália, Eslovênia, Chipre e Porto Rico, cujas taxas variam
entre 15.9% e 11,4%).
São
11 milhões de desempregados, tragédia que atinge cerca de 6% dos brasileiros se
considerarmos a população total, porcentagem que sobe assustadoramente se for
calculada sobre a massa efetivamente trabalhadora[A1] . Levando em conta uma média de três pessoas
que dependem de quem trabalha, o sofrimento e a desesperança atinge a casa dos
33 milhões, por baixo, número equivalente à população de países como Marrocos,
Arábia Saudita ou Uganda, ou duas vezes a população do Chile, do Equador ou dos
Países Baixos.
Esta
é a situação do país do futebol. Mas esta situação, pelo cúmulo da ironia, não
chega a ser a situação do futebol do país do futebol.
Evidentemente
o desemprego também assusta atletas e técnicos, mas graças a uma incrível
rotatividade e a uma dinâmica diferente da oficial, o jogador que sai do
Sampaio Correia é rapidamente absorvido pelo Atlético Goianiense, aquele que
não deu certo no Macaé é contratado pelo Confiança, o outro que se desentendeu
com o técnico no ASA de Arapiraca logo encontra guarida no Cuiabá, e por aí
segue.
É
claro que a imensa maioria dos jogadores de futebol tem salários pouco
atraentes e sofre com atraso ou falta de pagamento, mas esta também é a
situação do trabalhador tipo CLT.
O
mesmo raciocínio vale para os treinadores, possivelmente com a rotatividade
menor e com o salário maior.
É
claro que os salários e as condições dos técnicos e dos atletas da maioria dos
clubes brasileiros não são as mesmas oferecidas para aqueles que atuam em
equipes melhor estruturadas financeiramente, mas de uma forma geral eles não
fazem parte da estatística apresentada no início deste artigo.
A
elite dos jogadores pode também escolher em qual clube vai jogar, ter
pretensões salariais mais robustas (ou até impor um piso fora do qual nem
querem conversar), tem um agente bem pago para cuidar dos negócios através de
empresas constituídas e consegue viver num Brasil que todos gostariam de viver,
sonhando com a independência financeira através de um contrato polpudo com
algum clube do exterior.
Para
muitos cidadãos comuns, a situação em que o país se encontra os coloca à beira
do precipício, com problemas de aluguel e demais pagamentos atrasados, credores
batendo à porta de casa e a fugaz possibilidade de conseguir uma vaga no
mercado de trabalho sendo disputada por 11 milhões de concorrentes, todos na
pior, como eles.
Para
os cidadãos não comuns, no entanto, não existe tempo feio.
Como
já comentamos numa outra ocasião, os treinadores de futebol fazem parte de uma
categoria de trabalhador à parte da realidade.
Eles
podem se dar ao luxo de ficar desempregados a qualquer momento ou mesmo de se
aposentarem precocemente sem necessitar contar anos de serviço com carteira
assinada, passar por uma eventual perícia e enfrentar toda a sorte de
sacrifícios na lista do INSS, recorrer à justiça para receber certos direitos
não contemplados pelo antigo patrão e outros procedimentos burocráticos e
cansativos.
Um
funcionário regular de uma empresa regular tem que apresentar resultados para
se manter no emprego, pois a lista de pretendentes ao seu cargo é longa e eles
estão em pé na porta do Departamento de Recursos Humanos prontos para tomar o
seu lugar.
O
amado Dunga, no entanto, falhou nos momentos mais importantes da sua trajetória
no comando da seleção brasileira, foi demitido e vai receber uma verba de
rescisão de 4 milhões de reais devido às cláusulas contatuais feitas com a CBF.
Nada mais justo, porque um acordo redigido, revisado e assinado pelas partes
com a rubrica de conhecimento das testemunhas tem que ser respeitado.
Eis
aí um desempregado feliz, ou pelo menos despreocupado.
Ele
não faz parte da massa dos 11 milhões mencionados nas primeiras linhas deste
artigo.
(Artigo publicado no caderno de Esportes do
jornal O Imparcial de 24/06/2016)