sexta-feira, 24 de junho de 2016




ESTE FUTEBOL MARAVILHOSO

A taxa de desemprego no Brasil já atingiu a marca dos 11,2%, a maior já registrada desde março de 2002 – na época ela chegou a 12,9%. Mas como naquele ano a população era cerca de 6% menor, estima-se que nunca, jamais, em tempo algum, tantos brasileiros tiveram tantos problemas para sustentar as suas famílias como estão tendo agora, junho de 2016.
Esta taxa se situa entre as oito mais altas do mundo (o Brasil está atrás da Bósnia-Herzegóvina e da Grécia, que lideram com 42,4% e 24,1% respectivamente e também da Croácia, Itália, Eslovênia, Chipre e Porto Rico, cujas taxas variam entre 15.9% e 11,4%).
São 11 milhões de desempregados, tragédia que atinge cerca de 6% dos brasileiros se considerarmos a população total, porcentagem que sobe assustadoramente se for calculada sobre a massa efetivamente trabalhadora[A1] . Levando em conta uma média de três pessoas que dependem de quem trabalha, o sofrimento e a desesperança atinge a casa dos 33 milhões, por baixo, número equivalente à população de países como Marrocos, Arábia Saudita ou Uganda, ou duas vezes a população do Chile, do Equador ou dos Países Baixos.
Esta é a situação do país do futebol. Mas esta situação, pelo cúmulo da ironia, não chega a ser a situação do futebol do país do futebol.
Evidentemente o desemprego também assusta atletas e técnicos, mas graças a uma incrível rotatividade e a uma dinâmica diferente da oficial, o jogador que sai do Sampaio Correia é rapidamente absorvido pelo Atlético Goianiense, aquele que não deu certo no Macaé é contratado pelo Confiança, o outro que se desentendeu com o técnico no ASA de Arapiraca logo encontra guarida no Cuiabá, e por aí segue.
É claro que a imensa maioria dos jogadores de futebol tem salários pouco atraentes e sofre com atraso ou falta de pagamento, mas esta também é a situação do trabalhador tipo CLT.
O mesmo raciocínio vale para os treinadores, possivelmente com a rotatividade menor e com o salário maior.
É claro que os salários e as condições dos técnicos e dos atletas da maioria dos clubes brasileiros não são as mesmas oferecidas para aqueles que atuam em equipes melhor estruturadas financeiramente, mas de uma forma geral eles não fazem parte da estatística apresentada no início deste artigo.
A elite dos jogadores pode também escolher em qual clube vai jogar, ter pretensões salariais mais robustas (ou até impor um piso fora do qual nem querem conversar), tem um agente bem pago para cuidar dos negócios através de empresas constituídas e consegue viver num Brasil que todos gostariam de viver, sonhando com a independência financeira através de um contrato polpudo com algum clube do exterior.
Para muitos cidadãos comuns, a situação em que o país se encontra os coloca à beira do precipício, com problemas de aluguel e demais pagamentos atrasados, credores batendo à porta de casa e a fugaz possibilidade de conseguir uma vaga no mercado de trabalho sendo disputada por 11 milhões de concorrentes, todos na pior, como eles.
Para os cidadãos não comuns, no entanto, não existe tempo feio.
Como já comentamos numa outra ocasião, os treinadores de futebol fazem parte de uma categoria de trabalhador à parte da realidade.
Eles podem se dar ao luxo de ficar desempregados a qualquer momento ou mesmo de se aposentarem precocemente sem necessitar contar anos de serviço com carteira assinada, passar por uma eventual perícia e enfrentar toda a sorte de sacrifícios na lista do INSS, recorrer à justiça para receber certos direitos não contemplados pelo antigo patrão e outros procedimentos burocráticos e cansativos.   
Um funcionário regular de uma empresa regular tem que apresentar resultados para se manter no emprego, pois a lista de pretendentes ao seu cargo é longa e eles estão em pé na porta do Departamento de Recursos Humanos prontos para tomar o seu lugar.
O amado Dunga, no entanto, falhou nos momentos mais importantes da sua trajetória no comando da seleção brasileira, foi demitido e vai receber uma verba de rescisão de 4 milhões de reais devido às cláusulas contatuais feitas com a CBF. Nada mais justo, porque um acordo redigido, revisado e assinado pelas partes com a rubrica de conhecimento das testemunhas tem que ser respeitado.
Eis aí um desempregado feliz, ou pelo menos despreocupado.
Ele não faz parte da massa dos 11 milhões mencionados nas primeiras linhas deste artigo. 

 (Artigo publicado no caderno de Esportes do jornal O Imparcial de 24/06/2016)






 [A1]